Se você estivesse participando de um quiz em que a pergunta fosse: O Canadá e um país de população bilíngue? Você responderia verdadeiro ou falso? Eu aprendi nas aulas de geografia que a resposta certa seria verdadeiro… Pelo menos essa foi a informação que meu cérebro processou na época.
Vivendo no país, eu acrescentaria: verdadeiro, porém há controvérsias. Os dois idiomas são falados por aqui, não há dúvidas. No entanto, assumir que todo canadense é bilíngue ou que todas as crianças já nascem com os dois chips… aí já é outra história.
Neste artigo, vou esclarecer um pouco os fatos por detrás do mito desse bilinguismo. Para quem pretende passar uma temporada no país, vale a pena se perguntar em que língua você deseja se comunicar e onde quer viver.
Bienvenue/Welcome – Canadá para quem está de passagem!
O Canadá possui ao todo 10 províncias. Destas, 8 são anglófonas, 1 é bilíngue e apenas 1 é oficialmente francófona. Ville de Québec é uma cidade que atrai milhares de turistas todos os anos. Como se trata de uma cidade no Canadá, quem fala inglês pensa que estará tranquilo para se comunicar.
A verdade é que se você for visitar locais mais turísticos, haverá opções de visitas guiadas em francês e em inglês. Nos hotéis de redes conhecidas o atendimento bilíngue também será padrão. A linha de ônibus de turismo oferece a gravação sobre os pontos ao longo do trajeto em 10 idiomas. Se você resolver ir no cinema, os principais filmes do momento estarão disponíveis em inglês e francês.
No entanto, no comércio local e de menor escala, nem sempre você vai encontrar pessoas aptas a manter uma conversação além do básico em inglês, ainda mais se for fora do eixo turístico de Vieux Quebec. Se quiser saber detalhes de um produto ou do prato do menu, aconselho um aplicativo de tradução para quebrar o galho. Aliás, menu bilíngue não é todo restaurante que oferece e os ingredientes costumam ser locais, ou seja, fora do padrão em relação ao que estamos acostumados.
Já vi depoimentos de turistas frustrados com placas de sinalização em francês e a pouca fluência dos québécois em inglês. Há quem procure Québec justamente para viver uma experiência francófona fora da Europa. Se seu objetivo é esse e você domina o francês, tenho certeza de que sua visita será muito mais proveitosa.
Por isso, gostaria de dividir com vocês meu interesse sobre esse assunto de um outro ponto de vista: de quem chega e vai ficando. Afinal, de onde veio essa ideia de que o bilinguismo é para todos? Será que o ensino do francês como segundo idioma nas escolas canadenses é mais eficaz e o aprendizado dura para sempre? Será que todo mundo quer ser bilíngue?
Icitte, on parle français! Or not? – Canadá para quem fica!
Primeiramente, é preciso entender que os francófonos são minoria. E justamente por essa razão, exaltar a herança cultural por meio do idioma é uma forma de manter viva a importância histórica de Québec no que hoje nós conhecemos como Canadá, uma configuração relativamente recente.
Se você é minoria e não vive numa bolha, algum esforço é necessário para se integrar àqueles que, de certa forma, predominam sócio-culturalmente e tem maior influência nos desígnios da nação. Sobre a evolução do bilinguismo francês-inglês no Canadá entre 1961 e 2011, pesquisa realizada pela Statistiques Canada/Statistics Canada – equivalente do nosso IBGE – concluiu o seguinte:
- Em 2011, 17,5% dos canadenses, 5,8 milhões de pessoas, declararam serem capazes de manter uma conversação em francês e em inglês, alta em relação aos 12,2% registrados 50 anos atrás, em 1961.
- No Canadá, o número de pessoas bilíngues passou de 17,7% a 17,5% entre 2001 e 2011, apesar de uma alta progressiva do número de pessoas bilíngues.
- Québec foi a única província a registrar uma alta contínua na taxa de bilinguismo entre 2001 e 2011, na ordem de 40,8% para 42,6%. Esta mesma taxa era de 25,5% em 1961.
- No resto do país, a taxa de bilinguismo passou de 10,3% em 2001 a 9,7% em 2011, sendo de 6,9% em 1961.
- Entre 2001 e 2011, a estagnação do bilinguismo fora do Québec se produziu num contexto de crescimento da população imigrante não-francófona e de diminuição de alunos inscritos no programa de francês como segundo idioma.
Esses são os dados, os fatos podem ser interpretados sob diferentes prismas. Mas três pontos se sobressaem: a evolução do bilinguismo no Québec, a importância da imigração e o ensino do francês nas escolas.
Em artigo publicado pelo jornal La Presse, os dois primeiros pontos são reforçados. No contexto da província, os anglófonos são minoria, logo impulsionados ao bilinguismo. Os imigrantes que vêm para a província também o fazem sabendo que deverão desenvolver competências linguísticas em francês.
Sobre o aprendizado do francês, Margaret Wente afirma em sua crônica à respeito da imersão francesa no Daily Globe, que apenas 10% dos alunos adquirem uma competência em francês (o que não é a mesma coisa que dominar o idioma). A percepção da jornalista é que as razões para uma taxa tão baixa de rendimento não são mistério. O mundo em que as crianças estão mergulhadas fora da escola é inglês.
Essa questão gera inquietude no nível federal, a ponto de se destacar a importância estratégica das línguas oficiais nas decisões políticas. A valorização do bilinguismo que começou no governo de Pierre Trudeau, hoje retoma destaque na agenda do atual Primeiro Ministro, Justin Trudeau, seu filho. Portanto, ser bilíngue no Canadá significa muito mais que dominar dois idiomas. É uma oportunidade de abrir novas portas, na vida pessoal e também profissional.