E então vim reencontrar minhas origens em Praga. Não, não sou descendente de Tchecos. A questão é que o apelido ‘praga’ sempre me caiu muito bem e é claro que meus amigos e familiares não poderiam deixar de (carinhosamente) observar esse fato quando, em 2010, eu fazia minhas malas para uma temporada na capital da República Tcheca.
Brincadeiras a parte, para contar como vim parar aqui preciso dizer que sou formada em Matemática (e para continuar minha história, vou fingir não notar sua reação aversiva a menção da disciplina que é pesadelo de muitos na escola). E foi exatamente a Matemática que me trouxe aqui – não uma, mas duas vezes.
Minha primeira estadia em Praga aconteceu durante o doutorado graças a uma bolsa do governo brasileiro. A coisa funcionou mais ou menos assim: estabelecido contato com um professor da instituição daqui, solicitamos o auxílio para a visita científica. Meses depois, a proposta foi aprovada: uma bolsa de estágio de doutoramento que carinhosamente chamamos sanduíche (dado que o período no exterior acontece entre períodos no Brasil).
Sem querer fazer politicagem, é preciso reconhecer que atualmente o governo brasileiro oferece uma grande variedade de suportes financeiros para aqueles que têm vontade de estudar fora e nem é preciso estar num nível de pós-graduação.
Um programa recente (chamado Ciências sem Fronteiras), por exemplo, funciona através de parcerias com instituições estrangeiras e oferece a chance de realizar parte dos estudos do curso de graduação no exterior. Para tanto é preciso atentar para as vagas disponíveis e então seguir o procedimento de inscrição/seleção (que pode variar conforme o edital da chamada).
Outra possibilidade oferecida pelo programa são visitas científicas objetivando puramente a pesquisa (que vão desde nível de graduação até pós-doutorado). Nesse sentido vale mencionar também as bolsas subsidiadas pela CAPES, CNPq e, no estado de São Paulo, pela FAPESP. Cada qual tem suas próprias regras e períodos de inscrição, mas em geral seguem o mesmo padrão aplicado a minha solicitação de bolsa: estabelecer um contato na instituição estrangeira e, emconjunto com um professor no Brasil, submeter um projeto de pesquisa ao respectivo órgão de fomento. Com as opções de auxílio em mente, a questão passa a ser a escolha do país.
Então vocês devem estar se perguntando por que escolhi a República Tcheca? Tal qual muitos brasileiros, eu sequer sabia onde exatamente no globo ficava esse país que é praticamente do tamanho do estado de Santa Catarina. Contudo, já durante o mestrado nomes tchecos e eslovacos eram parte do meu dia-a-dia na universidade. Tudo porque aqui é praticamente o berço da teoria matemática com a qual trabalho – a saber, teorias de integração não-absoluta.
Assim, fica claro que a escolha pela Academia de Ciências da República Tcheca foi natural. Bem menos natural, no entanto, foram meus primeiros dias em Praga.
Era minha primeira experiência no estrangeiro. Estava confiante nos meus conhecimentos de inglês e tinha tentado (sem muito sucesso) estudar um pouco de tcheco. Ainda assim, o simples ato de comprar um envelope na papelaria ou fazer pedido num fast-food já continham uma dose de aventura – requerendo até uma certa habilidade com jogos de mímica. Mas não posso ser injusta, na região mais turística e no centro basta o inglês.
Praga parece fervilhar de turistas o ano todo. E não é por menos, qualquer caminhada pela cidade é como um passeio pela história. As grandes guerras, a formação da Tchecoslováquia, a invasão Russa, os anos de regime socialista (ou seria comunista?!), a divisão do país em República Tcheca e Eslováquia…esses e tantos outros fatos históricos parecem estar registrados nos muros dos prédios, nos monumentos das praça. E mais que isso, as ruas de Praga são uma mistura de estilos que, independente se Gótico ou Barroco, moderno ou antigo, ficam bem caracterizados pelos adjetivos belo e romântico. Enfim, Praga é um charme.
Foram seis meses de muito aprendizado (matemático e de vida), então voltei ao Brasil e defendi minha tese. Com título de doutora em mãos, procurava emprego no Brasil sem deixar de buscar por oportunidades no ‘quintal do vizinho’ (ou nem tão vizinho, como é caso da República Tcheca). Assim, me candidatei a uma vaga de pesquisadora visitante exatamente no instituto onde tinha estudado em Praga. Logo estava fazendo as malas e ouvindo as mesmas piadinhas de dois anos antes: “Você vai voltar pra sua terra, Praga”.
