Dia 16 da quarentena do coronavírus. Estou lavando o quintal já cansada, apesar de ainda ser 8 da manhã, e penso em como a empregada – aquela mesma, na qual tantas vezes alguns pensam com certo desdém – consegue depois de tudo isso, ainda subir no ônibus lotado e voltar para casa, além de fazer o jantar?
Esses dilemas diários da maioria dos cidadãos do mundo passaram a ser de cada um de nós, que agora tem que lavar o próprio prato, lavar o seu vaso sanitário, fazer sua própria comida. E não só durante um dia ou no fim de semana, para mostrar para os filhos as alegrias de sermos uma família feliz! Durante uma quarenta, longos e intermináveis 40 dias, diante da incerteza de saber se chegaremos vivos até o fim deles e, se chegarmos, se nossos pais chegarão e, se todos nós dermos sorte, se nossos vizinhos chegarão… E assim sucessivamente.
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Essa quarentena, quase que mundial imposta pelo COVID-19 nos leva a refletir que, mesmo depois de mil anos da vinda de Jesus Cristo à Terra, nós ainda não entendemos o “amar ao próximo como a ti mesmo”, pois ainda posso escutar perguntas do tipo:
“Devo pagar ao meu empregado o valor do seu trabalho, mesmo que ele fique em casa de quarentena?” Ou “posso pedir à minha empregada que deixe sua família (que inclui seus pais e vários filhos) durante a quarentena para ficar ajudando-me a cuidar da minha casa e dos meus filhos?”
Quantos de nós realmente está preparado para sair desse período e adaptar-se a um mundo mais igualitário, onde o seu direito seja realmente igual ao do seu motorista? A dividir um pedaço de pão com o seu jardineiro sem fazer nenhuma alusão preconceituosa ou separatista? Quantos de nós realmente quer isso? Quantos de nós realmente vê a necessidade disso?
Os seres humanos estão mostrando a sua cara nesse momento, não tem como disfarçar. Chegou o momento do baile sem máscaras, onde estaremos expostos verdadeiramente pelo que realmente somos dentro de nossas almas. Não há maquiagem que ajeite, nem roupa cara que resolva agora. Ou se tem um coração bom e alma grande, ou não haverá espaço nesse novo mundo que se aproxima para todos.
Teremos que nos reinventar nas relações interpessoais, nas relações de trabalho, nas relações familiares e valorizar o que realmente é essencial na vida. Isso já nos comentou O Pequeno Príncipe em outra oportunidade: “o essencial é invisível aos olhos…”
Ainda há tempo para mergulharmos dentro de nós mesmos e resistirmos a esse convite consumista, hipócrita, sensacionalista e insensível de viver, no qual estivemos imersos durante milênios, obcecados por um objetivo ilusório e fugaz. Aonde vamos com toda essa pressa? O fim é o mesmo para todos. Do pó viemos e ao pó voltaremos, o decorrer da viagem é o que faz valer a pena! Disfrute-a.
Aproveite cada nascer do sol, cada café da manhã, cada oportunidade de aprender, cada entardecer, cada exercício, cada comida gostosa, cada bagunça, cada momento para dizer o que se sente.
Nunca sabemos quando será a última vez, ainda mais em tempos de pandemia. A proximidade com a morte nos humaniza e nos transforma, muitas vezes em seres humanos ainda mais egoístas, por isso vigiemos e pensemos que somos todos peças de uma só engrenagem. Se nos protegermos como um todo, estaremos todos protegidos.
Chegou o momento de perceber que juntos somos mais fortes, que nada somos se não estivermos unidos, que nada somos sem o outro e que dos demais dependemos, para sermos melhores, mais fortes e saudáveis sempre. Essa é a grande lição! Nunca houve o patrão e o empregado, o rico e o pobre, o médico e o doente, se tratam TODOS de seres humanos feitos da mesma carne, que sofre e dói igual onde quer que esteja.
Com otimismo avancemos e nos preparemos para vencer juntos essa fase.
Nela poderemos aprender a reconstruir uma sociedade mais digna e igualitária, onde todos tenham acesso à educação, saúde, emprego e moradia. Onde o invisível valha mais que o palpável.
Onde talvez o abraço seja o bem de consumo mais desejado.
E com certeza a casa dos avós será o local mais frequentado, tomara estejamos lá para conferir!