Dia 8 de março foi o dia internacional da mulher, e alguns dizem que este mês inteiro é nosso. Não é invenção do capitalismo para vender mais flores e presentes, como no dia dos namorados, tampouco é “mimimi” – palavra que está na moda na internet, ultimamente. Eu só vim a entender a importância desse dia na minha vida adulta. No auge da minha adolescência, num misto de ignorância e ingenuidade, eu achava o dia uma grande bobagem… Para que ter um dia só para a mulher, se não existe um dia para o homem, não somos iguais? Pois é, ainda não somos iguais aos olhos de muitos, e feminismo não é bobagem, não!
Moro no melhor lugar para uma mulher viver no mundo; segundo o relatório anual do Fórum Econômico Mundial (Global Gender Gap Report), a Islândia ocupa o primeiro lugar no ranking da igualdade de gêneros entre 144 países. Se hoje é assim, é porque houve muita luta (desarmada, por sinal!). Aqui, há pelo menos quatro dias da mulher no ano, o mundial, em março; um que faz parte do antigo calendário nórdico; o dia da greve geral de mulheres e, não menos importante, o dia em que receberam o direito de voto, 19 de junho.
O dia internacional
O 8 de março não é tão movimentado como o dia 24 de outubro, o dia da greve geral. Se você fizer uma pesquisa no google em islandês, será direcionado a links que explicam a origem do dia 8 e a notícias internacionais sobre a data, mas não encontrará notícias de protestos nas ruas islandesas – não mais. De 1932 até os meados dos anos 70, isso foi diferente, pois havia mais agitação nesse dia. Hoje, no máximo, acontecem palestras, eventos de associações de mulheres ou discussões sobre direitos femininos e de minorias. Nem todo mundo sai dando parabéns na rua para as mulheres, nem distribuindo rosas, como já me aconteceu em outros países, mas isso não diminui o respeito enorme que existe por nós nesta sociedade super civilizada. Já em fevereiro…
“Konudagur”, literalmente, o dia da mulher (e dos presentes)
O verdadeiro dia da mulher na Islândia, este ano, caiu no dia 22 de fevereiro (geralmente é entre 18/02 e 25/02). Este, sim, é o dia de ganhar flores, receber parabéns de todo mundo; na prática, é comparável ao dia de S. Valentim (Valentine’s day, o dia dos namorados em muitos países) – que aqui, aliás, nem é tão festejado. O “Konudagur” (dia da mulher) remonta ao calendário nórdico antigo e é comemorado no primeiro domingo do mês “Góa”, na 18ª. semana do inverno – é uma data móvel, portanto. Originalmente, celebrava-se somente o aumento da claridade e a chegada da primavera, mas, desde o início do século XX, a data é de homenagem à mulher. A tradição manda oferecer flores, ter um almoço ou jantar festivo e comer o bolo do ano (sobre o qual falo em outra oportunidade) ou, simplesmente, dar bombons de chocolate. Assim como o dia da mulher – que, inicialmente, era o dia da “esposa”, aqui também existe o dia do homem (ou do marido ou, originalmente, do “fazendeiro” ou “camponês”), o Bóndadagur – o primeiro dia do mês Þorri (leia mais sobre isso aqui) – , no qual os homens são igualmente bem tratados como nós o somos no nosso dia.
“Kvennadagurinn”, o dia do sufrágio: 19 de junho
“Kvenna” é mais uma palavra para designar “das mulheres”, “dagur” é “dia”. Em 19 de junho de 1915, as mulheres de 40 anos de idade ou mais receberam o direito de votar na Islândia. Reza a lenda que o limite de idade era devido ao medo dos homens com relação ao poder que elas poderiam ter na sociedade (nada infundado, aliás). Porém, na verdade, o limite fora imposto pela coroa dinamarquesa, a quem a Islândia pertencia na época. Em 1920, o sufrágio, finalmente, passou a ser, de fato, universal, após o acordo de soberania entre os dois Estados, em 1918.
Nos dias de hoje, comemora-se a data com uma corrida de mulheres, o “kvennahlaup”, e, em 2014, foram inauguradas algumas esculturas femininas em um jardim público de Reykjavik, em comemoração aos 99 anos dessa conquista.
“Kvennafrídagurinn”, o dia da greve geral: 24 de outubro
Em 24 de outubro de 1975, as mulheres islandesas organizaram uma greve geral: 90% da população feminina parou de trabalhar às 2:08 da tarde. Professoras, enfermeiras, secretárias e até donas de casa mostraram, com isso, o quanto eram indispensáveis para o funcionamento do país e, portanto, deveriam, no mínimo, receber salários iguais aos dos homens. Desde então, o dia 24/10 é o dia oficial da mulher, o mais importante de todos na Islândia; todos os anos, impreterivelmente às 14:38, as mulheres param tudo o que estão fazendo e saem às ruas com suas reinivindicações. Não é um dia de flores, nem de chocolates, mas, a cada ano, mais direitos são reconhecidos, mais conquistas realizadas: a Islândia teve a primeira presidente eleita por voto direto no mundo; a licença parental é igual para ambos os sexos; a educação é voltada para a igualdade desde as creches; 80% da população feminina trabalha; 65% dos estudantes universitários são mulheres e a equiparação salarial é quase perfeita. Quase, pois somente agora um projeto de lei foi lançado para exigir que empresas comprovem o pagamento idêntico a homens e a mulheres na mesma função. Espera-se que, até 2020, a situação salarial se regularize. No dia 24 de outubro do ano passado, manifestantes traziam placas lembrando que, sem sua insistência, a equiparação salarial só será possível em 2068. Portanto, protestar é necessário!
Mas não foi só a luta feminina que resultou nesse desenvolvimento. Aqui há também homens feministas, que participam e contribuem para que as mudanças aconteçam – homens que entendem que somos iguais.
Agora, o principal porquê do título deste artigo: Na Islândia, todo dia é dia da mulher, não só porque temos a menor desigualdade entre gêneros do mundo, mas porque existe respeito, acima de tudo. Podemos andar na rua a qualquer hora do dia ou da noite sem o assédio ridículo de cantadas baratas; porque cozinhar e cuidar de filhos e da casa não é só coisa de mulherzinha; porque ganhar mais que o companheiro é motivo de orgulho para ele; porque piadinha machista pega (muito) mal e não tem graça; porque a mulher sabe que o lugar dela é onde ela bem entender.