O cinema polonês.
Como fã incondicional de cinema, especialmente os clássicos – mas muito longe de ser uma cinéfila de carteirinha – gostaria de mostrar um breve panorama do cinema polonês. O cinema me ajudou muito a construir imagens de certos lugares e épocas, como um mapa imagético imaginário, graças a meus cineastas favoritos como Fellini, Bergman, Wenders, Almodóvar, Kubrick, Allen, etc. Mesmo que citasse tantos outros, cometeria injustiças e atos falhos, já que este é um universo imensamente infinito e particular. E por motivos óbvios, com a Polônia não poderia ser diferente.
Em 2015, o Oscar de melhor filme estrangeiro foi para um filme polonês, Ida, de Paweł Pawlikowski. Para muitos, apenas mais um filme conceitual/cult europeu, o que pode parecer nada comercial. Mas o que temos aqui é um dos mais interessantes e antigos polos de cinema da Europa, uma das testemunhas de seu nascimento no final do séc. XIX, quando Kazimierz Prószyński, inventor do pleógrafo (digamos, um antecessor do famoso cinematógrafo dos irmãos Lumière, mas desenvolvido a partir do protótipo de cinematógrafo de Piotr Lebiedziński, outro polonês pioneiro) e do aeroscópio – a primeira câmera de mão da história-, deu sua contribuição para a nova tecnologia.
O começo na Polônia repartida e o período entreguerras
Não há um consenso sobre o primeiro filme polonês da história, ainda mais que tenha sido preservado até os dias de hoje, pois muitos filmes foram perdidos durante as guerras. Por muito tempo, o filme Antoś pierwszy raz w Warszawie (A Primeira vez de Antoś em Varsóvia) (1908), de Antoni Fertner, foi considerado o marco inicial do cinema polonês. Porém, o filme Pruska Kultura (Cultura Prussiana), de Mojżesz Towbin, produzido entre 1907-1908, é, desde seu “reaparecimento”, o filme mais antigo do cinema polonês. É interessante pontuar que ele foi produzido nos estúdios Siła, localizado na Varsóvia ocupada pelo Império Russo, retratando cenas da cidade de Września, na área ocupada pelos alemães. O filme de 8 min foi proibido de ser exibido em Varsóvia, mas foi exibido em países como Itália e França. Este fato demonstra a importância do papel da ainda recente Sétima Arte, não apenas para testar e aprimorar as novas tecnologias de então ou ainda o que viria a ser apenas uma cultura de entretenimento, mas para se manter a memória e a cultura de um povo que, mesmo em condições tão adversas, resistia para manter sua identidade.
Saiba mais também sobre o Levante de Varsóvia
Porém foi no período conhecido como entreguerras (Dwudziestolecie międzywojenne) que se pode considerar o florescimento do cinema polonês, com o surgimento de dezenas de estúdios cinematográficos, salas de cinema, diretores/produtores e estrelas do cinema, como a atriz Pola Negri, que acabaria indo para Hollywood em 1921. Um dos filmes mais conhecidos deste período entreguerras foi Cham (1931), de Jan Nowina-Przybylski. A Polônia também naquela época possuia uma das maiores comunidades judaicas do mundo, o que propiciou o desenvolvimento do cinema judaico, como uma ampla produção de filmes em iídiche, dentre os mais populares na época, Dybuk (1937), de Michał Waszyński.
Cinema na era Polska Rzeczpospolita Ludowa, PRL (República Popular da Polônia)
Com o fim da II GM, a produção cinematográfica foi sendo retomada aos poucos. Em 1948, o renomado ator Leon Schiller criou a Państwowa Wyższa Szkoła Filmowa, Telewizyjna i Teatralna im. Leona Schillera w Łodzi (Escola Superior Nacional de Cinema, Teatro e Televião de Łódź Leon Schiller), em Łódź, cidade a 135km de Varsóvia, uma das escolas de cinema mais antigas e tradicionais do mundo. Um dos motivos para sua localização (a princípio temporária), foi o fato da cidade de Varsóvia ainda estar em processo de reconstrução após a guerra. De lá, saíram nomes como Andrzej Wajda, Krzysztof Kieślowski e Roman Polański.
