Apesar de muito antiga, remetendo a mitologia nórdica e germânica, a tradição do Sinterklaas e Zwarte Piet como conhecemos hoje tem origem em um livro infantil de 1850 chamado Sint Nikolaas en zijn Knecht (São Nicolau e seu servo), de Jan Schenkman. Ali foi a primeira vez que Piet foi retratado como uma pessoa de pele negra.
“O personagem Zwarte Piet faz parte da festa anual de São Nicolau, que é comemorada na noite de 5 de dezembro (Sinterklaasavond, que é conhecida como véspera de São Nicolau em inglês) na Holanda, Aruba e Curaçao. É quando os presentes e os doces são tradicionalmente distribuídos para as crianças. O feriado é comemorado em 6 de dezembro na Bélgica. Os personagens de Zwarte Piet aparecem apenas nas semanas anteriores à Festa de São Nicolau, primeiro quando o santo é recebido com um desfile ao chegar ao país (geralmente de barco, depois de viajar de Madri, Espanha). As tarefas dos vários Zwarte Piets (Zwarte Pieten em holandês) são principalmente divertir crianças e distribuir kruidnoten, pepernoten e outros strooigoed (doces especiais com tema de Sinterklaas) para aqueles que vêm conhecer o santo enquanto ele visita escolas, lojas, e outros lugares.” (Fonte)
O papel do Piet mudou ao curso do tempo. No início era uma figura severa, castigando as crianças que se comportavam mal e carregava um saco para levá-las para a Espanha. Hoje é uma figura alegre que distribui doces para as crianças, que o adoram.
Essa figura de um escravo ou servo negro, submisso á um homem branco, por si só já é meio estranho. Para piorar é comum ver pessoas brancas com os rostos pintados de preto (blackface style) fantasiadas de Zwarte Piet. Por isso muitas pessoas estão apontando o racismo dessa tradição nos últimos anos e pedindo uma mudança na imagem, ou até mesmo o fim do Zwarte Piet.
Mudar ou não mudar?
Algumas cidades já proibiram a fantasia blackface, sendo normalmente substituída por rostos “sujos”, como de fuligem das chaminés. Mas por exemplo aqui no sul ainda é muito comum ver os Piet com cara pintada pela rua, e pessoalmente ainda me causa repulsa cada vez que vejo essa figura na rua.
Dos holandeses que conheço parece que a cor do Piet não é exatamente relevante. Mas mesmo assim existe muita resistência em admitir que a figura é racista e que por esse motivo deveria mudar.
Desde os anos 70 a imigração para a Holanda aumentou muito, e assim a população tem mudado, e por consequência a cultura holandesa também. Pessoas dos mais diferentes países, religiões e idiomas vieram para cá.
A integração de tantas pessoas diferentes na sociedade nem sempre é tranquila. Choque de culturas, faz com que parte dos holandeses sem origem estrangeira sintam como se corressem risco de perder sua identidade, cultura, tradições e até mesmo seu idioma.. Esse sentimento, mesmo que equivocado e com um ponto de vista restrito, é humano.
Porém existe uma idéia meio estranha que a Holanda é a Randstad (Amsterdam, Den Haag, Utrecht e Rotterdam), onde a maioria dos estrangeiros mora, o que não é verdade. Existem áreas onde a presença de estrangeiros ainda é pequena, e a cultura ainda está preservada como era, sem grande evolução. Em alguns desses locais existe falta de empregos, forçando muitas pessoas a se mudarem para as cidades maiores. Esse isolamento, e sentimento de que as coisas não são mais as mesmas (para pior) geram um sentimento de proteção sobre a cultura holandesa.
Esses grupos tem a impressão que a cultura holandesa está sob “ataque”, o que gera o natural medo do desconhecido.Junto com isso ver um símbolo dos tempos de infância ser apontado como racista cria essa resistência enorme a mudança. Os holandeses em geral se veem como tolerantes, abertos, mesmo que não seja sempre assim, e ser chamado de racista é extremamente ofensivo.
A comemoração pode ser para crianças, as a discussão é muito séria.
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Hoje em dia você é sempre obrigado a ter uma opinião, que deve ser extremista, e assim a discussão tem esquentado cada vez mais. Na mídia as posições são sempre extremas, sem diálogo. Existem grupos organizados, de ambos os lados. Um se autodenomina “Kick Out Zwarte Piet” (algo como “Chutar o Zwarte Piet”). Já houveram ataques violentos, ameaças de auto detonação e bloqueio de estradas para impedir que um grupo de opositores fosse até o local da chegada do Sinterklaas para protestar no meio da festa das crianças.
Mas aparentemente nem todos os holandeses querem manter o Piet Zwarte (negro). Abaixo no mapa se mostra a proporção de pessoas que querem que o Piet fique como está:
Lembram o que falei ali em cima sobre a Holanda ser muito mais que Amsterdam? Quanto mais afastado do Randstad (as maiores cidades que são Amsterdam, Den Haag, Rotterdam e Utrecht), maior a resistência. O Piet é apenas um exemplo da falta de conexão das regiões entre si, e até mesmo com o governo central.
E afinal, o Zwarte Piet é racista ou não?
Sendo da terra do Saci Pererê (uma criança negra, com necessidades especiais, fumando um cachimbo e fazendo bagunça semi nua por aí) acho que não cabe a mim apontar dedos. Eu não cresci nessa cultura, e também não sofro na pele com a imagem do Zwarte Piet.
Como estrangeira tento usar a minha posição para tentar entender melhor os dois lados. Acho sim que a uma evolução da figura, saindo do blackface, seria muito positiva. Tornaria a festa mais inclusiva, evitando que crianças negras sejam expostas a essa representação. Espero que os grupos consigam perceber que essa mudança não significa o fim de uma tradição, mas a inclusão de mais pessoas na mesma. E que assim poderemos todos curtir a festa sem essa polemica desconfortável entre nós.