O desafio de trabalhar como autônomo ou freelancer na Irlanda
Assim como boa parte dos brasileiros que chegam à Irlanda, eu desembarquei como intercambista e acabei virando imigrante. E assim que saiu o meu visto stamp 4, o tão sonhado por quem não tem passaporte europeu por dar direito à residência e trabalho sem restrições, foi hora de começar a pensar em como me sustentar na Ilha Esmeralda.
Procurar por emprego na Irlanda tinha ficado mais fácil, pois sem este tipo de visto ou similar são poucas as empresas decididas a tentar conseguir um visto de trabalho para você – e nem todas conseguiriam mesmo, pois isso depende de regras muito específicas.
Mas, isso não era uma alternativa para mim por uma escolha pessoal. Apesar de sempre ter trabalhado para empresas e órgãos governamentais no Brasil, eu já estava em uma fase da vida em que queria ser dona do meu próprio nariz. Montar uma empresa também estava fora dos meus planos, por falta de interesse, conhecimento do mercado local, e recursos financeiros.
Então, a alternativa era essa mesmo: tentar me firmar como freelancer na área de jornalismo, minha profissão até então meio que deixada de lado, escrevendo para sites e blogs. E, para isso, eu teria que me registrar como autônoma junto a Revenue irlandesa,
Como funciona o registro de autônomo na Irlanda
Na Irlanda, o registro de autônomo é feito de forma rápida e prática. Aqui, todas as questões fiscais são de responsabilidade da Revenue – órgão semelhante à Receita Federal brasileira só que com poderes mais amplos e unificados. E é com ela que você deve fazer a sua inscrição.
Para isso, é preciso preencher um formulário, o TR1, com dados pessoais e sobre o seu negócio, e entregar o mesmo preenchido no escritório da Revenue mais próximo de seu local de trabalho (o qual pode ser a sua casa mesmo). Quem já tem registro na Revenue como empregado pode fazer a alteração para autônomo pelo site deles.
Não é preciso pagar nada, nem apresentar nenhum documento. E você recebe em seu endereço alguns dias depois uma correspondência explicando o procedimento para ter acesso ao sistema online de pagamento de impostos e outros serviços.
Leia também: visto de residência na Irlanda
Quem pode ser empresário ou autônomo na Irlanda
Nem todo mundo que tem visto na Irlanda pode abrir um negócio ou trabalhar como autônomo. As categorias permitidas são as seguintes:
- Portadores de visto stamp 4
- Cidadãos europeus com residência permanente na Irlanda
- Cidadãos naturalizados irlandeses
Quem tem visto de estudante, stamp 3 (cônjuges de cidadão não europeu), ou visto de trabalho não pode ser empresário ou autônomo.
Por outro lado, quem tem caixa para investir em uma empresa de porte na Irlanda pode ter acesso a um visto de empresário, o qual conta com diversas categorias.
Os impostos pagos pelo autônomo
Na Irlanda, o autônomo é um tipo de self-employed chamado de sole trader. Isso o difere dos empresários que tem empresa em dupla (partnership), ou com mais de dois sócios (limited company) .
O sole trader é uma pessoa física que trabalha para si mesma. Assim, pagamos impostos como tal. E os dois mais importantes destes são o imposto de renda (income tax) e o VAT (Value-Added Tax).
Como expliquei em outro texto sobre impostos na Irlanda, o imposto de renda depende da sua renda e, no caso do autônomo, é calculado em cima do dinheiro que você fez com o seu negócio durante o ano subtraindo-se as suas despesas. Ele varia de 20% a 42%, a depender do valor total.
Caso o seu valor total em vendas de produtos ou serviços durante dado ano for superior a €75.000,00 para o primeiro ou €37.500,00 para o segundo, você também terá que registrar-se para o VAT. Este imposto é cobrado, em linhas gerais, sobre venda direta ao consumidor (pessoa física) de qualquer parte do mundo ou sobre a venda direta a pessoa jurídica dentro da Irlanda.
O VAT é um sistema bem complexo, e eu não me atreverei a explicá-lo aqui em poucas palavras. O que você precisa saber é que não você quem o paga diretamente, e sim o seu cliente, e você repassa o valor arrecadado para a Revenue a cada três meses. Como self-employed registrado para VAT, você também poderá pedir de volta o VAT pago por seu negócio.
Você ainda irá pagar o USC (Universal Social Charge) e o PRSI, sobre o qual falarei a seguir. O pagamento de impostos pode ser feito por você mesmo em outubro de cada ano – e eu sugiro que você contrate um contador para isso, nem que seja nos primeiros anos, por que sonegar imposto aqui é coisa séria e dá cadeia.
Os benefícios sociais dos autônomos na Irlanda
O PRSI citado acima é o imposto pago para cobrir a sua futura aposentadoria e outros benefícios sociais. Ele também é pago por empregados (parte diretamente, parte por seus empregadores), porém o self employed conta com um número menor de benefícios.
No caso da aposentadoria, o valor pago pelo governo irlandês não é dos mais atraentes: um máximo de €233,30 por semana, podendo ser um valor menor que este dependendo do tempo de contribuição – ressalte-se que o salário mínimo é de €360,75 por semana.
Assim, pagar por uma pensão privada passa a ser uma prioridade para empresários e autônomos – muitos empregados conta com essa renda extra como benefício pago pelo seu empregador. O valor pago pela aposentadoria privada pode ser deduzido do imposto de renda, mas a porcentagem depende de diversos fatores.
O PRSI para self-employed cobre ainda licença-maternidade, benefício para adoção, pensão para viúvos, e é só. Benefícios como seguro-desemprego, auxílio-doença, e auxílio-invalidez estão fora da lista. Com isso, muitos vão em busca de um seguro privado do tipo income protection, um custo a mais na lista de despesas, mas que garante um valor mensal caso o empresário ou autônomo fique impedido de trabalhar por motivo de saúde.
Vale a pena ser autônomo na Irlanda?
Olha, isso é uma questão de perfil. Eu prefiro trabalhar para mim mesma, ainda que esteja descoberta em termos de benefícios sociais. Mas, se isso vai te deixar sem dormir, melhor nem começar.
O governo irlandês aumentou o teto de reembolso sobre os impostos pagos por autônomos no ano passado e promete lançar outros benefícios a cada ano, com o objetivo de incentivar a iniciativa privada. Porém, é fato que empresários e autônomos não costumam ter o mesmo tipo de apoio que empregadores por aqui – assim como acontece no Brasil.
Por outro lado, vale a pena ressaltar que a burocracia é quase zero e que praticamente tudo acontece online. A Revenue pouco interfere na maneira como você trabalha, a não ser em áreas mais sensíveis que envolvem atendimento presencial ao público, ou crianças e idosos, por exemplo.
E você, já pensou em trabalhar, ou já trabalha, como autônomo ou freelancer na Irlanda? Conte a sua experiência para aprendermos juntos aqui!
2 Comments
Ola, sou fotografo a mais de 30 anos, conto com uma vasta experiência profissional, tanto em eventos como Jornalismo. Gostaria de saber como está esse ramo na Irlanda. Vc acha que terei alguma chance? Obrigado.
Olá Washington,
A Luciana Damasceno parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Irlanda que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM