Violação de leis trabalhistas na Coreia do Sul.
Longe dos olhos ocidentais, a República da Coreia se tornou uma das maiores potências econômicas do leste asiático. Não há muitos anos – menos de um século, na verdade – a Coreia foi colonizada (1910-1945) de forma violenta pelo Japão, onde inúmeros homens coreanos foram mortos em batalhas de frente e mulheres foram usadas como escravas sexuais. Com grande parte da sua cultura devastada, o país ainda teve que enfrentar uma guerra (1950-1953) que dividiu seu território em duas Coreias: a República Popular Democrática da Coreia, mais conhecida como Coreia do Norte, e a República da Coreia, também nomeada de Coreia do Sul. Essa guerra, entretanto, ainda não terminou, havendo tão somente um cessar fogo entre os dois países.
Desde a década de 1950, a economia sul coreana tem crescido rapidamente. Na atualidade, a Coreia do Sul é um dos países mais desenvolvidos do mundo e, além da sua liderança global na elaboração de aparelhos eletrônicos, é considerado um dos melhores países em comunicações e avanços tecnológicos.
Esse rápido desenvolvimento em um curto espaço de tempo foi fruto do trabalho de uma sociedade patriota que se dedicou à reconstrução do seu país. Foram dias e anos de extensas jornadas de trabalho, sacrificando suas vidas pessoais para reerguer o país das cinzas. Este esforço ficou enraizado na sociedade coreana de tal forma que, atualmente, seus filhos são submetidos a um sistema trabalhista incompatível à necessidade real do país.
Caminhando pelas ruas da capital Seul, é perceptível o número de prédios empresariais cujas luzes acusam uma jornada de trabalho superior a 12 horas diárias. Essa rotina extensa não é casual, cumprir horas extras é o normal, o incomum são elas serem remuneradas. Além de não serem pagos pelas horas de trabalho a mais, muitos coreanos acabam se submetendo a situações de estresse, humilhação e até mesmo de assédio (morais e sexuais) para manter o emprego em uma sociedade em que a subordinação e a hierarquia são soberanas.
Mas qual o motivo para não mudarem essa situação? Na Coreia do Sul não existem leis? Por que não os empregados não ingressam com reclamação trabalhista?
Sim, a Coreia do Sul tem legislação trabalhista: a Lei nº 5309, de 13 de março de 1997. Contudo, é necessário esclarecer que a realidade da sociedade coreana é bem distinta do que é apresentado na legislação. Isso porque as leis existentes não são aplicadas devido a forte influência dos tradicionais e rígidos costumes coreanos – que se sobrepõem à legislação -, e à falta de fiscalização e rigor por parte do Governo. A seguir listo as principais previsões da legislação trabalhista sul coreana comparadas à realidade laboral do país.
É previsto no artigo 49 da legislação trabalhista coreana, assim como na brasileira, que a jornada de trabalho não deverá exceder 8 horas diárias e 40 horas semanais. O artigo 55, por sua vez, determina que as horas extras deverão ser pagas com um adicional de 50% sobre o salário base, bem como as horas trabalhadas em horário noturno ( das 22h às 6h do dia seguinte) e nos descansos semanais. A realidade, porém, não retrata o que é determinado pelos dispositivos legais.
Na Coreia do Sul, o trabalho invade a vida privada do empregado, sendo habitual a jornada de trabalho alcançar 12, 14 horas por dia e os funcionários ainda terem serviço nos finais de semana, ultrapassando, assim, a carga horária diária de 8 horas previstas em contrato e em lei, tudo sem recebimento do devido pagamento aditivo por horas extras.
O artigo 59 da mesma lei assegura aos trabalhadores coreanos o direito de usufruir a 15 dias de férias por ano; contudo, esse direito só pode ser reivindicado se o empregado conseguir cumprir a condição de ter trabalhado pelo menos 80% ou mais da jornada anual. Se o empregado necessitar se ausentar do trabalho, mesmo que por razões de saúde, ele terá esses dias descontados dos dias de férias, diminuindo, assim, o período do seu repouso anual.
Costume presente em todos os seus aspectos (familiar, social e profissional) da sociedade coreana é a relação de senioridade, que consiste no respeito e obediência absoluta às pessoa mais velhas ou hierarquicamente superiores por parte das mais novas ou inferiores (leia “Coreia do Sul – Como os coreanos se relacionam” para compreender melhor). Ele é ainda mais forte na vida profissional dos coreanos, tendo como critério principal a experiência do indivíduo na área de atuação. Esse sistema hierárquico é um obstáculo para a criatividade e a livre comunicação dentro da empresa, pois caso um novo funcionário apresente uma proposta que vá de encontro com as ideias dos superiores, nada mais poderá ser feito ou reivindicado, pois o que eles dizem é regra e não podem ser contrariados.
Os aspectos apresentados são visto por muitos como positivos porque estabelecem a ordem e a disciplina na sociedade coreana. Entretanto, ao mesmo tempo eles dão margem para excessos de abuso de autoridade, que geram situações de agressão (física e psicológica, com insultos e empurrões), exploração e assédio.
