Se hoje perguntassem por aí (no Brasil) onde fica a República Tcheca dentre as respostas é possível que se ouvisse coisas como:
- Não faço a menor ideia.
- Em algum lugar no Leste Europeu.
- República Tcheca?! Mas não é Tchecoslováquia?!
Não estou desmerecendo o país e longe de mim fazer sermão sobre a desinformação alheia. Eu mesma seria parte de um desses grupos não fosse o fato de hoje Praga ser minha casa. Afinal, como é de se esperar de uma pessoa das exatas, História não é (nunca foi) meu forte. Talvez, porque em dado momento foi preciso ‘formatar a memória’ – criar mais espaço para armazenar conceitos de Álgebra Linear – e nesse processo tanto Geografia quanto História perderam a vez. Ou simplesmente porque, como pode ter acontecido com muitos de vocês também, nos tempos de escola tudo não passava de decoreba desinteressante.
Mas não há como viver em Praga e continuar no grupo (a), daqueles que não tem a menor ideia. Como mencionei no post anterior, parece que cada tijolo que constrói essa cidade é feito de História. Uma história complexa, cheia de idas e vindas; não caberia num post explicar. Talvez, não me caiba numa vida entender. Ainda assim, sem querer bancar o wiki dos curiosos, vim esclarecer alguns mal entendidos.
Então voltemos à pergunta inicial. Sei que posso assumir que sua resposta não é a alternativa (1). Ou seja, você sabe que a República Tcheca é um país pequenino na Europa (não mais que um estado nas proporções brasileiras)….mais precisamente, um país no Leste Europeu, correto?! Bom, poderia dizer que sim, mas a verdade é que isso depende da Geografia adotada. Se Geopolítica, então o país será mesmo colocado a leste – isso porque, nesse caso, a Europa é tratada como dois blocos; às vezes uma alusão ao período da Guerra Fria. Já numa análise histórico-cultural, a República Tcheca é considerada parte da Europa Central – acontece que dentre os países de origem eslava, a cultura (e a língua) tcheca está mais pra ocidente do que pra leste. De toda forma, talvez mais importante que decidir entre central ou leste é saber que a República Tcheca é parte da União Europeia há 10 anos (embora não tenha ainda aderido ao Euro…mas isso é outra conversa).
Agora que já nos localizamos vamos combinar: Tchecoslováquia não, é República Tcheca.
Nem sei quantas vezes repeti isso para minha família – ou seja, a alternativa de resposta (3) realmente acontece. Parece que a divisão da Tchecoslováquia não se fixou à memória tanto quanto a divisão de Goiás em Goiás e Tocantins, principalmente entre os mais velhos. Pudera, além de tudo ter acontecido do outro lado do oceano, esse tema é parte do que na História chamei de idas e vindas. Explico.
Antes de se tornar país, quando reis e rainhas ainda faziam vez pelos castelos que hoje vemos por aí, o domínio do reinado (em diferentes períodos-dinastias) chegou a ir além das terras tchecas englobando partes ora da Áustria ora da Alemanha e Polônia, e claro da Eslováquia. Então, em 1918 com fim da Primeira Guerra e a queda do Império Austro-Húngaro (que era quem dava as cartas por aqui), foi instituída a Tchecoslováquia.
Tcheco e Eslovaco, línguas semelhantes, mas ainda assim duas nações cultural e economicamente diferentes. A união dos territórios (portanto, de forças e números) foi o passaporte para criar um estado independente. Claro que não só de flores e diferenças culturais foi feito o período de existência da Tchecoslováquia. Ao menos duas conhecidíssimas personalidades da História também tiraram uma casquinha do novo país usando de sua localização central e estratégica para seus propósitos (fossem eles Nazistas ou Comunistas).
Setenta e cinco anos se passaram, entre guerras declaradas e não declaradas. De comum acordo em meados de 1992, República Tcheca e Eslováquia decidiam que logo cada qual seguiria seu caminho – abro um parênteses para observar que tal decisão veio de cima, dos políticos, talvez um referendum teria determinado um diferente curso na História; sem divisão.
Perdoem agora a observação fútil mas…moro num país mais jovem que eu (e isso é tudo que você precisa saber sobre minha idade…hehe). Veja por essa perspectiva: em 1° de janeiro de 1993, enquanto eu vivia minha despreocupada infância no Brasil, aqui as crianças se descobriam num novo país. Pode ser que tal fato não tenha influenciado a rotina diária deles de ir para a escola e brincar. Mas certamente chamou a atenção o dia em que o dinheiro da cantina estava diferente (isso aconteceu quando a diferença de cotação entre as moedas na República Tcheca e Eslováquia foi tal que fez-se necessário uma forma de distingui-las). Além disso, a divisão certamente causou um bom rebuliço nas aulas de História e Geografia – pobres professoras.