Em meados de 1955, surgiu o Polska Szkoła Filmowa (Escola de Cinema Polonês) um movimento pensado por um grupo de diretores e roteristas, altamente influenciado pelo Neorealismo Italiano, que visava não apenas rever seu recente passado na II GM, mas romper com a estética do cinema realista-socialista. É interessante analisar que, devido à censura do novo regime, era bem mais fácil falar daquele passado, tragédias nacionais como a ocupação alemã, os campos de concentração e o Levante de Varsóvia, mas também, de dramas existencialistas. Desta fase, pode-se destacar Kanał (1957) (Canal) de Andrzej Wajda, Pętla (1957) (A Forca), de Wojciech Jerzy e Ostatni Dzień Lata (1958) (O Último Dia de Verão), de Tadeusz Konwicki.
É importante ressaltar que, durante a era da PRL, o cinema servia, obviamente, como propaganda, ressaltando os valores da pátria socialista, com um apelo muito forte à importância de reconstruir o país pelo trabalho e os pontos positivos deste novo regime, como em Jasne Łany (1947) (Campos Claros), de Eugeniusz Cękalski e Przygoda na Mariensztacie (1953)(Uma Aventura em Mariensztat), de Leonard Buczkowski, que foi o primeiro filme polonês em Technicolor. Já na década de 70, mesmo tentando driblar a censura, filmes como a comédia Przyjęcie na dziesięć osób plus trzy (1973), de Jerzy Gruza, já mostravam que não era bem assim, pois o sistema tinha seus problemas e retratou, de uma forma estereotipada, o polonês da PRL.
Da Polônia para o mundo
Como falei acima, é espaço é pequeno para abranger toda cronologia e história do cinema. Por isso, partindo do pressuposto de que é a primeira vez que você toma contato com o tema, e a fim de mostrar os primeiros passos, vou destacar dois diretores poloneses mais conhecidos no mundo: Andrzej Wajda e Krzysztof Kieślowski.
Andrzej Wajda
Foi um dos nomes mais importantes do cinema polonês. Sua estreia profissional foi no início dos anos 50. Por terem vivido os horrores físicos e psicológicos durante a II GM, o engajamento de artistas e intelectuais como Wajda era algo natural que algo efetivo em prol da arte e da cultura fosse feito. Isso contribuiu para a consolidação do Polska Szkoła Filmowa (Escola de Cinema Polonês), com filmes como Kanał (Canal) de 1957, Popiół i diament (Cinzas e Diamantes), de 1958. Człowiek z marmuru (O Homem de Mármore (1976) e Człowiek z żelaza ( O Homem de Ferro) (1981) são outras duas obras importantes que falam do momento que a Polônia vivia durante a PRL. Também filmou, dentre tantas obras literárias, o poema épico polonês de Adam Mickiewicz, Pan Tadeusz, em 1999. Também recontou a história de personagens importantes como em Korczak (1990) e Wałęsa. Człowiek z nadziei (2013). Ao final de sua vida, continuou revisitando fatos contundentes da história da Polônia, como em Solidarność, Solidarność, de 2005 e Katyń, de 2007. Wajda faleceu aos 80 anos, em outubro passado.
Krzysztof Kieślowski
Diferentemente de Wajda, Kieślowski fez filmes não apenas na Polônia, mas também na França. Ficou mundialmente conhecido sobretudo por La double vie de Veronique/Podwójne życie Weroniki, de 1991 e Trois couleurs trilogie: Bleu (1993), Blanc (1993), Rouge (1994), quando anunciou o fim de sua carreira. Da fase polonesa cito os documentários Fabryka (A Fábrica), de 1971, Dworzec (A Estação de Trem), de 1980 e os longas Personnel (O Pessoal), de 1976, e Amator (O Amador), de 1979, dentre outros de sua vasta filmografia, com sua narrativa ora alguns dos filmes que que com seu modo único e irônico de criticar o sistema socialista. Faleceu em Varsóvia, em março de 1996.
Isto foi apenas uma pincelada sobre a história do cinema polonês, pois há muita coisa a ser conhecida. Da produção pós-abertura em 1989 até os dias de hoje, diretores nem tão conhecidos, mas que também deixaram seu legado para esta história, só reforça o quanto o cinema polonês é complexamente rico e fascinante, não me permitindo discorrer mais sobre ele, devido ao exíguo espaço. Deixarei aqui abaixo alguns links para que vocês se aprofundem neste universo maravilhoso.
Para saber mais:
Guia do cinema polonês para estrangeiros