Dezembro é o mês de balanço, de avaliações e de promessas, mas antes disso é o mês do Natal que, para mim, é a festa mais importante do ano. Com certeza isso é herança da minha avó que era super católica, mas independente de religião, Natal era quando todo mundo que eu amava tinha que se reunir.
Para falar da minha experiência com Natal depois que sai do Brasil, tenho que expor um fato pessoal e que merece até um artigo específico: levar a filha do meu primeiro casamento para morar longe do pai.
Quando eu me separei ela tinha um ano. Conseguimos manter uma ótima relação e ele sempre foi um ótimo pai. Mas ótimo mesmo, do tipo que dispensava a babá no fim de semana dele pois gostava de cuidar dela sozinho, trocava fralda, dava banho, fazia papinha. E os anos passaram e ele seguiu assim. Ia às consultas na pediatra, não perdia nenhuma reunião ou festinha na escola, nunca se atrasou ou cancelou um encontro, ou seja: quase um ser de outro planeta!
Casei de novo, tive mais duas filhas e quando ela tinha 9 anos recebemos a proposta de expatriação para Roma. Como você se sente quando tem que avisar a este pai, que você vai mudar para outro país com seu novo marido e vai levar a filha dele embora?
Não vou entrar aqui nos detalhes, pois não há como generalizar uma situação destas. O fato é que conseguimos nos acertar. Mas, uma das coisas que negociamos foi que ela passaria TODAS as férias e feriados com ele. Na verdade fazia todo sentido, pois o resto do ano ela estaria comigo. Mas, todas as férias também incluíam Natal e Ano Novo, todos os anos.
Nesta época, achávamos que ficaríamos apenas 2 ou 3 anos e me pereceu suportável aceitar esta condição. Não podia imaginar mudar de país sem minha filha e não gostaria de ter que entrar em litigio pois o processo poderia demorar anos e, enquanto isso, eu não poderia levar ela comigo. Se tem uma coisa que funciona no Brasil é o controle de saída de menores. Se ele não autorizasse, ela não poderia sair do país.
Só que depois da Itália, vieram novos países e muitos outros anos e minha filha NUNCA passou o Natal comigo ou com as irmãs. Na verdade no primeiro ano resolvemos ir todos para São Paulo. Mesmo sabendo que ela ficaria exclusivamente na casa do pai, apenas a sensação de estar por perto já me acalmava um pouco. E é aqui que começa meu texto sobre passar o Natal longe do Brasil.
Morando no hemisfério norte, as férias longas são no verão (julho e agosto) e as do fim do ano são apenas duas semanas, o que, por si só já desanima um pouco, some-se a isso o preço exorbitante das passagens em época de festas e a viagem para o Brasil fica bem complicada. Para piorar a cidade está caótica, as estradas congestionadas, todo mundo estressado e correndo ou já de férias e sua viagem também vira um caos. É impossível ver todo mundo e matar todas as saudades. Seus amigos estão super ocupados com suas famílias e você também.
No meu caso, que tenho pais separados, morando em cidades diferentes e sogros ainda em uma terceira cidade, a situação é bem desafiadora. Você sempre vai deixar alguém chateado, é impossível agradar todo mundo, visitar todo mundo e, o que deveria ser uma viagem gostosa e de festas, se transforma em uma correria desenfreada de visitas rápidas cheias de lamentos e reclamações, além das crianças exaustas e decepcionadas pois não podem visitar as amiguinhas que estão passando o Natal com a família ou viajando para o réveillon.
Então acabamos aceitando que não era boa ideia passar o Natal no Brasil. Em julho e agosto temos dois meses de férias e podemos viajar com calma e visitar todo mundo sem as obrigações das festas de fim de ano. Mas, passar o Natal longe do Brasil, e no meu caso, longe da minha filha me parecia muito doloroso. E acho que é aí que entra a sabedoria de quem já teve que abrir mão de um monte de coisas, fazer um monte de adaptações e tentar aproveitar da melhor forma possível o que a vida oferece.
Adaptei o Natal. Natal com minha filha era no começo de dezembro. E esta noite passou a ser muito mais íntima, cheia de carinho e de homenagens e com tradições únicas e criadas por nós mesmos. Nosso amigo secreto é com presentes que temos que fazer com nossas mãos e cada parte da ceia, que é só para nós cinco, é feita por um de nós: aperitivo, entrada, prato principal, acompanhamento e sobremesa. Isso fez com que as crianças participassem mais e estivessem 100% envolvidas muito antes do dia especial chegar.
E nosso Ano Novo é comemorado no primeiro dia em que estamos todos reunidos de volta à nossa casa. Nesse dia o almoço é especial, abrimos a carta com as promessas feitas no ano anterior, discutimos o que foi cumprido e o que falhou, queimamos tudo em uma fogueira e fazemos as promessas para o ano que está começando.
Sim, criamos nossas tradições e curtimos cada segundo destas datas, mas isso não evitou que tivéssemos que passar Natal e Ano Novo em um país diferente.
Meu único conselho é que temos que estar abertos às tradições do país onde moramos. Isso é uma das grandes lições e maravilhas de morar em outro lugar. Ceias, almoços e festas com amigos de todas as partes do mundo, um Natal com neve, peixe em vez de peru, as Posadas no Mexico, as Novenas na Colombia, a visita do Sinterklaas na Holanda, a festa de Ano Novo com canções Zulus, ser sorteada com o menino Jesus da Rosca de Reis ou receber balinhas da Bruxa Befana, são coisas que ficarão tatuadas na nossa memória com uma força indelével e que, ano a ano, nos transformam em pessoas melhores, mais abertas, mais humanas e principalmente mais completas e mais unidas.
Leia também: Sinterklass, Papai Noel e a magia do Natal na Holanda
Eu sigo achando que viver pelo mundo é bom, principalmente agora que minha filha já fez 18 anos e escolhe onde quer passar o Natal, mas acho que a recompensa mais gostosa deste esforço é entender que somos capazes de abrir os braços não só para novas culturas e costumes, mas também que, ao abrirmos nossa casa e nossos corações às pessoas que encontramos pelo mundo, criamos uma grande família.
Independente da fé, da cor, da origem ou dos costumes, todo mundo quer um lugar especial para se sentir em casa, quer abraçar pessoas queridas à meia noite, compartilhar histórias, dividir a ceia, fazer um brinde especial, chorar de saudade de quem não está. Somos todos iguais, não importa o prato que servimos na ceia de Natal ou a cor que usamos na virada do ano. Entender, aceitar, curtir, respeitar e aproveitar isso é engrandecedor. Essa é a beleza dessa vida! Feliz Natal e um ótimo 2020 para todas as brasileiras, no Brasil ou pelo mundo!
2 Comments
nunca parei para pensar nisso Rô, tlz por não ter casamento anterior. Deve ter sido bem difícil para vc essa divisão todos esses anos. Como sempre excelente texto!! Adoro lê-los!
Essa vida nos ensina muitas coisas…e a gente sempre se acostuma, né? Beijos e obrigada!