Eu, paulistana, menina de cidade grande, estando em Macau já há mais de dois anos, posso dizer que morar em uma cidade pequenina como a minha, do outro lado do mundo, é muito desafiador. Mudar de uma cidade grande, onde se tem tudo e todos a qualquer momento, para um lugar pequeno, longe dos pais e amigos e com uma cultura totalmente diferente (e as diferenças aumentam com o passar do tempo) não é tão fácil como parece, apesar das maravilhas de se morar no exterior.
Nos primeiros meses em Macau minha vida era agitada, conheci vários rostos novos e diferentes, fiz amizades e passei tempos maravilhosos que guardo comigo para sempre. A vida da menina que acabara de se mudar, comparada com a vida que tenho agora é bem diferente, e ambas possuem aspectos positivos e negativos. No começo tudo era novidade, mesmo tendo passado minha infância em Macau, muitas coisas mudaram e, para mim, era como se estivesse em um lugar novo. Macau antes era um lugar fechado, poucas pessoas e pouca história e hoje em dia é a cidade das luzes, a Las Vegas oriental. Quando cheguei, todos os dias tinham alguma surpresa, me ocupava com os estudos do mestrado, procurava empregos, conhecia pessoas novas a cada semana, tinha atividades diferentes, participava de todos os eventos da Universidade e desfrutava de tudo que a cidade oferecia.
Porém, a maioria das pessoas que conheci acabou saindo de Macau, ou simplesmente perdemos o contato. Macau é uma cidade turística, nem todos que vêm para cá ficam aqui, alguns não conseguem emprego, outros vieram apenas para um trabalho temporário, ou de férias não remuneradas. Com o tempo, as luzes da cidade foram se tornando enjoativas, as atividades e os costumes foram perdendo o encanto e deixando de me surpreender. A cidade pequena parecia que estava encolhendo cada vez mais. Foi aí que eu comecei a pensar mais e aproveitar menos, estava desorganizada emocionalmente.
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Eu não tive choque cultural no começo pois estava aberta a novos costumes e ares, aceitava e aprendia numa boa. Porém, como em um relacionamento, a gente sempre acaba se irritando com alguma coisinha com o passar do tempo. Depois de perceber que as coisas boas eram temporárias, a vida colorida e agitada foi sumindo e eu comecei a reparar em certas deficiências e aspectos negativos do lugar. A saudade do Brasil também me fez comparar os dois lugares e, muitas vezes penso apenas nas coisas boas que o Brasil tem e Macau não, e nunca o contrário. A negatividade foi me tomando e, com as pressões dos estudos, já tive vários momentos em que quis voltar ao Brasil.
Mas, se eu me silenciar e pensar com calma, percebo que tudo foi uma questão de mudança do próprio pensamento. As minhas reclamações eram no fundo, de primeiro mundo e desnecessárias. Hoje em dia sinto que estou no meu ritmo, no meu tempo e que tudo está indo do jeito que deve ser. As lembranças boas ficam na memória para sempre, pessoas vêm e vão e o choque cultural sempre vai existir se compararmos demais a cultura local com a cultura natal.
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No começo eu levava uma vida de turista em Macau, todos sabemos que turistas ficam só de passagem, logo, minha visão era temporária e minhas altas expectativas não eram adequadas para quem veio se estabelecer por um período indeterminado. Focar no que deve ser feito e no presente é a chave, tenho que me contentar com todas as conquistas, grandes ou pequenas. Trabalho no lugar que sempre quis, desde que cheguei, passei por outros empregos igualmente bons, devo me sentir privilegiada por poder estudar, e aqui também conheci o meu namorado, uma pessoa de coração tão bom e com paciência para aguentar as minhas emoções, fiz parte da vida das pessoas, não sei se fiz diferença (espero que sim), mas elas com certeza me marcaram de alguma forma. São esses os pensamentos que devo ter quando estiver enfrentando crises de adaptação e negatividade e isso serve para todas as brasileiras pelo mundo e leitores que igualmente estão enfrentando choques culturais e saudades do Brasil ou da terra natal.
O fato de podermos sair do nosso país de origem, viajar e concretizar uma vida nova em outro lugar já é um privilégio gigantesco. Todos nós enfrentamos problemas estando em posições bem diferentes, todos nós temos motivos específicos. Saber que Deus criou tudo isso para mim e para vocês e que só temos que ficar gratos é o mais importante.