Escrevo para contar um pouco sobre a magia da neve. Várias pessoas adoram experimentar coisas e sensações novas, ainda mais em culturas diferentes. Dêem um olhada nesse video sobre o inverno em Québec (é bem curtinho) e me contem: vocês topam entrar nessa fria?
Passado o momento marketing de cidades, falemos da realidade do dia a dia. Antes de começar a escrever, fiquei pensando na célebre passagem de Euclides da Cunha em sua obra Os Sertões, em que ele descreve:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
Vou tomar emprestado apenas essa referência que bem retrata a resiliência do nordestino. Guardadas as proporções, diria que o Québécois é também, antes de tudo, um forte. O frio que faz de dezembro a março castiga, muda a dinâmica da vida e afeta, sobretudo, o moral.
As obrigações profissionais e pessoais continuam, com alguma conivência nos dias de tempestade de neve muito intensa: escolas fecham, sistema de transporte fica mais lento, mobilidade geral é comprometida e a casa vira aquele ninho de alento, graças à abençoada calefação e ao chocolate quente com Netflix.
Na maior parte do tempo, procuro levar na esportiva. Confesso, porém, que tem dia que não dá e a razão é biológica. Todo mundo aprendeu na escola que o sol é o centro do universo e provedor da vida!
Os impactos psicológicos do frio
Independentemente de pesquisas, uma coisa é fato: o clima interfere na nossas emoções, positiva e negativamente. No caso do inverno no Québec, a partir de novembro aumentam as chances do fenômeno de depressão invernal. Os dias ficam mais curtos, as noites mais longas e as temperaturas vão baixando, a ponto de chegar a inacreditáveis -40°C.
Nessa época, o lado B das pessoas se ativa. Muitos ficam mais impacientes, instáveis e com maior tendência a reclamar. Li que a diminuição da claridade afeta o controle de si mesmo. Sem falar no absenteísmo no trabalho por causa de condições meteorológicas, das crianças que ficam gripadas mais facilmente e do carro soterrado pela neve.
A comida pode se tornar facilmente uma válvula de escape, porque o corpo tende a gastar mais energia para se manter na temperatura ideal. Reza a lenda que, no passado, exploradores polares chegavam a consumir até 6.000 calorias por dia para suportar o frio. Como não me encaixo nessa categoria, prefiro continuar frequentando a academia e seguindo o mantra québécois, que diz:
Il n’y a pas de mauvais temps, que des mauvais vêtement! (Não existe clima ruim e sim roupa inadequada!)
Resumindo: impossível sair de casa sem gorro, cachecol, casaco mega-híper quente, luvas idem, ceroulas (é sério!), meias de lã, botas para temperatura subzero e com boa aderência para não levar um tombo. E haja paciência para colocar e tirar tudo toda vez que você sai ou chega em algum lugar.
Controladas as questões do conforto térmico e da larica, é preciso encontrar maneiras criativas e ativas de lidar com a situação. Aí sim aquelas atividades lá do nosso video institucional vem bem a calhar.
Depoimento da vida real
A Susana é brasileira e proprietária do Cuisine du Brésil. Ela compartilha sua experiência com a família desde a chegada em Québec, na primavera de 2010.
“Estou indo para 7 anos aqui e ainda me encanto com a neve. Mas uma coisa que aprendi é olhar sempre a temperatura lá fora antes de me vestir, pois tanto 16 graus positivos como negativos fazem muita diferença na roupa! Fora isso, os invernos têm sido uma alegria para as crianças: tenho 4 filhos, dois deles tive há pouco tempo, são gêmeos com 3 meses (Sarah e Théo) e mais duas meninas, a mais velha, Rebecca, de 9 anos e a segunda, Brigitte, com 5, que adoram brincar na neve, fazer bonecos de neve e muitas outras atividade na escola, como saídas para andar de esqui, parque aquático que vira tudo neve pra escorregar bastante. Enfim, a gente tem muito que se ocupar em muitas atividades, pois ficar dentro de casa sem fazer nada atrai coisas ruins como depressão, briga familiar, etc. O bom do inverno é saber passar nele com tranquilidade, jamais deixar de fazer suas coisas por conta do frio ou neve e levar a vida adiante pois tudo passa até a neve!
Dicas de sobrevivência feminina com humor:
- Sair de casa maquiada apenas quando não está nevando. Se não, certamente chegará no destino parecendo o Coringa do Batman. Se o rímel for realmente caso de vida ou morte, manda um a prova d’água e seja feliz.
- Sabe aqueles 100 pares de sapato que toda mulher se orgulha de ter? Então, não servem para nada.
- Toda vez que visitar alguém, mesmo que pela primeira vez, você vai ficar de meias. Este é o acessório-chave.
- Você fará compras mais conscientes e realmente necessárias, porque vai pensar 1.000 vezes antes de botar o pé para fora de casa.
- Cair faz parte! Sim, escorregaremos, desceremos escadarias como se fosse esqui-bunda, andaremos mais devagar. Mas as pessoas não vão se matar de rir de você. Como é super normal, não tem graça então, fique fria!
De repente, será abril. Ainda haverá resquícios de neve aqui e ali, mas o verde começará a mudar a paisagem. Isso significa game over para o inverno!
Ps. A foto lá do início não é na sala da minha casa…