Esse será meu primeiro fim de ano na África do Sul porém, não é a primeira vez que passo as festividades longe da família. Em 2006 eu estava em um intercâmbio na Flórida e são os sentimentos que afloram, ao estar distante nessa data, que quero abordar aqui. Mas não se preocupe, também falarei de meus achados sobre as tradições natalinas locais!
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Saudades da família
No Natal de 2018 tivemos sorte, tempo e recursos para ir ao Brasil, após quase um ano e meio sem pisar na terrinha. Agora que o fim de ano se aproxima novamente, é frequente questionarem se iremos “voltar para o Natal” e, ao responder que não, se iremos passar com a família do meu esposo na Alemanha. Sinto na voz a decepção após dizer que, dessa vez, seremos somente eu e ele, e tudo bem.
Eu compreendo a reação. Independentemente da religião, toda pessoa ligada à família quer estar perto dos seus nessa época, e a gente se inclui nisso. Mas penso e, principalmente, sinto diferente. Não sei se é coisa de sagitariana, se é meu lado prático, se é meu jeito de, cada vez mais, tentar ver a vida como ela é e aproveitar o que nos é oferecido, ou se é porque celebrar o significado religioso é o mais importante para mim. Talvez seja uma combinação de tudo.
No fim do dia, Natal e Ano Novo são datas no calendário e isso não deveria nos deixar deprimidos. Normalmente as visitas são na época de festas porque é quando todo mundo se esforça para se reunir, mas a saudade bate durante todo o ano, não somente no fim dele. Claro que termos acesso a ligações de vídeo faz toda a diferença nesse mundo. Se quiser, dá até para participar da ceia à distância! Meu ponto é: tente aproveitar esse período da melhor forma possível.
Natal com comida chinesa e Ano Novo trabalhando
Fiquei quatro meses em Tampa, entre dezembro/2006 e abril/2007, cidade a uma hora de Orlando. Fui morar com brasileiras e tínhamos um grupo grande de intercambistas, contando a “casa dos meninos” que incluía brasileiros, russos, chileno e jamaicano. Para mim, esse foi o cenário perfeito, pois eu praticava o inglês no trabalho e quando saía, e me sentia “em casa” ao chegar em casa.
Logo o fim do ano se aproximava e começaram as conversas sobre o que faríamos para celebrar. Na verdade eu estava focada em trabalhar, pois precisava juntar dinheiro para viagens, e o que viesse de comemoração seria lucro. A solução para a ceia foi irmos para a casa dos meninos e encomendar comida chinesa, já que todo mundo iria trabalhar e ninguém conseguiria cozinhar para mais de dez pessoas. E na noite da virada, as meninas da casa estariam trabalhando como garçonetes em um restaurante argentino.
Lembro de uma de minhas amigas que, muito triste, repetia que comida chinesa não era coisa de Natal e que seria deprimente trabalhar no reveillon. E não é que ela foi uma das que mais se divertiu? Comemos, dançamos e rimos muito na noite de Natal, a ponto de só voltarmos para casa na manhã seguinte. E enquanto achávamos que estaríamos servindo mesas nos primeiros segundos de 2007, fomos convidadas para brindar e eu dancei com o dono do restaurante.
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Tradições sul-africanas
De acordo com a Statistics South Africa 2014, 84% dos sul-africanos se denominam cristãos, portanto o Natal é uma data importante e com grande cunho religioso. Não há nada de especial na véspera, e na manhã seguinte as igrejas se enchem para a celebração. As crianças deixam meias para o Papai Noel e os presentes são trocados após voltarem para casa. Como é feriado prolongado nas escolas, muitos optam por acampar ou fazer safári nessa época.
O dia 26 de dezembro também é feriado, seguindo a tradição britânica e, assim como na terra da Rainha, era chamado de Boxing day. Após o fim do Apartheid foi rebatizado de Day of Goodwill (Dia da Boa Vontade). Eu, em minha santa ignorância, achei que Boxing day era um dia de competição de boxe, mas na verdade é um dia em que os excessos de comida e presentes são doados para pessoas carentes. O nome vem do costume inglês de, desde a Idade Média, usar caixas (boxes) para colocar as doações, que são abertas nesse dia.
Comidas típicas
Assim como no Brasil, aqui é verão. Por isso, muitas famílias fazem o programa nacional favorito, o braai (churrasco em africâner), normalmente servindo carne, costela de carneiro ou linguiça, acompanhados de um pulo na piscina. Mas também se come o tradicional peru (ou pato, ou frango, ou os três juntos, um dentro do outro) e a torta de carne moída, acompanhados de arroz amarelo e vegetais cozidos. Eu li que na cultura Zulu serve-se amadumbe (um purê de batata-doce e amendoim), enquanto os Xhosas gostam de umngqusho (diferentes tipos de feijão e ervilha, aparentemente o prato favorito do Mandela).
Já no quesito sobremesa, opções que não consigo comer por achar muito doces: pudim de malva (um bolo com textura molhada e esponjosa, com bastante cobertura de baunilha) e bolo de Natal (diria que é a versão local do panetone, um bolo molhado com frutas secas).
Festivais e compras
Outras tradições são as feirinhas de Natal e festivais de luzes. Eu me assustei ao ver decoração natalina no supermercado já em meados de outubro, mas é bem discreta comparada com Brasil, EUA e Europa. Nas feirinhas, há muitos presentes com menção religiosa, como cruzes enfeitadas, imãs de geladeira e quadros com versículos bíblicos, e comidas caseiras (mel, geleia, biltong, pimentas).
Os festivais de luzes acontecem nos grandes centros, mas também em Potchefstroom, minha metrópole de 60 mil habitantes! O Liggiefees Potch ocorre em um abrigo infantil, e os recursos levantados são destinados ao local. Além das luzes, há atrações para as crianças, barracas de comida e bebida e ao menos quatro shows semanais. Neste ano, ele irá de 29 de novembro a 31 de dezembro, com direito à celebração da virada. E, pela primeira vez, com a maior roda-gigante do país!
Celebre!
Se conselho fosse bom, a gente venderia ao invés de dar, correto? Mas minha sugestão para os conterrâneos espalhados pelo mundo é de aproveitar as festividades, independente da situação! Principalmente porque teremos alguns feriados, o que normalmente se traduz em dias livres. Permita-se mergulhar na cultura local, celebrar com uma “família postiça” de amigos, fazer um passeio diferente, inventar uma nova tradição!
Para você que tem familiar morando fora, lembre-se de que essa época é a mais cara do ano para passagens, muitas vezes com preços obscenos e poucos países concedem um mês de férias no ano. Portanto, dê aquela força extra para seu ente querido que está arrasado por não poder voltar, ao invés de chorar junto!
Desejo um Feliz Natal e um abençoado 2020 para todos nós, com muita paz de espírito!