Antes de falar do ambiente corporativo no México, preciso explicar um termo clássico neste país: o Godínez, utilizado para fazer referência às pessoas assalariadas que trabalham em escritórios no geral das 9h às 18h, que têm controle de horário, “comemoram” o dia do pagamento, etc. Este termo nasceu subculturalmente no México por volta dos anos 70, quando o país passava de uma economia industrial e agrícola à prestação de serviços, e teve um personagem na novela Peritos representado na época pelo comediante Luis de Alba, que era funcionário de um escritório e fazia de tudo para enganar o chefe e não trabalhar.
O termo nasceu fazendo referência a estes trabalhadores de maneira pejorativa, mas hoje em dia se aplica a todos que trabalham de maneira assalariada, fazendo graça com situações rotineiras no mundo corporativo. Você pode conferir alguns “memes” disso nesta página do Facebook.
Explicado o que é o mundo Godínez, precisamos falar de alguns pontos positivos e negativos que encontramos quando fazemos parte dele.
Trabalho no México há um ano e meio, e lembro exatamente do meu primeiro dia no escritório daqui. Se tem uma coisa que o mexicano faz muito bem é receber e acolher, já falei disso! Eles são muito anfitriões, dedicam tempo para compartilhar dicas, apresentam a família, fazem questão de cozinhar um prato típico e explicar a história do país. Como brasileira, digo que temos muito o que aprender neste ponto! Neste um ano e meio, tive muito mais momentos de convivência com as pessoas do trabalho daqui que nos sete anos que trabalhei na filial da mesma empresa no Brasil.
Ainda na linha da convivência, um aniversário nunca passará em branco com seus colegas mexicanos por perto. No escritório, é sagrado ter o seu lugar decorado, e juntar a todos para cortar um pastel (bolo, em espanhol) e cantar las mañanitas. Não, não é Feliz Cumpleaños que se canta aqui. Las mañanitas é a música oficial dos aniversários, e te digo, acho a letra e melodia tristes e não consegui decorar até agora! Confira a letra aqui.
Algo que me surpreendeu é o nível excelente de inglês dos mexicanos e seu interesse em aprender outros idiomas. Além do inglês você encontra facilmente pessoas estudando Português, Francês, Chinês, Italiano… são muito engajados nisso, e muito interessados não só no idioma mas também nas diferentes culturas.
Agora, falando um pouco dos pontos que vejo como negativos, lembro que quando estava de mudança pra cá, ouvi de um mexicano uma frase, brincando, que dizia algo como: “Ahorita é o espaço de tempo que varia entre o agora e o nunca”. E é verdade, o mexicano usa o ahorita pra tudo e não há regras! Se você ouvir que receberá ahorita o documento solicitado, sente e espere. Ele realmente pode ser enviado logo, ou só no dia, na semana, no mês seguinte! Brincadeiras à parte, relaciono isso com a cultura de o mexicano não saber dizer não. Quando algo é solicitado, não há transparência em dizer “não tenho o conhecimento para fazer isso”, “não tenho esta informação”, ou simplesmente “não conseguirei atender a este prazo”. Eles aceitam, dizem que o farão ahorita, mas muitas vezes não o fazem, ou quando fazem tardam muito. E isso se estende para além do mundo corporativo. Já perdi as contas de quantas vezes me disseram que não era possível fazer algo, somente porque quem estava me respondendo não conhecia o processo ou não tinha a informação correta. Hoje eu não confio mais, vou atrás pesquisar ou consultar uma segunda opinião.
Outro ponto que não gosto é o fato de não admitirem erros. É bem difícil ouvir uma pessoa daqui assumindo o fato quando algo não saiu bem, ao invés de assumir e melhorar na próxima.
A importância dada à hierarquização nas empresas também causa incômodo. Aqui se vêem muitos funcionários (e isso confirmado por pessoas que trabalham em outras empresas também com quem conversei) limitados com o gestor, sem desafiar o que não concordam, sem ter o mínimo de empowerment, sem se queixar do que está errado. É uma relação até um pouco submissa, e que leva muitos a serem o bom e velho “puxa saco do chefe”, ao invés de focar no trabalho e serem reconhecidos por isso.
Flexibilidade de horário e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal são pontos que estão engatinhando por aqui. Mesmo sendo uma cidade presente na lista das 10 maiores do mundo (cerca de 21.600.000 de habitantes), muitas empresas de pequeno e médio porte exigem um horário de trabalho fixo, e descontam de seu salário os minutos de atraso ou geram “bônus de pontualidade” aos que o cumprem. Descontar os minutos de atraso em uma cidade deste tamanho, na minha opinião, é algo extremamente arcaico. As possibilidades de trabalho remoto como o home office também apenas começaram a entrar em prática, mesmo em empresas de grande porte. Na empresa que trabalho por exemplo, já existe política para isso há pelo menos quatro anos na filial brasileira, e na filial mexicana a estrearam ano passado, e cheias de restrições.
Se quiser detalhes sobre as leis de trabalho e benefícios nas empresas do México, confira dois textos publicados anteriormente, disponíveis nestes links: Parte I e Parte II.
Para finalizar, gostaria de esclarecer que última coisa que quero com os pontos compartilhados aqui é ser hipócrita. Se o texto fosse sobre o ambiente de trabalho no Brasil, também traria uma lista de pontos positivos e negativos, de coisas que eu não gosto ou que de maneira geral não são bem vistas. O mexicano é um povo belíssimo e amável para se conviver, incluindo no ambiente de trabalho. Há pontos a serem considerados? Há, mas que cultura não tem né? Se você está avaliando alguma oportunidade para trabalhar no país, considere-a com carinho, pois valerá muito a pena!