Há alguns dias, depois de 8 meses morando no Panamá, eu passei por um momento de extrema felicidade. Naquele instante eu pensei (eufórica) na pauta para o texto deste mês: não uso mais o GPS! Como assim, esse é o assunto?
Dez anos dirigindo na cidade de Porto Alegre me tornaram um pouco mais localizada. No início da habilitação me perdia em simples trajetos, até para ir ao mercadinho do bairro. Com o tempo, fui aprendendo a me localizar. Tarefa fácil se encontrar na cidade em que vivemos! Tudo fica mais natural em pouco tempo. Eis que, a gaúcha perdida, chegou em um lugar estranho e precisava se localizar. Tinha que aprender a andar a pé, a pegar ônibus, a dirigir. Meu grande amigo foi o GPS. É o GPS.
Eu já falei sobre o trânsito da cidade do Panamá neste texto, caracterizado por movimento intenso durante o dia e a noite. Já estou percebendo que o engarrafamento é o de menos. Ou a gente se adapta ao ritmo de conduzir dos panamenhos ou a gente fica para trás. Sempre para trás. Tem que entrar sem medo na pista que você quer, ser defensivo e ágil ao mesmo tempo e arriscar umas buzinadinhas. Com o dia-a-dia, aprendi que a buzina aqui não é xingamento, mas comunicação. Já me comunico muito bem utilizando ela, acho que ela está bem melhor que o meu espanhol.
Também precisei me acostumar com as inúmeras obras. Quando acaba uma, começa outra, outra e outra. Elas mudam as rotas do meu navegador e minhas rotas de desespero. No início, quando ele falhava, eu não ficava só com medo de me perder, mas com medo de nem saber perguntar para onde eu teria que voltar. De que adiantava alguém me dizer “directo hacia el Corredor Sur”. Eu nem sabia o que eu teria que fazer lá no tal Corredor Sul.
Ainda, no Panamá tem inúmeras bifurcações em avenidas largas e viadutos, além de outras peculiaridades. Por exemplo, em alguns horários do dia, eles fecham o acesso para alguns locais e a avenida, rua ou estrada se torna de mão única. Isso o GPS não avisa, que amigo desatualizado! É preciso dar inúmeras voltas ou seguir o fluxo para, então, retornar por uma rota alternativa. Você pode perder uma hora ou mais nisso. E não adianta fazer a pergunta “e se eu for por aquela outra rua” para o policial. Já tentei com vários. Não tem jeito, está tudo fechado mesmo. Tem que aprender os dias e horários para você planejar a rota ou até mudar a programação. Não sair às 7h, mas às 9h, por exemplo.
Com o tempo, os lugares vão se tornando rotina, entrando na nossa rotina. Supermercados, shoppings, lojas, parques, bancos ou restaurantes começam a não ser tão estranhos e a gente até se dá ao luxo de escolher em qual vai. E é aí que entrou minha felicidade. Eu percebi naquele dia que o GPS não estava ligado. Eu percebi que já fazia alguns dias que ele não estava ligado. Eu percebi que me perdi e me achei sozinha. Eu percebi que eu sabia para onde eu tinha que ir e para onde eu tinha que voltar.
Já sabia que não podia entrar em um corredor sem ter saldo PanaPass (explico mais sobre isso aqui). Já sabia os lugares mais perigosos, que precisaria evitar. Já sabia decidir a hora em que eu podia voltar para minha casa. Já sabia os nomes de algumas ruas. Já sabia que tinha passado por algum lugar, que ele não era mais um estranho. Já sabia sobre os principais bairros do Panamá e que estes bairros principais são divididos em mini-bairros. Claro, esse é o meu bom português para entender as nomenclaturas daqui.
Quando eu não liguei o GPS, eu senti que estava aqui. Eu liguei a música do rádio “nas alturas” e aproveitei aquele momento de liberdade. Aquele momento de estar sozinha dentro do carro, sabendo exatamente por onde andava. Eu podia ir e voltar, ir e voltar. Eu já me perdi depois daquele dia, mas depois descobri que não tinha me perdido. Foi o GPS que se perdeu, porque eu achei exatamente o que estava procurando, dirigindo e seguindo as ruas.
Então, afinal, o assunto deste texto não é sobre leis de trânsito, um guia da cidade ou uma explicação sobre como usar um GPS no Panamá. Não é nada a mais, nem nada a menos, do que uma sensação de pertencimento. Uma leve e tranquila sensação de pertencimento. Comecei a perceber que já sei até dar explicações para um turista. E já fiz isso. Aí eu me dei conta que eu não sou mais turista. Como é bom não ser turista no lugar que escolhi para morar. Como é bom viver no lugar que escolhi para morar.