Bom, espero que os mal entendidos que vem da pergunta que abre esse post estejam esclarecidos. A História desse país vai dar ainda muito pano para a manga (ou, em termos de blog, muita discussão para post futuros). Até lá.
13 Comments
O que me consola é que no seu relato você não trouxe à memória a tal ‘tcheca’ da qual falava o Gerasamba, que depois virou É o Tchan… hahaha…! Piadas à parte, sempre que penso na República Tcheca penso no seu autor mais conhecido, Milan Kundera, que dizia lá no seu livro A insustentável leveza do ser: “ No entardecer da dissolução, tudo se ilumina com a aura da nostalgia, até mesmo a guilhotina.” Acho que esse trecho ilustra bem como o povo que passou pela transição se sente. E com tanta mudança que aconteceu na geopolítica mundial desde meados dos anos 1980 fica mesmo difícil pro pessoal mais velho acompanhar.
Enquanto mais mudanças não chegam, eu sonho aqui em saborear uma das maravilhosas cervejas produzidas aí onde você mora, num dia ensolarado em Praga.
Beijos
Menina, sabe que nem lembrava dessa do Gerasamba/É o tchan?! hehe
Interessante você mencionar Milan Kundera. Esse autor também era o que eu tinha como ‘conexão’ com Praga; mas logo que cheguei aqui descobri que ele não é assim tão querido (haja visto que morou muito tempo fora e fez até declarações desmerecendo suas raízes).
Cervejas?! Opa…venha sim e me avise pra tomarmos uma juntas 😉
Que texto demais! Vc escreveu de forma simples e envolvente sobre um pais com tanta historia! Amei. Aguardo posts futuros sobre o assunto.
Muito obrigada, Daniela. História ainda vai render muitos posts, só espero conseguir ‘traduzi-la’ aqui sem que nada se perca pelo caminho das interpretações.
Ótimo texto! Fico aguardando as novas postagens para saber mais sobre a história desse país que também é mais novo que eu. 😉
beijos!
Oi Mari, obrigada pelo comentário. O mais louco nisso tudo é encontrar nesse país, mais novo que nós, construções datando de antes do nosso país pensar em ser ‘descoberto’ por Portugal. História pode mesmo ser um labirinto de idas e vindas 😀
Ei, mocinha, para quem não entende tanto de História e Geografia, a senhorita tá show de bola (piadinha inevitável por aqui em tempos de Copa do Mundo…). Adorei seus esclarecimentos e sempre fico fascinada com essa história de um país que um dia se transformou em dois (e como você mesma observou, é mais novo que nós!!!). Fico imaginando o impacto que isso teve e ainda deve ter nas pessoas. Acho que é por isso também que gostaria tanto de conhecer.
Aguardando o próximo post!
Bjos
Oi mocinha, obrigada pela visita.
Falar da influência da História nas características de um povo parece mais trabalho para um psicologa…(você se habilita?) hehe
Parece que estou salteando entre várias áreas, hein?!
Beijo
Oi Giselle,
Muito interessante suas colocações sobre a história, até porque nunca me aprofundei nela. Já estive no seu país 2 vezes e adorei, e uma das vezes fui à igreja que foi ‘decorada’ com ossos humanos, o que é aquilo? Apesar de ser uma pessoa muito curiosa, ficou impossível evitar os arrepios…rs…
P.S.: Adoro seus artigos e quero ler mais sobre a República Tcheca.
Beijos
Oi Cleo, obrigada pelo comentário. Fico feliz que a República Tcheca pelos meus olhos esteja agradando. Agora Kutna Hora (onde fica a igreja com ossos), acho há de ser sempre um pouco estranha independente das ‘lentes’ que se use para entende-la… hehe
oi gostei da tua breve introdução sobre a republica tcheca . gostaria apenas perguntar algo: e verdade que a republica tcheca e o pais com mais prostituição da Europa ?
Olá! Obrigada pela visita.
Sobre sua pergunta, não sei dizer que dados estatísticos seriam confiáveis para se fazer tal afirmação, mas uma coisa é certa: nesse país quase ateu, a tolerância e respeito pelas escolhas do outro são bastante evidentes.
Gisele o casamento ou união civil entre pessoas do mesmo sexo já é permitido ao na República Tcheca?