Nessa minha estadia por aqui, é claro que já banquei a guia turística e, como é comum acontecer, o turista em questão tem uma agenda bastante limitada. Em casos assim, abrir um guia turístico (desses bonitos e grandes) é quase como abrir a caixa de pandora, ou seja, só o começo da confusão. Com tamanha gama de opções, ao invés de acertar sua rota pela cidade a ser visitada, você simplesmente se perde antes mesmo de sair do lugar. Em Praga é bem por aí. O castelo, a cidade nova, a cidade velha, galerias, museus… Então, por onde começar?
Minha sugestão seria o que considero ‘coração’ de Praga. Tal qual o órgão fundamental do corpo humano, bem no centro: a praça da cidade velha, Staroměstské náměstí. Aliás, o nome da praça em tcheco vem da justaposição das palavras Staré, velha, e město, cidade.
Nada mais comum que uma praça no centro de uma cidade, correto? Então, por que chamei-a ‘coração’? Não é mero gosto pessoal (na verdade, meu lugarzinho favorito em Praga fica a alguns muitos metros dali, mas falo nisso outro dia). Dada sua importância, tanto do ponto de vista histórico quanto arquitetônico, Staroměstské náměstí é considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO desde 1992 (assim como outros pontos na cidade velha em geral).
Já comentei aqui que Praga é uma mistura de estilos e isso é ainda mais nítido nessa praça. Difícil apenas identificar o que é original de que época. Não digo isso no sentido das restaurações que inevitavelmente acontecem e são necessárias. Quando questiono a originalidade, é uma simples alusão as sobreposições. Veja, por exemplo, a Igreja de Týn (Kostel Matky Boží před Týnem). Predominantemente Gótica, ‘se esconde’ por detrás de duas construções de fachadas Romanescas – aliás, por esse motivo pode parecer impossível chegar à igreja; mas insista, a entrada existe. Vizinha à igreja, a Dum U kamenneho zvonu (em tradução livre, Casa do Sino de Pedra), é outro caso interessante. Construída em meados do século XIV, teve sua essência Medieval escondida durante anos por camadas de Barroco e Neo-Barroco e foi casualmente descoberta durante um projeto de restauração.
Outros estilos também encontram seus representantes na praça – destaque para o Rococó do palácio Kinský que hoje abriga a Galeria Nacional e para o Barroco que se exibe na igreja de São Nicolau (Kostel svatého Mikuláše).
Sempre cheia de turistas, a praça às vezes parece funcionar como pavilhão de eventos a céu aberto. Feira de Natal, Páscoa, Primavera ou qualquer outro motivo que possa virar feira acontece justamente ali. Se isso é bom ou ruim? Deve ser bom para os comerciantes e talvez até para turistas a procura de souvenires. Particularmente, penso que assim a praça não respira. Sem falar que estando apinhada de barraquinhas se perde uma visão do todo e mesmo o monumento central fica mascarado.
O monumento em questão é uma homenagem a Jan Hus. O nome não lhe diz nada?! Vergonha nenhuma. Não fosse o fato dele aparecer entre os feriados tchecos eu também não saberia. Explicando em linhas gerais, Jan Hus representa para a República Tcheca o que Calvino e Lutero representaram em outras partes da Europa: a reforma protestante. Chega a soar irônico que, nesse país não religioso, ele seja lembrado no calendário (aliás, é nesse mês, 6 de julho). Contudo essa não religiosidade é posterior a sua época e, assim como tanto outros reformistas, Hus foi parar fogueira da inquisição.
Até aqui ficou obvio o quão turística é Staroměstské náměstí, contudo há um ponto para onde todos parecem convergir: a torre do relógio. Não sem razão. A misteriosa beleza dessa peça de arte-engenharia convida a uma observação (ou até um estudo) mais demorada.
Mais do que a hora que podemos comparar em nossos celulares (ou você é daqueles que ainda usa relógio no pulso?! hehe), esse é um relógio astronômico e registra o tempo também em outros dois sistemas diferentes. Eu disse astronômico, não astrológico, contudo no círculo externo o que se vê são sim os símbolos do zodíaco. Isso porque o relógio mostra ainda os movimentos da lua e do sol através dos signos (mais correto seria dizer ‘através das constelações zodiacais’). Infelizmente, embora esteja discursando a complexidade desse relógio, confesso que não entendo (por isso te desejo boa sorte no entendimento e, se acaso funcionar pra você, peço encarecidamente que me explique… Obrigada!). Se nada disso chamar sua atenção, de hora em hora o relógio ‘toma vida’. Então encontre seu lugarzinho na multidão, olhos atentos na torre e prepare-se para o desfile dos apóstolos e para a ‘dança’ da caveirinha.
No fim, para fugir da aglomeração e ver as coisas de outra perspectiva, vale a pena subir as escadas da Staroměstská radnice, que é exatamente a torre do relógio.
Creio que agora estamos de acordo que esse é o coração de Praga.
Dicas para turismo: Ao visitar à Staroměstské náměstí, tente fazê-lo pela manhã para fugir da multidão e, depois que andar pela cidade, quando começar a escurecer, dê uma passadinha novamente só para vê-la sob outra luz. República Tcheca é terra da cerveja, mas não na praça… Além de cara, corre o risco de ser algo que passa longe da qualidade da verdadeira cerveja tcheca.
3 Comments
Oi Gisele,
Fui à Praga duas vezes e não conheci tudo. Claro, primeiro porque não fiquei mais que três dias cada viagem e segundo porque, como você disse, tem muita coisa para ver.
Engraçado você mencionar a cerveja…rs… uma daz vez bebi cerveja, no bico…rs… porque geralmente não te servem copo. Não que eu me importe, mas beber no bico de uma garrafa de 600 ml é um tanto estranho, não é? Principalmente para uma lady.
Mas olha, adorei seu texto.
Beijos
Cleo, obrigada pelo comentário (e, por favor, perdoe meus agradecimentos super atrasados).
Essa experiência de tomar cerveja direto do gargalo é algo que a gente precisa trabalhar no psicológico mesmo, mas no geral eu vou de caneca pequena de chopp – claro que o tamanho da caneca acaba gerando um bullying, pois dizem ser dose pra criança… hehe
🙂
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