Hoje ocupo uma vaga de pesquisadora postdoc na Academia de Ciências – que, diferentemente do Brasil, aqui é um funcionário pagador de impostos como outro qualquer.
Mesmo com as diferenças culturais, Praga é um pouco mais minha casa e ficarei feliz em poder apresentá-la a vocês.
13 Comments
Giselle,
Não pude deixar de rir com o humor do seu texto. Muito bacana mesmo. Parabéns pelas conquistas, pois sei como exigem perseverança. Espero ler mais sobre o país. Abs.
Oi Cintia, obrigada pelo comentário.
Espero que nos encontremos por aqui mais vezes 🙂
Olha só a Pequena Gi por aqui! Estou feliz de ter você conosco compartilhando suas experiências e apresentando o encantamento de Praga. Aliás, que cidade linda, né?
Sucesso!
Beijos.
Oi Vânia, super obrigada pelo apoio.
De certa forma, você é um pouco ‘madrinha’ da minha estréia aqui (tudo começou com um comentário que deixei num post seu) 😉
Beijos
Quer dizer, então, que você virou uma brasileira pelo mundo?, rsrs.
O que tenho a dizer? Você sabe o quão gratificante pode ser conhecer um lugar, vivenciar experiências e conhecer novas pessoas…
Fico contente pela sua perseverança em conseguir ter feito o Doutorado, e coragem por ter saído da zona de conforto. Eu sei o quanto não é fácil, arrumar as malas, viajar várias horas de avião e estar em um lugar nunca antes visitado, sem conhecer pessoas, sem falar a língua do país.
É estranho, mas nesse sentido parece que a liberdade vence a solidão: a liberdade de ninguém saber nada de você e te conhecer pela sua essência, sem pré-julgamentos. Como não gostar de uma experiência assim? Acordar e ter vários pedaços de terra para conhecer, treinar na prática a fala de uma nova língua, fazer colegas e/ou amigos pelo seu jeito de ser.
Parabéns pelas duas experiências. O que posso te desejar? Muitas, mas muitas mesmo mais experiências como essa, pois a cada retorno a sua terra natal é o início de uma nova vida.
Muito sucesso!
Rodrigo.
Obrigada, Rodrigo.
Acho que aqui é o lugar certo para descobrir novos lugares e experiências das nossas conterrâneas. Espero que você apareça sempre 🙂
Beijos.
Gisele ja virei fa de carteirinha, quem me faz rih ja tem metade do caminho feito em direção a minha afeição! Adorei o texto, ri o tempo todo, informativo, autentico e com muito humor! Bravo! Sucesso nesta nova fase que se inicia em Praga! e é isto ai, adorei o fato de voce falar que esta de retorno a suas origens, praga! rsrsr e o sorriso da foto é simplesmente cativados! Muito muito sucesso e ja me alegro desde de ja de ler seus próximos textos! 🙂 Namasté
Oi Ana, agradeço muitíssimo esse comentário tão acolhedor.
Estava temerosa que meu jeito meio ‘engraçadinho’ de escrever não fosse adequado para o blog aqui, mas pelo visto foi bem recebido. Fico contente 😀
Na shledanou!
Parabéns Gi!
Ri muito com o jeito Giselle de escrever rsrs
Adoreeeeei!! Fiquei com mais vontade ainda de conhecer sua nova casa =)
Bjos
Obrigada, flor!
Que bom que gostou. Espero que visite mais vezes o blog e viaje um pouquinhos pelos outros países que também estão por aqui 😀
Gi, as suas raízes cibernéticas estão crescendo!
Adoro ler teus textos, vc sabe!
Beijos
Parabéns!
Fiquei muito feliz de você ter encontrado um novo espacinho para expor seus textos, cheios de humor e cultura.
Vou acompanhar por aqui também, além do pequena Gi 😉
Sucesso flor!
Parabens Giselle ! Coragem e determinação farão seu sucesso ! Visite o blog http://brasileirosnachecoslovaquia.blogspot.com e veja que houve muitos brasilleiros que tiveram a mesma coragem sua ! Um dos bolsistas que foi em 1960 mora até hoje aí em Praga ! abraços