Sou nascida e criada no subúrbio do Rio de Janeiro, na Zona Oeste carioca, mas no final de 2018 decidi, com meu esposo, de súbito, me mudar para o Uruguai.
Já conhecíamos o país, pois havíamos viajado de férias por quatro vezes. Mas uma mudança é algo totalmente diferente. Deixar casa, objetos, família e amigos e mudar de país é algo que muitas pessoas pensam e muitas vezes não concretizam por ser muito difícil, emocionalmente e financeiramente.
Moro no centro da cidade, atrás do prédio do Governo. Morei tantos anos da minha vida no subúrbio, que dessa vez quis que fosse diferente.
Morar no Uruguai é morar num portal do tempo, tenho a sensação de estar presa em 1999 (no bom sentido). As músicas brasileiras na rádio, a moda, o corte de cabelo, os sapatos e o estilo me fazem
ter essa sensação de anos 90. E, ao mesmo tempo, as leis do país, os direitos sociais, a educação das
pessoas e a segurança me fazem ter a sensação que estou vivendo em 2030.
No Brasil eu trabalhava num banco, totalmente fora da minha formação na área de educação. Foram seis árduos anos. Foi o trabalho mais fácil e, ao mesmo tempo, o mais difícil que já trabalhei.
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Aqui no Uruguai decidi que não queria isso novamente, e retornei à universidade. Estudo na Udelar, a
Universidad de la República, espanhol, extensão em educação e participo de uma pesquisa.
A Udelar é pública e não possui vestibular. Qualquer pessoa com documentação válida de identificação, saúde e de educação secundária pode realizar sua inscrição e cursar a carreira dos seus sonhos.
Como moro no centro, sempre que tem atividade na universidade, vou caminhando até a faculdade. Nunca consegui caminhar dessa forma na minha cidade, pois o medo não deixava. Aqui no Uruguai é tudo mais lento, inclusive as pessoas, elas caminham devagar, aproveitando o dia. E muitas vezes vemos pessoas de várias idades sentadas na praça tomando o mate.
O mate é como o chimarrão gaúcho (sul do Brasil), porém aqui monta-se o mate na cuia diferente.
A erva é mais grossa, com pequenas folhas, e não um pó como no sul.
Outra diferença é a cuia. Aqui no Uruguai ela, geralmente, é menor. O hábito de tomar mate é um legado dos antigos nativos aymaras, quechuas e guaranis. Tanto que o significado da palavra chimarrão é “gado que retornou às suas origens selvagens”.
Falar do Uruguai sem falar do mate, é como falar do Vaticano sem falar do Papa. É uma cultura
muito forte como eu nunca havia visto. Eles tomam mate, em grupo muitas vezes, em qualquer lugar. Durante a aula na faculdade, a cuia passa da mão do professor para a dos alunos e vice-versa. Na minha
visão essa cultura aproxima as pessoas, é um hábito de grupo, de roda, de bate-papo.
E os uruguaios levam muito a sério o momento de tomar o mate. Quase como um ritual. Não negando mais uma vez a origem da erva mate. Para os guaranis a erva foi um presente dos deuses. Além de tomar o mate triturado, os guaranis usavam como moeda de troca com outras tribos.
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Ser convidado a tomar um mate é um convite e tanto. Participar do ritual de tomar mate e ficar numa roda de bate papo não tem preço.
Um antropólogo uruguaio diz que “en todos los tiempos fue el mate el que hizo la rueda y no la
rueda la que trajo al mate”. Em português, a tradução seria: em todos os momentos foi o mate que fez a roda e não a roda que trouxe o mate.
É o mate que define a identidade dos uruguaios. Não menos do que oito quilos anuais são consumidos
por pessoa no Uruguai, onde vivem três milhões de habitantes. É considerado o país da América do Sul que
mais consome a erva mate.
Deve ser por isso que existem muitos idosos e poucos obesos por aqui. O mate uruguaio contém 90% a mais de antioxidantes do que o chá verde, por exemplo. Além de ser uma fonte de vitaminas e conter uma alta concentração de polifenóis que melhoram as defesas naturais do organismo e protegem os danos celulares.
Os uruguaios sabem das coisas! O mate também é uma fonte de minerais, possui efeito energizante e ajuda a diminuir o mau colesterol. Além de esquentar o corpo naquele frio de zero grau do inverno de Montevideo.
Se vier ao Uruguai, não deixe de provar. Aproveite e observe uma roda de mate, o ritual de passar o mate pelo detentor da água quente e o barulhinho que cada um faz ao esvaziar a cuia.
4 Comments
Como é bom , ver a mudança e o enfrentar novos desafios ,ver que existe lugares aonde podemos nos sentir livres , no sentido da constituição brasileira, o direito de ir e vir , onde o sentar numa praça, não nos deixa vulneráveis , pelo contrário, esse simples fato nos fortalece e nos dá a esperança de que existe um futuro e que as coisas simples nos fazem muita falta , tomar um mate em grupo em sala de aula ou em um parque nos mostra que viver em sociedade ainda é possível, que o egoísmo dos centros urbanos ainda não contaminaram o mundo . Adorei a matéria ????????????????????????
Que matéria linda!
Espero que continue escrevendo com todo esse carinho e nos mandendos informadas sobre Uruguai.
Abraços
Muito obrigada! Escreverei sim! Todo mês estarei aqui falando do Uruguai!
Parabéns… sou uruguaia, moro em Montevidéu, e é o primeiro artigo de um estrangeiro que não se queixa do custo alto de morar aqui… abraços