É necessário aprender holandês para morar na Holanda?
A Holanda, com seu passado mercante, sabe há muito tempo como é útil se falar mais de um idioma. Atualmente, é um dos países onde mais se fala inglês como segundo idioma (93% da população diz poder se comunicar nesse idioma), mais da metade também fala alemão e posso dizer com propriedade que muitos outros falam ainda outros idiomas, como espanhol.
Na televisão muitos programas são legendados ao invés de dublados, as aulas de inglês na escola são bem mais que ” the book is on the table” e são para todos, e em cidades um pouco maiores se houve inglês e outros idiomas no dia a dia. Isso acaba gerando um fenômeno interessante com pessoas que moram aqui há muito tempo e simplesmente não falam o idioma local – o temível holandês.
Primeiro ponto a se considerar é que realmente, holandês não é dos idiomas mais fáceis. E o som não é lá muito atrativo, algo como um alemão mais agressivo, o que não ajuda. E com quase todo mundo falando inglês, fica difícil praticar. Todo estrangeiro estudante do neerlandês (sim, holandês!) já passou pela situação de fazer todo um esforço mental para tentar formular uma frase no idioma local somente para ser respondido em inglês. Pois é, acontece.
A possibilidade de se comunicar sem ter que aprender holandês é bastante conveniente. Eu mesma acabo fazendo isso, especialmente para assuntos importantes, e olha que estudei o idioma por três longos anos (e devo voltar ano que vem). É possível ter uma vida bastante normal sem falar o idioma: fazer compras, trabalhar, ir ao médio, dentista, supermercado, tudo em inglês. Por isso mesmo muita gente não se dá ao trabalho de aprender holandês.
Mas tem hora que parece que isso está indo um pouco longe demais.
A Priscila conta aqui se falar inglês é suficiente para viver na Suécia!
Tenho três exemplos reais para ilustrar o meu incomodo: Eindhoven, com multinacionais, universidades e afins, é bastante internacional. Eu e meu marido fomos ao cinema aqui e ele, holandês, nascido e criado na cidade, foi perguntar, obviamente em holandês, sobre os bilhetes ao funcionário, que também era holandês. Foi imediatamente respondido em inglês. Ele insistiu em falar holandês, o funcionário com má vontade respondeu em holandês nativo, mas quase ofendido de ter que falar seu próprio idioma.
Na mesma semana eu fui comprar um café em um McDonalds que tem no aeroporto da cidade. Lembrando da minha professora, como o lugar estava vazio tentei praticar o idioma local. A atendente me respondeu em inglês. Eu pedi (educadamente!) que ela falasse holandês comigo – a garota travou. Porque ela mesma não falava holandês! Eu fiquei muito surpresa que alguém trabalhando com o público não falasse o idioma do país. Mesmo que fosse no aeroporto, o restaurante ainda estava na Holanda, não?
No trabalho contei a história para uma colega holandesa que me contou que na mesma semana levou a filha de 10 anos para comprar roupas e a atendente, além de não falar o idioma, tentou se comunicar com a criança em inglês, mesmo sabendo que a família era holandesa.
Confesso que esses fatos acabam me fazendo questionar até que ponto achamos que não precisamos, ou devemos, aprender o idioma local. E como muita gente está começando a esquecer que a língua é parte da cultura de um povo, tentando impor outro idioma como norma, o que pessoalmente acho muito estranho e beirando o ofensivo.
Pense comigo: imagine um estrangeiro indo morar no Brasil e simplesmente se negando a se comunicar em português. Pessoas em lojas no Brasil atendendo brasileiros exclusivamente em inglês. Pessoas no restaurante da esquina falando somente em outro idioma, mesmo estando no Brasil. Não pareceria estranho?
Claro que para imigrantes temporários se dar ao trabalho de aprender um idioma bem complicado e diferente do nosso pode ser pura perda de tempo. Holandês não é um idioma falado em muitos outros países, e realmente com inglês dá para viver muito bem por aqui nas cidades (e o Google tradutor ajuda muito com cartas oficiais ou decifrando rótulos no mercado), trabalhar e estudar em inglês também é possível, além de haver toda uma vida social em inglês nas cidades maiores. Mas ao mesmo tempo saiba: você vai sim perder muita coisa, seja na cultura, com música, humor, programas de TV, até mesmo a fofoca no escritório. E se morar em cidadezinha pequena pode dar de casa com os 7% que não falam inglês.
Além disso a falta de interesse em falar o idioma local quando se quer realmente ficar por aqui acaba remetendo aos grupos que vem pra cá e não se integram, justamente por ficarem em suas bolhas falando somente o próprio idioma e consumindo a própria cultura. Ao sair do país de origem se tem a chance de se adicionar um outra cultura a sua própria, o que não significa esquecer a própria e virar local. Mas integração abre as possibilidades e faz a vida muito mais rica (e fácil).
De brinde eu sinto que os holandeses também tem toda uma outra atitude quando sabem que o imigrante está se esforçando para aprender o idioma. Geralmente é a segunda pergunta que me fazem, depois de qual seria meu país de origem. Ao dizer que sei alguma coisa (e olha que não sou das mais talentosas) sempre abrem um sorriso, e geralmente comentam “é difícil, né?”. Sim, eles também sabem que é difícil. Mas imigrar sempre vai ser, e se a Holanda for a sua nova casa, porque não começar aprendendo o idioma?
1 Comment
Obrigado pelo artigo! E sobre Eindhoven, é tranquilo pra quem só fala inglês (ainda)?