Abandono de Idosos na Coreia do Sul.
Em uma cultura na qual funerais são cerimônias extravagantes que podem durar até três dias e receber centenas de convidados, o recente funeral de Song In-Sik foi, na melhor das hipóteses, modesto. Teve apenas um convidado – um ativista que voluntariamente celebrou o ritual para alguém que nunca conheceu.
O ativista, Park Jin-Ok colocou uma mesa com frutas, peixe seco e flores artificiais em frente a uma unidade refrigerada, contendo os restos mortais do Sr. Song, no necrotério do Sungae Hospital em Seul. Ele acendeu incensos e reverenciou o falecido, antes que o impaciente diretor do necrotério pedisse que ele recolhesse tudo e fosse embora.
O corpo do Sr. Song, de 47 anos, foi encontrado três dias depois de seu falecimento, em estágio de decomposição dentro de um quarto alugado. Ele teve sorte de ter um funeral improvisado. Um número crescente de sul coreanos morrem sozinhos, sem parentes presentes para reivindicar seus restos mortais e realizar o ritual, o qual, os coreanos acreditam ser essencial para amenizar a passagem do falecido para o outro mundo.
O aumento das chamadas “mortes solitárias” – de 692 em 2011 para 1.008 no ano passado, de acordo com estatísticas do governo – oferece uma pequena, mas comovente visão de como a tão estimada estrutura tradicional familiar sul coreana está mudando.
Apesar de sul coreanos terem se beneficiado muito da forte economia nas últimas décadas, as famílias têm passado por tensões, devido a reviravolta econômica e demográfica
“Aqueles que não acompanham se tornam muito solitários porque, diferentemente dos pobres de tempos passados, eles veem suas comunidades serem destruídas pelo desenvolvimento e expansão urbana”, disse o reverendo Kim Keun-Ho, um pastor cristão que tem trabalhado nos bairros pobres nos topos dos morros de Seul, conhecidos como vilas da lua (moon towns). “Os pobres e velhos não tem para onde ir”.
Keun-Ho e outros observadores traçam o problema até a crise financeira asiática do final da década de 1990, quando o emprego vitalício, que já foi muito comum, evaporou-se. Muitos perderam seus empregos e nunca se recuperaram, e uma sociedade já muito acelerada que se tornou ainda mais competitiva.
Agora, em seus 40 anos ou mais, alguns desses desafortunados são encontrados dormindo sobre caixas de papelão em estações de metrô ou passarelas subterrâneas – cenas remanescentes dos anos desesperados depois da Guerra das Coreias.
Sua queda simboliza o desmantelamento da ordem social do Confucionismo, com a qual os coreanos viviam há muitos anos. Familiares gastavam todo o seu dinheiro em prol do sucesso de seus filhos, e em retorno contavam com o apoio deles na velhice. Agora, muitos coreanos idosos se encontram sem reservas para aposentadoria ou filhos capazes de ampará-los.
Ao avaliar a questão sobre “se os cidadãos tiveram apoio de parentes ou amigos em períodos de necessidade”, os sul coreanos pontuaram no fim da lista de países da Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, de acordo com o relatório anual “How’s Life?” lançado em outubro passado. O apoio social foi o menor entre coreanos com mais de 50 anos.
“Uma sociedade que deixa seus pobres e abandonados morrerem sozinhos e partirem sem um funeral possui um coração que também está morrendo” disse Park Jin-Ok, cuja organização “Nanum & Nanum” é um dos poucos grupos civis que fazem funerais para aqueles que morrem sozinhos. “Eles passaram seus últimos dias com medo de que seus restos mortais fossem tratados como lixo”.
Os ativistas disseram que um dos maiores medos dos pobres é morrer sem receber um funeral apropriado – a maior marca de uma vida marginalizada. Na Coreia do Sul, a posição da família na comunidade é medida e vangloriada pelo funeral de um ente querido, por quantos convidados honram com o convite e quanto tempo ficam. Centenas de parentes, amigos e antigos colegas podem aparecer no salão funerário, se curvando em frente ao retrato do falecido, alocado em uma cama de crisântemos recém cortados.
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Os convidados frequentemente sentam no chão, conversando – alguns durante a noite – enquanto a família os enchem de comida e bebidas. Muitas coroas com fitas de seda, com os nomes dos remetentes, enchem os salões funerários, e convidados muitas vezes trazem dinheiro em envelopes para ajudar a família com as despesas. Devido a esse costume, o governo tenta limitar o quanto funcionários públicos podem receber ou doar, com o receio de corrupção.
Mas para os sul coreanos pobres, tal evento é fora da realidade. Alguns nem chegam a recuperar o corpo do parente. “Especialmente no caso de idosos que vivem sozinhos ou sem teto, sobreviventes da classe baixa não recuperam o corpo do ente querido devido ao peso econômico do funeral, ” disse Kim Jae-Ho no Korea Institute for Health and Social Affairs.
Nos últimos seis anos, Choi Jeong-Woong, de 71 anos, um divorciado veterano da Guerra do Vietnam, tem vivido sozinho em uma pensão, com um custo de 220.000 por mês – nas palavras do Sr. Kim, o pastor, “o lugar mais solitário da Coreia. ” Muitos residentes ali passam seus últimos dias em quartos tão pequenos que apenas cabe uma cama estreita. O Sr. Choi disse que não tem parentes para fazerem o funeral para ele.
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“Eu costumava manter contato com amigos do tempo do Vietnam” disse Sr. Choi, cujas mãos tremiam muito. “Mas não tenho mais contato, porque não gosto de derrubar comida em público”
A Coreia do Sul tem uma das sociedades que mais envelhece no mundo, com pessoas de 65 ou mais somando 13.1 por cento da população, um aumento incrível de 3.8% de 1980.
Após ser pego de surpresa, o governo tem procurado reforçar a rede de segurança social, mas os benefícios continuam escassos.
Abandono de Idosos na Coreia do Sul
O Índice Global Melbourne Mercer de Pensões de 2015, lançado em outubro, mediu os sistemas de salário de aposentadoria das 25 maiores economias e a Coreia do Sul ficou em 24º, com apenas a Índia atrás dela. No ano passado, apenas 35% dos sul coreanos entre 55 e 79 anos recebiam pensão e tinham um pagamento mensal em média de $431, ou 82% do custo mínimo de vida de uma única pessoa, de acordo com dados do governo.
Cerca de 30% das famílias mais idosas da Coreia possuem um salário mensal abaixo do nível absoluto de pobreza. Mas podem receber previdência social se puderem provar que os familiares não querem ou não tem condições de mantê-los. Muitos rejeitam essa opção porque consideram vergonhoso pedir ajuda de parentes com os quais já não falam há muitos anos.
E um em cada quatro idosos na Coreia do Sul sofre de depressão, de acordo com estudo publicado pelo Korea Institute for Health and Social Affairs em setembro. Como grupo, sua taxa de suicídio é o dobro da média nacional.
Quando pessoas morrem sozinhas, a polícia tenta localizar parentes e determinar se irão reivindicar os restos mortais – um processo que pode levar meses, como foi o caso do Sr. Song – antes da cremação. No mesmo mortuário estava o corpo de um homem, achado em seu quarto, quase dois anos e meio depois dele ter se enforcado.
O medo de ter esse mesmo destino incomodou Ham Hak-Joon, de 87 anos, cuja pequena companhia de ônibus acabou durante a crise financeira de 1997 e 1998. Ele mora sozinho em um quarto que alugou por $130 ao mês em um bairro esquecido.
Seu incômodo foi resolvido quando a “Nanum & Nanum” concordou em fazer seu funeral.
“Estou preparado agora, pronto para morrer” ele disse, seus olhos fixos na pequena TV portátil, uma de suas últimas conexões com o mundo exterior, especialmente após suas pernas com artrite dificultarem as suas saídas por aí.
E você, ficou surpreso em saber sobre o abandono de idosos na Coreia do Sul?
2 Comments
Triste mas muito interessante! Obrigada pelo texto tão informativo! bjs
Depois dessa eu vou cuidar ainda mais de Minha Avó e de Minha Mae. Ninguém merece ter um fim de vida assim. Muito triste.