10 motivos para não morar na Finlândia.
Em minha última coluna escrevi sobre 10 motivos para morar na Finlândia e prometi trazer os contrapontos em meu próximo texto. Promessa é dívida e aqui estou.
Este não é um texto escrito por alguém pouco integrado e cheio de ódio no coração. Tenho uma visão realista, pois não existe lugar perfeito no mundo, existe o lugar onde você se sente bem e feliz. Este é o meu, com todos os seus defeitos, mas pode ser o grande pesadelo de outros, dependendo de suas necessidades pessoais e pré-requisitos para encontrar a felicidade.
Escolhi os tópicos deste artigo baseando-me em questões que sei serem choques culturais para grande parte dos brasileiros que se mudam para cá.
Clima e escuridão
Por mais que o verão seja lindo, que a natureza seja exuberante e que o sol da meia-noite seja encantador, em geral o clima da Finlândia é ruim. A temperatura média do verão é de 18 graus e é normal chover muito. Pode haver anos bons (este está sendo) e pode haver anos praticamente sem verão, como 2017.
E o inverno?
O frio não é o pior, tudo é muito estruturado e você aprende a lidar com ele. O problema é a escuridão que começa em novembro e permanece até fevereiro. Por mais que você seja uma pessoa que goste da noite, que odeie calor e sol forte (este foi meu discurso a vida inteira enquanto morei no Brasil), simplesmente não ter opção, não ter a luz do sol, chegar no trabalho e voltar para casa sempre “de noite”, não é legal.
Leia mais sobre o assunto em meu texto Escuridão e S.A.D. na Finlândia
Solidão
Individualidade e solidão são características dos finlandeses e, apesar de não podermos generalizar, é bem comum que assim seja.
Círculos sociais tendem a não ser amplos na Finlândia e faz-se uma distinção forte do que é amigo, conhecido e colega de trabalho. Colegas de trabalho podem trabalhar juntos há 20 anos e não saberem nem se o outro é casado ou tem filhos. Sim, isso existe e muito. Normalmente amigos serão 2 ou 3 e, se você for apenas um conhecido, não espere muito, a não ser que você mesmo faça o movimento e tome as iniciativas.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Finlândia
Aqui é normal curtir a solidão e fazer coisas sozinho, inclusive ir a bares, cinema e viajar. Se você não gosta de ficar só e não consegue se divertir sozinho, talvez a Finlândia não seja o lugar ideal para você.
Empatia e cortesia
Latinos em geral têm seu código de educação baseado na cordialidade: dizer não é ofensivo, deve-se cumprimentar, oferece-se ajuda mesmo que o outro não precise, dá-se o lugar, segura-se a porta, espera-se pelos outros, conversa-se, comunica-se, sorri-se, toca-se.
O código de educação da Finlândia é o oposto: baseia-se 100% no respeito à individualidade e no respeito ao espaço do outro e isso é levado a ferro e fogo. Pode pegar cada exemplo que dei acima e passar para o contrário.
Ser cordial não é uma obrigação social, é uma opção pessoal e a empatia não é exercitada no dia a dia das pessoas como uma forma de expressão. Aliás, não é comum expressar sentimentos em público.
Claro que há exceções, muitas até, principalmente nas gerações mais novas, mas tenho certeza de que muita gente, principalmente latinos, sentem-se muito incomodados com isso.
Sinceridade sem filtro
Dizer não aqui não é tabu, é um direito seu não gostar, não querer e não fazer. Se você se arrumar toda e perguntar ao seu marido o que ele acha, por exemplo, ele poderá dizer sem nenhuma dó que achou a roupa estranha, o sapato feio, o cabelo esquisito, etc. Se você pedir ajuda a um amigo e ele já tiver planos, ele dirá a você sem problemas que não pode te ajudar porque, sei lá, vai assistir a um jogo ou está cansado demais. Você vai ouvir a verdade por mais nua e crua que possa ser. Eu admiro muito isso, mas sei que muita gente se ofende.
Idioma
Falar finlandês não é impossível, mas é muito difícil. É uma das línguas mais difíceis do mundo e para se atingir um nível intermediário independente (B2.2), a média de tempo de estudo intensivo é de dois anos e meio, se realmente houver imersão. Para se falar realmente bem, a maioria das pessoas precisa de bem mais do que isso; 4 ou 5 anos em geral. Nenhum curso que você venha a fazer garantirá que você tenha um bom nível de redação.
A dificuldade do idioma está relacionada a taxa de desemprego entre os imigrantes, pois é muito, mas muito difícil mesmo, conseguir um emprego na Finlândia sem falar finlandês muito bem. E isso vale para empregos bem básicos.
Desemprego
Desemprego é um problema na Finlândia desde sempre. Desde os anos 80 me lembro de meu pai e meu tio conversarem sobre o assunto, sobre como estava difícil. Claro que há ondas e as vezes melhora, mas para uma população de apenas 5.4 milhões de habitantes, 8.6% de desemprego (dados de abril de 2018) é um taxa altíssima. Logicamente isso afeta as possibilidades de um imigrante conseguir emprego aqui. As áreas que mais contratam estrangeiros são as de tecnologia da informação (estas por sorte tendem a não exigir o finlandês), mas, no geral, a taxa de desemprego entre imigrantes na Finlândia é uma das maiores da Europa por melhor que seja o seu currículo.
Racismo e xenofobia
Existe sim e está dentro da onda da Europa. Não, não acho que seja a maioria da população, não acho que haja mais finlandeses racistas do que não racistas, mas existe sim e, além disso, há uma série de preconceitos, que mesmo não sendo raciais, atingem muito mais a quem não é daqui.
A questão do preconceito linguístico por exemplo, de preferir contratar um finlandês menos qualificado para o serviço do que um estrangeiro não proficiente no idioma, mesmo que este fale direitinho. Este é um exemplo básico e que quase podemos generalizar, basta ler as ofertas de emprego nos sites. A frase: Native level Finnish is mandatory (finlandês com nível nativo é obrigatório) está na maioria das ofertas.
Não quero falar sobre preconceito racial porque este, infelizmente, é um problema universal e a Finlândia não escapa dele. É um tema muito sensível para ser abordado em apenas um tópico.
Burocracia do sistema de seguro social
O sistema de seguro social é bem burocrático. Depois que você se acostuma com ele fica tudo bem, mas até aprender, prepare-se para muita dor de cabeça. Tudo está online, mas a informação em inglês muitas vezes não é tão completa quanto a informação em finlandês e se o seu inglês não for muito bom, você irá se perder.
Os funcionários dos departamentos normalmente não dão informações além do que você perguntou, mesmo que durante a sua explicação percebam que você precisa de informação extra e muitos deles têm má vontade com estrangeiros, se tiverem que falar em inglês.
Se você não ler muito, acabará sem saber que tem uma série de direitos ou pior, perderá oportunidades e terá que dar entrada do zero em algum procedimento, porque não foi bem informado. Dizem que está mudando, que bom! Mas quando precisei fiz muita coisa desnecessária por não saber como proceder. Agora aprendi, não vou a lugar nenhum perguntar nada antes de ler os sites de cabo a rabo.
Suporte jurídico fraco ao estrangeiro
Este é um problema muito sério, mas que é menosprezado pelo fato de ser algo estatisticamente pequeno, mas se você precisar processar uma empresa por má prestação de serviços ou uma pessoa por alguma razão, isso vai ser caro, demorado e muitas vezes frustrante e injusto. O serviço de defesa ao consumidor é praticamente inexiste. A justiça finlandesa é branda demais e cara demais. O serviço de defensoria pública no geral não é bom. Um estrangeiro pode ficar totalmente perdido, sem saber aonde ir ou o que fazer se quiser levar adiante uma denúncia.
Poucas opções de entretenimento nas cidades pequenas
A melhor maneira de explicar esse tópico é com poucas palavras: se você não estiver numa das cidades metropolitanas e, mesmo nestas, numa região central, não tem nada para fazer. Nada mesmo. Muitas não têm nem um cineminha. Pouca gente na rua, ninguém na rua aos domingos e feriados, não tem nada. Começar sua vida aqui, sozinho, num lugar desses, pode ser enlouquecedor.
23 Comments
Como tudo que Maila-Kaarina escreve e sempre uma leitura agradável, concisa, objetiva e bem redigida. Parabéns!
Obrigada!
Tenho que concordar, me fiquei preso a linha de raciocinio, chegando a esquecer onde estava no “mundo real”.
Meus Parabéns!
Muito obrigada!
Tenho passaporte português e sou médico. É muito difícil a revalidação do diploma para trabalhar na Finlândia?
