Trabalho voluntário pago existe?
Na minha família, o voluntariado aparece na vida das pessoas quando elas ainda são pequenas. Seja indo para a festa junina organizada para arrecadar fundos, seja separando roupas para doação, sempre tinha aquele lembrete de dar um pedacinho de si para os outros.
Crescendo, me envolvi com diversos trabalhos voluntários de todos os tipos: dei aula de eletrônica básica e inglês para alunos de escola pública, contei histórias para crianças e adultos no hospital, me envolvi com empreendedorismo social, usei a engenharia para tornar a vida mais confortável e por aí vai.
Quando já estava na universidade, ouvi falar dos intercâmbios de voluntariado. A ideia é simples: você passa algumas semanas (ou meses) em uma comunidade onde o projeto está sendo desenvolvido, mora junto com os outros voluntários, trabalha uma quantidade pré-definida de horas por semana e tem o resto do tempo livre.
Você pode escolher aonde quer ir e que tipo de trabalho que fazer, de acordo com suas afinidades. Há tanto instituições dedicadas a esse tipo de intercâmbio, como a AIESEC, quanto agências tradicionais que agora oferecem essa opção.
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No entanto, um intercâmbio de trabalho voluntário de três meses custa entre 2.000 e 5.000 dólares, dependendo da região escolhida. Ou seja, não só você doa seu tempo como ainda tem várias despesas, já que é você quem tem que se manter no local.
Ainda é mais barato que um intercâmbio tradicional, fazendo com que cada vez mais pessoas optem por esse tipo de experiência – que até ganhou um nome, o volunturismo. Apesar de existirem instituições sérias que contam com voluntários de outros países, nem sempre o volunturismo é saudável. Mas vamos deixar essa discussão para um outro dia.
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Agora vem a pergunta: é possível fazer trabalho voluntário fora da sua cidade sem desembolsar da própria carteira? Para a felicidade geral, é possível sim. Em geral, essas oportunidades vêm de organizações grandes e consolidadas, que buscam profissionais estabelecidos para atuar em suas áreas de conhecimento por valores módicos.
“Mas eu não sou profissional/quero trabalhar numa área diferente/não tenho habilidades específicas e agora?” Acalme-se, pequeno gafanhoto. Existe a possibilidade de você ser treinado pela instituição que te acolher. Então, como isso funciona?
Aqui na França existem dois tipos de voluntários: o bénévole e o volontaire. O bénévole é o que conhecemos no Brasil como voluntário. Ou seja, uma pessoa que se dedica a atividades em prol da sociedade durante seu tempo livre, sem criar vínculos trabalhistas com a instituição na qual doa seu tempo e sem receber por isso.
Por outro lado, o volontaire se engaja de modo formal, por tempo determinado e em tempo integral para uma missão específica, recebendo uma gratificação por seus serviços.
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Para que possa ser volontaire, é preciso encontrar um programa no qual você se enquadre e se inscrever. Se a sua missão requer que você vá para outra cidade, normalmente os gastos com deslocamento, hospedagem e alimentação serão assumidos pela organização que te recebe – além da indenização recebida.
O valor da indenização mensal recebida varia bastante, indo de 106 euros no Volontariat de Solidarité Internationale (VSI) até 3.000 euros para quem participa do Volontariat International en Entreprises (VIE). O dispositivo mais famoso entre os franceses é o Service Civique.
Service Civique
Que me perdoem os com mais de 26 anos, mas desse vocês não podem participar. O Service Civique se destina aos cidadãos europeus e demais estrangeiros – estes devem residir regularmente na França -, que possuam entre 16 e 25 anos.
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Não existe nenhum pré-requisito de estudos nem de experiência profissional, apenas é necessária boa vontade e motivação. Os menores de idade também precisam de autorização dos pais.
É possível se engajar por seis a doze meses, na França ou no exterior, desde as missões tenham duração mínima de 24h por semana. Com isso em mente, pode-se escolher associações, estabelecimentos públicos e órgãos governamentais com projetos em nove áreas como esporte, saúde, desenvolvimento internacional e ações humanitárias, e intervenção de urgência em caso de crise.
O voluntário recebe no total 580 euros, sendo 473 de origem estatal e 107 euros advindos do organismo acolhedor. A parte que vem do organismo corresponde às despesas de alimentação e/ou de transporte, podendo ser pagas em espécie ou de outras formas. Entretanto, estar vinculado ao serviço cívico não te impede de trabalhar em tempo parcial (para ajudar a fechar as contas) ou mesmo estudar.
Ao fim do período de serviço, a pessoa pode receber alguns benefícios, como dispensa do estágio obrigatório na universidade, créditos para a formatura e até mesmo um cheque-férias para viagens a turismo. Nada mau, hein?
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Bônus: minha experiência na Croix Rouge Française
No mês de junho me inscrevi na Cruz Vermelha Francesa, a Croix Rouge. Quem quiser fazer serviço cívico na organização pode acessar as oportunidades no site deles. Além disso, vou explicar um pouquinho como tem sido para mim (como voluntária não paga) e o que ainda espero fazer. A Fernanda já contou como foi a experiência dela, então vou pular a parte inicial de como funciona.
Na minha Unidade Local (UL) temos três atividades: aulas de Francês como Língua Estrangeira (FLE), urgência e socorro e as maraudes. Eu queria atuar como socorrista, mas é necessário passar por alguns treinamentos antes de ir para o campo. Já comecei a formação, e logo terei minha primeira experiência na urgência.
Fui convidada a participar das maraudes para conhecer, e mesmo sendo algo fora da minha zona de conforto, resolvi tentar.
Uma maraude é uma visita feita aos moradores de rua de determinada localidade, com o objetivo de integração do beneficiário (como são chamadas as pessoas que recebem algum auxilio da Cruz Vermelha) à sociedade, e não a distribuição de bens.
No dia da maraude você chega na sua UL, veste o uniforme e prepara os materiais para a visita. Os voluntários levam água quente para o preparo de cafés, chás e sopas; algumas comidas; kits higiene homem e mulher; e um livreto com endereços e horários de pontos de interesse, como duchas públicas e abrigos.
No começo há um briefing para que o chefe de equipe possa inteirar os maraudeurs das diretrizes e demais informações úteis. No final, tem um debriefing para conversarmos sobre o que aconteceu durante a visita, se houve problemas, ações a serem tomadas.
A maraude em si passa bem rápido. O grupo se aproxima dos beneficiários oferecendo um café ou um chá, e daí engata-se um conversa, se a pessoa quiser.
Nesses poucos meses de Cruz Vermelha já encontrei um pai com o filho pequeno que só queria saber onde poderia tomar banho; um senhor de idade, que já tinha encontrado abrigo, mas se sentia claustrofóbico, então preferia a rua; dois amigos amantes da gastronomia que nos ensinaram a fazer foie gras e cidra do zero; uma mulher grávida com filhos pequenos, que tinha fugido do marido.
Mas houve também gente que parava só para esbravejar sobre o governo; um homem alcoolizado que decidiu que nossa chefe de equipe era a mulher da vida dele; outro ligeiramente delirante, que queria criar campeonatos libidinosos – para dizer o mínimo.
Por outro lado, existem pessoas que não querem ajuda. Nada é imposto a elas, apenas deseja-se boa noite e segue-se em frente. É muito importante não assumir qualquer necessidade de quem está em situação de rua.
Apesar de seus altos e baixos, é uma experiência que tenho adorado, com a qual pude aprender e crescer bastante. Afinal, fazer maraude é bem imprevisível, mas nada que um pouco de jogo de cintura e bom senso não resolva.
Já fez trabalho voluntário? Conte como foi sua experiência! Ainda não fez mas ficou interessada? Confira no site do Service Civique como você pode se inscrever.