Por que as mulheres do Vietnã fogem tanto do sol?
Primavera e verão, no Brasil, são sinônimos de praias e piscinas lotadas, e muitas horas debaixo do sol pra colocar o bronzeado em dia, certo? Eu sei que tem gente que não entra nessa dinâmica, mas se formos julgar pela maioria, nós, brasileiros, achamos bonito e saudável ter uma pele mais bronzeada.
E foi com essa mentalidade que fui curtir as praias no Vietnã. Comprei um biquíni um pouco maior do que os padrões brasileiros, já sabendo que em muitas culturas nossos modelos são vistos como muito ousados. Preparei o filtro solar, a canga, peguei a bicicleta e fui pedalando até uma das lindas praias de Hôi An. Cheguei cedo, o sol ainda não estava tão forte, e imaginei que por causa disso a praia já estaria lotada. Mas não, havia apenas uns gatos pingados em toda a extensão de areia. Um fato que chamou minha atenção foi ver que só tinha estrangeiro na praia. E horas depois, o número de banhistas continuava pequeno. Lá pelas tantas, apareceram alguns grupos de garotas asiáticas. Elas chegaram vestidas de cima a baixo, com mangas compridas, chapéus e calças largas – e nenhum sinal de biquíni por baixo daquilo tudo. Tiraram algumas fotos, ficaram um tempinho na sombra, olhando para o mar, e foram embora.
Chegando ao hotel, contei aos funcionários o que tinha visto e perguntei se eles não gostavam de praia e de tomar sol. Eles me explicaram que os vietnamitas costumam ir à praia perto da hora do nascer e do pôr do sol, praticam atividades físicas, conversam e vão embora antes que o sol esquente – ou que anoiteça. O que eles não me contaram – mas que outros turistas e estrangeiros que vivem no Vietnã me revelaram – é que grande parte dos nativos nunca aprendeu a nadar. Até mesmo os pescadores, que trabalham em barcos. Isso já explica um pouco por que eles evitam tanto entrar na água.
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Mas a aversão ao sol tem outros motivos que eu fui descobrindo aos poucos. Primeiro eu comecei a perceber que as mulheres estavam sempre preocupadas em proteger todo o corpo da exposição ao sol – tanto nas praias, como nas cidades. No começo, parecia que era uma questão de cuidado com a saúde, afinal de contas o sol pode ser muito forte e há sempre o risco de ter câncer de pele quando passamos muito tempo expostas ao sol. Só que existe um detalhe que não é dito abertamente, mas fácil de ser descoberto num rápido passeio por supermercados e farmácias. Em todas as prateleiras das seções de beleza e higiene pessoal há uma oferta enorme de produtos com ação “embranquecedora”. Sim, são sabonetes, cremes de corpo, óleos hidratantes, maquiagens e outros produtos que prometem clarear a pele. Imagine a minha surpresa ao ver isso, porque todos eles são de marcas conhecidas no Brasil e em outros países, mas provavelmente feitos exclusivamente para atender uma demanda do Sudeste da Ásia (eu, pelo menos, nunca tinha visto nenhum deles antes).
A partir disso, fui conversar novamente com algumas vietnamitas e estrangeiras, com quem criei algum tipo de intimidade e, portanto, me sentiria mais à vontade para fazer perguntas. Aí, sim, entendi que existe uma cultura à pele branca – muito branca, mesmo – como sendo O modelo de beleza. E isso vem de alguns fatores.
Primeiro porque as pessoas que realizam trabalho ao ar livre normalmente são de classes mais pobres e ganham menos por isso. Então, ter uma pele clara te diferencia – e te coloca num nível social um pouco superior. Há, também, o fato de que o Vietnã – e outros países do sudeste asiático – foi colônia francesa e, até pouco tempo, sofria uma influência muito forte da Rússia (na época, União Soviética) e dos Estados Unidos. Basta lembrar que a guerra que nós chamamos de “Guerra do Vietnã” foi uma grande disputa entre a parte norte e sul do país – mas, sobretudo, uma disputa de poder entre o comunismo e o capitalismo, entre a União Soviética e Estados Unidos, que tentavam conquistar a hegemonia do mundo durante a Guerra Fria.
Mas voltando à questão da cor da pele, a gente sabe – porque vivemos isso no Brasil, que povos colonizados tendem a enxergar o colonizador como superior – e a valorizar a cultura, a estética e, no caso, o tom de pele dele. A grande ironia é que, na França, muitas pessoas recorrem ao bronzeamento artificial para dar um tom mais colorido à pele – e parecerem, pra elas, mais bonitas. No caso das russas, elas vivem frequentando as praias do Vietnã e torrando ao sol – se esparramam na areia, abaixam as alças dos biquínis e maiôs para não deixar marca e capricham nos bronzeadores.
Por fim, me disseram que atualmente os asiáticos de países em desenvolvimento olham com muito orgulho e admiração para os sul-coreanos. Eles são um povo mais próspero, com uma economia mais desenvolvida, uma sociedade mais modernizada e, também, com a pele bem clarinha.
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Apesar de achar uma pena ver todas aquelas meninas lindas cobertas da cabeça aos pés nas praias e nas ruas, enquanto eu curtia o sol, a areia e o mar com bastante liberdade, eu confesso que consegui entender perfeitamente o que é viver debaixo de uma definição do que é a beleza. Porque, de fato, eu me senti muito mais livre com relação à aparência após sair do Brasil. Nunca me senti completamente pressionada, pra ser honesta, mas só mesmo quando a gente se distancia bastante da nossa cultura é que a gente consegue se dar conta do quanto absorvemos esse tipo de cobrança.
O que eu lamento, profundamente, é como esse tipo de produto, que promete embranquecer a pele, pode comprometer a saúde dessas pessoas. Eu tive bastante dificuldade de achar produtos de higiene pessoal para comprar, porque me recusei a aplicar no meu corpo qualquer espécie de sabonete ou hidratante que pudesse me clarear. A gente não sabe o que é usado e nem como isso pode ser tóxico e nocivo para pele, certo? E, olha, encontrei essa oferta – e a grande procura pelos produtos – no Vietnã, no Camboja e na Tailândia. Da mesma forma como foi muito comum ver, em todos esses países, mulheres usando uma maquiagem em tons bem abaixo da cor natural da pele delas, porque queriam parecer mais claras do que são. É como se colocassem uma máscara, já que a tonalidade do rosto fica bem em contraste com a do corpo. Mas é assim que se sentem bonitas, valorizadas e dentro de um padrão que agrada a quase totalidade das pessoas.
Quem nunca sofreu com padrão de beleza que atire a primeira pedra. Né, não?