Recentemente meus pais, já idosos, vieram nos visitar aqui na Holanda. Uma das observações deles que me chamou muita atenção, e me inspirou no texto desse mês, foi sobre os idosos e como é envelhecer na Holanda. Especificamente como os idosos são ativos, independentes, e quase tudo aqui é acessível, seja para pessoas com capacidade física limitada ou simplesmente de mais idade.
Idosos ativos
Lembro que quando cheguei aqui pela primeira vez fiquei surpresa com a quantidade de idosos pedalando por aí em suas bicicletas. Aliás quase todo estrangeiro por aqui tem a mesma surpresa ao ser ultrapassado por algum idoso em alta velocidade na bicicleta. Spoiler: normalmente o segredo é que a bicicleta é elétrica!
Mas fora a brincadeira, a verdade é que os idosos aqui são realmente ativos. Sempre vejo vários andando bravamente em com seus andadores, cadeiras de rodas, elétricas ou não, contra o vento, chuva e até neve. Muitas vezes sozinhos.
Dados de 2017 mostraram que pessoas entre 65 e 75 anos percorriam uma distância média de 2,6 quilômetros por dia de bicicleta, sendo que somente jovens entre 12 e 25 anos andavam mais que isso. Em 2016 15% das pessoas de 65 a 75 anos ainda pertenciam a um clube esportivo, sendo que cerca de um quarto das pessoas com mais de 75 anos se exercitavam semanalmente.
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Independência e autonomia
Por um lado além do holandês médio ser naturalmente ativo, seja pela bicicleta, pela cultura esportiva e em contato com a natureza, também existe o fator que aqui não é tão comum que o idoso more com a família. Grande parte mora sozinho enquanto pode, e depois vão para residências especiais para idosos, onde a autonomia varia de acordo com a necessidade.
Aqui existem os asilos como conhecemos no Brasil, com cuidadores disponíveis todo o tempo, para pessoas que precisam de cuidado intensivo. Além disso existem complexos, com prédios ou pequenas casas, onde a assistência é parcial, com um centro médico por perto e facilidades específicas para idosos. Essas residências são como casas normais, mas específicas para idosos, tendo uma idade mínima para poder morar em uma unidade dessas.
Se por um lado estranho essa distância, por outro é fato que os idosos aqui “se viram” porque simplesmente tem que se virar. E isso obriga que mantenham sua autonomia. Já houveram estudos mostrando que os holandeses se preocupam, e muito, com seus filhos, ao ponto de não querem que vão para a creche todos os dias para poderem cuidar das crianças eles mesmos – mas nem tanto com os seus pais. Dois terços considera que é responsabilidade do governo cuidar dos idosos.
E o governo realmente apoia a terceira idade por aqui. Existem cuidadores providos pelo município para ajudar os idosos (e pessoas com necessidades especiais) que moram sozinhos a realizarem as tarefas básicas do dia a dia, de modo que possam continuar a viverem em suas casas. O sistema de saúde é uma das área com maior crescimento em vagas de emprego, justamente porque a população holandesa está envelhecendo e precisa cada vez mais de cuidados.
E a autonomia também está presente na mobilidade. Além das e-bikes, as tais bicicletas elétricas, existem ainda carros bem pequenos de velocidade reduzida que circulam na ciclovia e ainda triciclos especiais (chamados scootmobiel) para idosos e pessoas com necessidades especiais, que circulam na ciclovia, nas calçadas e entram também em lojas e restaurantes. Assim os idosos continuam tendo a liberdade de irem aonde quiserem, quando quiserem, mesmo que tenham dificuldades de locomoção.
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Vida Social
E se a família não é tão chegada assim, não se pode pode dizer o mesmo dos amigos. Quando eu trabalhava aos finais de semana eu via todo sábado e domingo grupos imensos de idosos, indo passear por aí de trem, animados (e barulhentos) como adolescentes. E se for em qualquer “market”, praça central onde normalmente ficam os cafés e restaurantes, vai ver grupos de idosos se divertindo, principalmente durante o dia.
Ainda assim a solidão é um dos grandes problemas da terceira idade. Existem projetos que buscam integrar essa população, seja com voluntariado ou com programas com universidades para que os estudantes morando no campus sejam “bons vizinhos” por pelo menos algumas horas, interagindo com idosos.
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Dementia Vilage
Um projeto piloto para pacientes com demência é a De Hogeweyk, uma casa de repouso em formato de vila, onde se recria a vida normal com cuidadores de plantão 24 horas por dia.
Ali existem restaurantes, lojas, diferentes ambientes, tudo de modo planejado a garantir a segurança dos pacientes. Além disso a “vila”é separada em blocos por interesse: tem o bloco para pessoas religiosas, outro que tem inspiração na Indonésia (antiga colônia da Holanda, e país de origem de várias famílias por aqui), uma área para quem curte cinema, e assim vai…. tudo feito para manter o interesse e que as pessoas se sintam confortáveis. Assim os pacientes podem ter a sensação de vida quase normal, sem o sentimento de isolamento que muitos asilos acabam trazendo. O resultados? Esses pacientes vivem melhor, tomam menos remédios e são mais felizes.
Resumindo, a Holanda. por ser um país com muito tempo de história e uma população em rápido envelhecimento, tem muito a ensinar sobre planejamento e cuidado. Aqui o idoso é visto como público consumidor, que merece cuidado, e tem os ambientes públicos planejados para serem acessíveis e garantirem autonomia.
*Imagem de destaque de autoria de Val Vesa, pela Unsplash.