Olá Alexandre,
O maior problema é o nível de proficiência linguística que você precisa alcançar para poder trabalhar como médico. Aqui há médicos estrangeiros, um número razoável, inclusive, e o governo precisa de médicos. No entanto, é mandatório que fale finlandês, pois este é o idioma do país. Não dá para exercer medicina somente em língua inglesa porque os cidadãos não podem ser obrigados a se expressarem numa língua que não é a deles. Acredito que você concorde, como médico, com a importância da comunicação para a relação médico-paciente…
Este seria o maior dos problemas para conseguir revalidar o seu diploma aqui.
Um abraço,
Maila
gostei da materia muito interessante vc esta de parabens
Muito obrigada!
Muito Legal, Gosto Muito do Punk Rock Finlandês (70’s /80’s) !!
Gostei demais de sua matéria. Em muitos aspectos, bastante semelhante com a realidade alemã. Perfeito.
Vou compartilhar em nosso grupo do face, muito bom. Obrigado pela matéria.
Muito obrigada, Konrado! Fico muito feliz em saber que gostou do texto.
Um grande abraço e muito obrigada por compartilhar.
Excelente texto e bem esclarecedor. Fui convidado pela faculdade a fazer um estágio na Finlândia. Estou tirando todas as dúvidas e me preparando. Inicialmente eu iria para Alemanha, até por ser descente. Mas me atrai a idéia d o s países nórdicos. Mais uma vez parabéns pelo texto. Também gosto muito de metal, já tive banda e inclusive me correspondia com muita gente da Europa, inclusive Finlândia, noruega.
Que legal, Carlos!
Espero que tudo tenha dado certo com o seu estágio e que, caso esteja por aqui, esteja gostando.
Abraço
Oi, alguém saberia me dizer se na Dinamarca e Noruega as cidades também ficam vazias, tal como é dito no texto? Até onde eu sei, na Dinamarca as pessoas tem como passatempo cultural fazer atividade física nas ruas, pelo menos quando o clima permite. Em feriados é comum subirem uma montanha ao invés de ir a um shopping, por exemplo.
Olá Zair,
Aqui também, as pessoas possuem os mesmos passatempos, mas quando está -20 ou -30, fica um pouco complicado. Por 3 meses no ano todos os países nórdicos são super vívidos, mas durante o inverno não tem como ser assim.
Um texto bem feito, conciso e muito prático, sobre um país que bem poucos conhecem e por isso mesmo tem uma aura de fascínio. Por favor, continue escrevendo pois a leitura é muito prazerosa!
Muito obrigada!!!
Olá, sou finlandês, vivo em Vantaa e gostaria de encontrar alguém com quem eu pudesse praticar falar Português. Ficaria muito grato se você pudesse me dar alguns conselhos sobre onde encontrar tal pessoa. Eu posso pagar um pequeno salário por hora. Sou um homem de 60 anos.
Olá Mikko! Acho que posso te ajudar. Se quiser, mande-me um email para mailakaarina@gmail.com
Um abraço!
Maila,estive em Rovaniemi e Luosto,em março 2018 com minha família e um grupo de amigos(16 pessoas) e fomos muito bem tratados ,até pelas aeromoças kkk lindas senhoras extremamente carinhosas.
Tudo perfeito.No que tange ao quesito alimentação,tivemos uma over dose de rena e salmão…kkkkk mas valeu.Conseguimos capturar a AURORA BOREAL em seu particular ESPETÁCULO.
Triste foi confirmar a eles as notícias que ouvem sobre o Brasil…
Se fosse mais perto com certeza voltaríamos a Finlândia.
Grande abraço.
Olá, excelente texto! Sou engenheiro de automação e gostaria muito de migrar para Finlândia, alguém sabe me informar como está a aceitação do mercado para profissionais dessa área de tecnologia e o que é necessário para essa migração?
Olá Maila,
obrigado pelas infos, muito esclarecedor! Vivi 9 anos na Alemanha e voltei ao Brasil em 2008. Estou esboçando planos de volta para a Europa e a Finlândia é uma candidata. Entendo a questão do idioma e isso me frustrou confesso, mas melhor saber isso agora.
Grande abraço!
Maila, adorei o seu comentário, até pensei que você fosse filha do Marti do Koskenkorva, no Rio de Janeiro. Saudades da boa comida deles. Cheguei ao seu blog porque conheci um finlandês aqui no Brasil e ele disse-me que quer morar aqui…achei estranho.. ele tem 66 anos e deve ser aposentado….