A mulher foi historicamente construída como sendo “o outro”, o mais frágil, o ouvinte, o irrelevante, o subordinado e, independente do país, a constituição do papel feminino na sociedade foi crucial para a formulação do gênero no presente.
Quando expatriada, “o outro” mulher é também “o outro” estrangeiro, com outra cultura, outra língua e até outra aparência física. Assim que, além de enfrentar as dificuldades da expatriação, também enfrentamos outras barreiras pelo fato de sermos mulheres em um mundo que foi (e ainda é) dominado e pensado por homens.
Seja expatriada, seja imigrante, as mulheres que optam por deixarem o seu país de origem e embarcar em uma nave de tantas distinções e incertezas, é já por isto uma vencedora e deve, constantemente, orgulhar-se de seu feito.
A inspiração para escrever o artigo deste mês surgiu de bate papos com outras mulheres que, assim como eu, possuíam uma vida estável e independente emocional e financeiramente no Brasil, mas que decidiram mudar, radicalmente em alguns casos, e sair da zona de conforto. Não falo de mulheres com vinte e poucos anos e sim daquelas que nasceram na década de 70 e início de 80, solteiras, com imóvel próprio, no comando de equipes, enfim, únicas e poderosas.
Porém, essas mesmas mulheres, após alguns anos de vivência no exterior e já inseridas rotineiramente em uma outra cultura, se deparam com a fragilidade do ser. Um momento de sofrimento, queixas, perdas e dúvidas.
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Podemos pensar o movimento migratório em fases, onde o chegar em um outro país gera uma ambiguidade de sentimentos. Expectativas e euforia diante de uma nova construção, amparado a outros aspectos básicos como maior segurança e melhor qualidade de vida, versus a tristeza por deixar a família, os amigos e a comodidade, marcam o processo inicial que vai até a adaptação e familiarização aos costumes locais, onde agregamos novas pessoas ao círculo, colegas de profissão, maridos, filhos enfim, quando acreditamos estar mais estabilizados, eis que então pode aparecer um novo entrave em uma fase de questionamentos da própria identidade e é sobre este momento que me refiro.
Sabemos que a influência entre as pessoas gera comportamentos de aproximação e afastamento e diante do que é estranho e diferente, criamos ou resgatamos a nossa identidade. É no contato com o outro que elementos são adquiridos e outros são abandonados, reciclados e repensados.
Há dois grandes riscos em relação as redes sociais quando imigramos: um deles é nos tornamos excessivamente defensivos a cultura e costumes locais e nos isolar em grupos de brasileiros, ou o contrário; abandonar a identidade e cultura de origem em função da integral adoção da cultura dominante. Ambos resultaram em frustrações e dificuldades, sendo o ideal o encontro do equilíbrio entre os polos, que vai além da estagnação, sem perder os laços com a terra de origem.
O que tenho visto são mulheres que ao imigrar, não perderam, em princípio, suas características e essência de poder e independência, continuaram a trabalhar, a estudar e a prover seus méritos, e neste contexto encontraram um companheiro e permitiram-se dividir o lar, a vida e as culturas.
Essas mulheres, agora casadas com os estrangeiros e com filhos, fazem parte das milhares de famílias multiculturais, porém ao ambientarem-se, acabaram por perder um pouco do seu domínio, sua essência e seu empoderamento. A fragilidade se instalou e talvez o medo continuo da exclusão dupla, gênero e pátria, as fizeram aceitar e incorporar os costumes do companheiro, sejam culturais ou familiares, sem questionar, acreditando fazer parte da ambientação e assim, perder a sua identidade. Ao final, desconectaram-se de si.
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Esse é realmente um risco que se corre. Segundo o psicólogo Wolfgang Rüdiger Lind, em sua tese de doutorado pela Universidade de Lisboa, sobre as diferenças entre casais mono e biculturais, afirmou que o cônjuge estrangeiro depende mais do cônjuge nativo, principalmente no inicio da relação, devido a um maior desconhecimento da língua, da cultura e costumes, enfim do pais em geral onde o casal reside, e que pode ocasionar uma relação assimétrica entre os cônjuges.
Essas mulheres, nós brasileiras pelo mundo, não perdemos o poder, mas por muitas vezes os ocultamos por questões do dia a dia que, no exterior, se potencializam, além é claro, de nos depararmos com questões de diversidades intrínsecas a imigração, que compreendemos, mas que às vezes nos machuca e nos fragiliza. E quando tudo isso se torna uma constante, as forças podem escorrer facilmente pelos nossos dedos.
O que eu digo para essas mulheres é não desistir, pois se há amor, determinação e acima de tudo respeito, a força para seguir ressurgirá. A comunicação é a palavra mágica, por mais que muitos sentimentos sejam difíceis de serem exprimidos em um idioma não materno e que, os cônjuges estrangeiros nos creditem o título de “rainha do drama”, continue e mostre que a cultura e os costumes brasileiros não podem ser subvalorizados, bem como o seu glorioso passado não foi deixado para trás, quando decidiu fazer as malas e partir. E é claro, lidar com a suprema arte da flexibilidade e tolerância, pois na maioria das vezes, as diferenças culturais não são um ataque pessoal.
Por fim, como uma psicóloga convicta, considere a terapia como ferramenta de ajuda.
Até a próxima!