Coronavírus em Macau.
Ninguém imaginava que o mundo estaria como está agora, ninguém imaginava que 2020 seria tão caótico, mas o ser humano é incrível e consegue se adaptar mesmo em situações tão diversas. Digo isso porque moro num lugar que já passou pelo SARS, por inúmeros tufões de verão e agora enfrenta o COVID-19. Tudo isso exigiu que nós, cidadãos dessa pacata cidade, nos preparássemos para o pior.
O novo tipo de coronavírus surgiu no centro da China, na cidade de Wuhan, que fica a 936km de Macau. Milhares de macaenses moram em Wuhan, principalmente estudantes. E milhares de cidadãos de Wuhan vêm para Macau para trabalhar ou “turistar”. Macau é uma cidade de jogos de azar, também conhecida como a Las Vegas da Ásia e a maior parte dos turistas vêm da China continental (eles realmente amam vir para cá só para jogar nos cassinos). Em termos de riscos de contaminação, posso dizer que Macau enfrenta um nível mais alto que Shanghai ou Beijing por exemplo.
Na primeira onda de contaminações (que era praticamente só na China), Macau chegou a ter 10 infectados apenas, e ficou por 40 dias sem novos casos, até chegar a pandemia. Bastaram os 10 infectados para que o Governo de Macau ordenasse a suspensão dos cassinos por 15 dias (de 5 a 20 de fevereiro). Imagine só, suspender a principal fonte de renda da cidade. Isso acabou causando uma queda gigante, de quase 90% da receita bruta dos jogos. O sacrifício foi necessário para conter a transmissão comunitária. O fechamento dos cassinos e as medidas de quarentena aplicadas a todas as pessoas, fez com que o número de infectados parasse no décimo caso.
O Governo de Macau começou a distribuir máscaras de ótima qualidade a cada 10 dias. Cada cidadão (e também os trabalhadores não residentes) tem o direito de comprar 10 máscaras por 8 patacas apenas (4 reais mais ou menos). Além disso, foi exigido que as pessoas preencham um questionário online de saúde (através do QR code, que não demora nem 2 minutos para completar) toda vez que forem entrar em algum estabelecimento público e em quase todos os estabelecimentos foi solicitado medidas de temperatura antes da entrada.
Durante uma crise epidêmica, é de se esperar por enormes prejuízos, mas o Governo de Macau fez de tudo para amenizar consequências financeiras, começando com o adiantamento do subsídio anual (cada cidadão tem direito a receber 10.000 patacas todo ano) que normalmente é distribuído em meados de agosto para maio, isenção do condomínio para os meses de março, abril e maio, subsídios a pequenas e médias empresas, etc.
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Não cheguei a ficar muito tempo sem trabalhar pois trabalho em um banco e era preciso atender às necessidades locais. Mas as medidas de prevenção no geral eram muito eficientes (e continuam sendo!), portanto, não senti nenhuma insegurança para retornar ao trabalho. O banco distribuiu máscaras, instalou da noite para o dia (literalmente) vidros de proteção nas mesas de atendimento ao público, várias garrafas de álcool em gel foram disponibilizadas aos clientes, além dos guardas que eram encarregados de medir a temperatura de todos que entravam no banco. Adicionalmente, o banco adiantou os bônus, deu remunerações extras para quem teve que trabalhar e continuou com as promoções de cargo. A taxa de desemprego em Macau manteve-se no patamar de 1.7%, aumentando para 2.0% neste último mês, mas esse índice continua muito baixo em comparação com outras regiões do mundo.
Todas as 10 pessoas anteriormente infectadas foram curadas bem antes da infecção pelo COVID-19 atingir o nível mundial. Macau novamente brilhou nas medidas de prevenção, tendo apenas um acréscimo de 35 novos casos durante a pandemia. Hoje nos encontramos seguros, sem nenhum novo caso já há mais de 3 semanas. O Governo de Macau ordenou que todos os residentes ou trabalhadores não residentes que vinham do exterior (em sua maioria intercambistas na Europa) fizessem a quarentena de 14 dias em hotéis designados para isso. Assim, além de alimentar a economia hoteleira também evitava uma nova onda de contaminação. Essa medida foi muito eficaz, sem contar que os hotéis onde as pessoas ficaram eram de 4 ou 5 estrelas, com tudo pago (café da manhã, almoço e jantar). Considerando que todos os 35 novos casos vieram de fora, não houve nenhuma transmissão comunitária durante a pandemia.
Aqui em Macau, não teve falta de nada, absolutamente nada. Os supermercados foram e continuam sempre bem abastecidos, não se sente falta de produtos de higiene e materiais básicos contra a crise do vírus. Em abril o Governo autorizou a emissão de cartões de consumo contendo 3000 patacas, para alimentar a economia e, em dois meses, teremos uma segunda emissão de 5000 patacas.
Uma atualização rápida: temos agora só 13 casos ativos e o número continua diminuindo, mas as medidas de prevenção continuam em vigor. As pessoas aqui se respeitam bastante, todo mundo continua usando máscara nas ruas e se cuidando na medida do possível. Só tenho a agradecer por estar aqui, em meio a profissionais que têm tanta disciplina e com este povo que, no geral, se respeita muito. Me adaptei aos costumes e me sinto confiante e segura no lugar onde estou.