As excessivas horas de trabalho, bem como a alta carga de estresse e pressão do trabalho, têm desenvolvido sérios problemas sociais e pessoais na população. Não são poucos os relatos de pessoas que literalmente se mudam para o local de trabalho, pois não valeria a pena voltar para casa levando em conta a hora em que terminam de trabalhar e o horário que devem comparecer na empresa no dia seguinte. A jornada de trabalho extensa tem como consequência o alcoolismo, adotado como refúgio por muitos trabalhadores insatisfeitos com a vida que levam; entretanto, não é a única.
A cultura patriarcal e machista do país dificulta o ingresso e permanência das mulheres no mercado de trabalho. Sem políticas efetivas para apoiá-las durante uma possível gestação, e que garanta o seu emprego e estabilidade financeira, muitas mulheres coreanas se veem obrigadas a escolher entre ter uma família ou uma carreira promissora, não tendo tempo para filhos; o que faz a taxa de fertilidade do país ser baixíssima.
A baixa taxa de fertilidade é um dado preocupante, mas há um problema mais alarmante: o suicídio. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a Coreia do Sul é o país que tem a segunda maior taxa de suicídio no mundo, além de ter a maior taxa de suicídio dos países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O suicídio no país é um problema sério e generalizado. Infelizmente, é a solução encontrada por muitos que não conseguem vencer seus problemas pessoais e, principalmente, financeiros.
Leia também: 10 motivos para morar na Coreia do Sul
Apesar de não haver nenhuma comprovação da relação direta entre horas de trabalho mais longas e taxas de suicídio mais altas, sabe-se que as horas extras afetam negativamente os níveis de satisfação de vida das pessoas. Na Coreia do Sul, não são comuns políticas de combate à depressão, muitas vezes não vista como doença e, consequentemente, não tratada. Além disso, a filosofia local não recrimina o suicídio como o cristianismo – influente no ocidente – faz. A junção desses fatores pode contribuir para a alta taxa de suicídio no país, prática buscada por muitos para “solucionar” os seus problemas.
Em 2013, inclusive, a empresa Samsung iniciou uma campanha contra o suicídio em que, enquanto as pessoas passavam sobre a ponte Mapo – local escolhido pela maioria para se jogar – luzes se acendiam e frases de motivação apareciam, como, por exemplo: “os melhores momentos da sua vida ainda estão por vir”, “vá ver as pessoas de quem você sente saudade” e “como você gostaria de ser lembrado?”.
A criação de novas leis trabalhistas na Coreia do Sul claramente não seria a melhor solução. É preciso uma mudança no pensamento e comportamento do povo coreano. Uma reavaliação sobre a real necessidade de manter os padrões de trabalho que um dia foram imprescindíveis para o desenvolvimento econômico do país, mas que hoje só trazem consequências negativas para a população, como a aquisição de doenças físicas e psicológicas, e perda de qualidade de vida. São necessárias políticas públicas efetivas e uma fiscalização mais rigorosa por parte do Governo, bem como colaboração e coragem da comunidade para que as mudanças comecem a aparecer.
4 Comments
Trabalho escravo entaõ ? E te digo que o ocidente,os Usa,ajudaram com dinheiro este país senão seria pobre;
A taxa de suicídio na Coreia do Sul é semelhante à taxa de homicídio no Brasil, ou seja, um absurdo. Atualmente, a taxa de homicídio no Brasil (como um todo), gira em torno de 28 por 100 mil habitantes, ao ano, já o suicídio na Coreia do Sul está em 27,3 por 100 mil habitantes, em 2014 (32,5 por 100 mil, se considerados os homens). É claro que há cidades no Brasil que a taxa de homicídio é bem maior que os número nacional, e é claro que o número de suicídio no Brasil também não é irrelevante (cerca de 11 por 100 mil habitantes, em 2012), mas é insano achar que uma sociedade como a coreano possa perdurar a longo prazo com tamanha infelicidade do povo, pois nada demonstra mais a infelicidade de uma pessoa do que o suicídio.
Olá Amanda, como vai?
Meu nome é Eulália, trabalho em uma consultoria de treinamentos interculturais – Global Line.
Nós treinamos expatriados de diversas empresas.
Na próxima semana 20/12 (quarta feira) atenderemos um colaborador que será transferido para a Coréia do Sul em breve; gostaríamos de saber se você pode colaborar com o que chamamos de ‘Testemunho’, explico: usamos 45 minutos do treinamento para conectar virtualmente o participante com alguém que tenha experiência no país de destino, para que você compartilhe um pouco da vivência no país.
Brevemente é isso. Se você achar que se enquadra nessa proposta te passo informações mais detalhadas e o valor de remuneração.
Obrigada.
No aguardo,
Olá Eulália,
A Amanda Gomes parou de colaborar conosco, mas temos outra colunista na Coreia do Sul chamada Ana Paula Pires.
Você pode entrar em contato com ela deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM