Em 19 de dezembro de 2008 – data inesquecível – falei para o meu marido que precisávamos dar um giro na nossa vida. Queria realizar o sonho de morar fora uma temporada e tinha certeza que deveria fazê-lo antes de ter filhos. Analisamos e decidimos vir para Espanha, país que já tinha conhecido em 2005. Dito e feito começamos a “Operação Espanha” quando ajustamos nosso orçamento ao projeto de economizar para arcar com os custos da viagem e ficar sem trabalho um ano, pois iríamos estudar no país com bolsa ou sem bolsa. No final das contas viemos sem bolsa mesmo.
Como se não bastasse toda a papelada para a universidade comecei a dar entrada na minha cidadania portuguesa. Na verdade viemos para a Espanha com o pensamento de não retornar ao Brasil, porém, para meus pais e meus sogros dissemos que íamos ali na Espanha, mas voltaríamos dentro de um ano. Hoje eles entendem.
Assim escolhi fazer um mestrado (máster) na Universidade de Alcalá de Henares, a cidade onde nasceu Cervantes e que fica a 40 minutos de trem de Madri. Por sua vez, meu marido optou por fazer duas especializações na área de negócios. Decidimos morar em Alcalá, pois eu teria aula quase todos os dias e ele, inicialmente, apenas uma vez na semana.
A cidade de Alcalá de Henares foi uma supresa. Com 200 mil habitantes, tem a responsabilidade de ter abrigado a segunda universidade da Espanha (a primeira foi Salamanca) e uma vida cultural invejável com feiras, mostras de cinema, música e teatro, concertos, etc. Acho que fomos a todas, além de visitar todos os museus, igrejas e centro culturais que existem lá. O que mais gostávamos é que morávamos perto do centro histórico e fazíamos tudo a pé, ao contrário de Niterói ou do Rio, onde essa possibilidade é cada vez mais remota.
O meu mestrado era internacional e isso quer dizer que meus colegas eram da Itália, China, Colômbia, Bolívia, Cuba, Venezuela e França, além de espanhóis de todos os cantos do país. Aliás, um fato que chama atenção aqui é a dificuldade das pessoas aceitarem a nacionalidade espanhola.
A simples pergunta: “de que país você é?” vai depender da região e do grau de separatismo desejado na mesma. Ou então a piadinha: você quer saber o que está escrito no meu passaporte? Isso soa muito estranho para quem vem de um país tão grande e sem maiores problemas de convivência.
Para fazer novos amigos passamos a frequentar bares que promoviam intercâmbios de idiomas. Tínhamos uma vantagem dupla porque praticávamos o castelhano e o inglês. Descobri que existem mais semelhanças do que diferenças entre a sociabilidade de espanhóis e brasileiros. Ambos adoram estar na rua, beber com os amigos, ir para uma festa não importa o calor ou o frio que esteja fazendo.
Igualmente aprendi sobre a maneira direta de ser espanhol. No Brasil estamos sempre preocupados com o que as outras pessoas pensam de nós. Daí o cuidado que temos em fazer rodeios, a desculpar-se e, principalmente, nunca dizer “não” diretamente. Aqui, isso é considerado uma falta de educação. “Fulana, vamos sair hoje?” Resposta: não. Simples, seco e direto. Para quê ficar contado uma historinha, dizer que “sei lá”, “vamos ver”, “estou meio que cansado” (essa é ótima) ? E o contrário também é verdadeiro. Uma vez que o compromisso é aceito dificilmente alguém o desmarca em cima da hora ou não comparece.
Nesse período esperávamos ansiosos pela entrega dos documentos da cidadania portuguesa. Quando cheguei aqui vim como brasileira e estudante. Se quisesse ficar teria que obter a cidadania portuguesa porque com a crise e com um governo de direita está cada vez mais complicado conseguir a permissão de trabalho ou visto permanente. Porém, já tinha a papelada pronta do consulado de Portugal no Rio e com uma ida a Lisboa nossos problemas terminaram. Será? Para mudar nosso registro em Madri (de estudantes brasileiros a cidadãos europeus) esperamos seis longos meses e sem esse bendito número, ninguém nos contratava.
Como não conseguimos ficar parados comecei a dar aula particular de francês e de português; e meu marido, a fazer milhões de entrevistas. Mas sem o bendito documento que nos dissesse que fazíamos parte da UE, nada feito. Até que o dia glorioso chegou e me tornei cidadã portuguesa na Espanha e meu marido, familiar de cidadã da comunidade Europeia. E foi justo no mês que nossas economias tinham terminado.
Toda aquela diversidade de nacionalidades da minha turma se revelou um problema quando o meu mestrado terminou. De repente nos vimos sozinhos em Alcalá de Henares e como nós dois tínhamos encontrado trabalho em Madri resolvemos nos mudar para a capital.
Milagrosamente encontramos um estúdio há dois quarteirões do escritório do meu marido. Para quem encarava a ponte Rio-Niterói ou a barca todo dia estar a cinco minutos do trabalho a pé era uma benção. Como tinha que me deslocar por conta das aulas que dava posso dizer que conheço bastante de Madri e sou fã número 1 do transporte público daqui. Nem todos os madrilenhos vão concordar comigo, óbvio.
Vivemos a fase de estudantes, a fase de procurar emprego e depois, de ter um filho. E como é estar grávida e ser mãe aqui na Espanha? Isso eu contarei nos próximos capítulos!
17 Comments
Experiência bacana, hein Juliana? Nada como começar de novo, pra gente expandir ainda mais os horizontes! Bem-vinda ao time! Beijos
Obrigada, Cristiane! É preciso se reinventar sempre, não?
Muito legal! Aguardando os próximos capítulos……
Nossa! Que história legal!!! E que ótimo momento para encontrar este site… Me mudarei para Madrid em maio para acompanhar meu noivo (futuro esposo) e todo dia quebro a cabeça pensando no que posso fazer nessa cidade. Com certeza serei leitora assídua. Obrigada!!
Obrigada, Carolina! Já estou soltando a minha porção Glória Perez. 😉
Pollyane, qualquer dúvida é só mandar um sinal de fumaça eletrônico, ok?
Olá,
Recebi uma proposta de emprego em Barcelona porém nunca estive aí nem na Europa. Estou sem referencias ao menos para saber se a proposta financeira é bom ou não.
Será que poderia me ajudar? Coisas básicas tipo custo de vida, dicas de lugares onde morar, etc
Posso te mandar um email?
Grato,
Fernando
Olá! Já te respondi no post “10 razões…”, abraços.
Oi Juliana, muito legal ter coragem de deixar quase tudo pra trás e tentar coisas novas! Adoro ler historias como a sua.
bjoos e otimo texto
Realmente, é preciso muita coragem, mas devo dizer que estava bem acompanha. Obrigada e um abraço!
Juliana, que legal! Também moro em Madri e amo essa cidade! Acredita que aina não fui a Alcalá? Que vergonha!!
Estou curiosa para ler sobre maternidade, já que esse é o tema do meu doutorado na Complutense.
Um abraço
Que linda! E no final, nos conhecemos. Um beijo!
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gostei muito de seus escritos, vou seguir seu blog. continue escrevendo
Que honra, José Miguel! Muito obrigada!
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Oie juliana, você pode indicar algum site, de como conseguir a cidadania espanhola ?? Ou pode fazer algum post sobre esse assunto ?? Obrigada
Olá, Isabel! Consulte esse link, em espanhol, do Ministério da Justiça: http://www.mjusticia.gob.es/cs/Satellite/Portal/es/areas-tematicas/nacionalidad/nacionalidad/como-adquiere-nacionalidad Abraços!