Você conhece a cultura americana de verdade?
– “Claro que sim, Siglia! Vim muitas vezes de férias pra cá e vi coisas americanas na TV durante a vida toda.” – me disse uma cliente de consultoria um dia desses, que mora há 6 meses nos EUA e tem tido dificuldade em se integrar ao país.
Ela não é a única: muitas pessoas têm a fantasia de que conhecem os EUA, por conta de férias, por conhecerem a Disneyworld ou o Réveillon de Nova York, ou simplesmente por consumirem cultura americana através de seriados da TV, filmes e internet.
A partir dessa percepção, vem a ideia de que a adaptação será fácil, o que pode levar a um menor esforço para entender a cultura e se integrar na sociedade. Essa foi a experiência de muitos que conheci e também minha experiência pessoal, pois era assim que eu pensava quando cheguei aqui. E 22 anos depois, morando nos EUA, vejo o quanto esse pensamento me prejudicou no começo.
Obviamente cada pessoa terá seu tempo de adaptação, e pra mim levou por volta de 4 anos para realmente entender essa sociedade do ponto de vista linguístico, social, cultural e profissional. Isso porque as diferenças são sutis, a cultura é complexa e não se parece com filmes de Hollywood.
Abaixo, listei 3 diferenças culturais que considero importantes para uma melhor adaptação nos EUA. Isso não é uma regra rígida e logicamente varia com a região e com o ambiente que irá frequentar, mas espero que lhe seja útil de maneira geral.
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1) Entenda o Senso de Liberdade do Americano
Se pesquisar sobre a história desse país ou ler a própria Constituição Americana, verá que ela garante o direito do cidadão de se expressar e de buscar sua felicidade. Ou seja, o americano nasce “empoderado” para ir atrás do que deseja.
Desde a independência dos EUA, até todas as lutas de direitos civis: a libertação dos escravos, feminismo, preconceito racial, movimento LGBTQ, sempre houve muita mobilização das pessoas, que não esperam que seus direitos sejam dados por alguém de fora (ex: governo, família).
A cultura americana motiva o cidadão a ir atrás do que quer. E isso traz uma percepção, para nós brasileiros, de individualidade e egoísmo em um primeiro momento. Porém, tradicionalmente e do ponto de vista legal, a sociedade americana prioriza o grupo em vez do indivíduo, ou seja, a contribuição individual beneficia comunidades como um todo.
Por isso vemos jovens saindo de casa cedo, adolescentes trabalhando mesmo vindo de famílias ricas, famílias voluntariando nas escolas públicas de seus filhos, principalmente se há carência de pessoal e recursos, pessoas comuns levantando fundos em épocas de desastres e fazendo doações de várias formas, incluindo heranças.
Voluntariado também é muito presente na sociedade, em todos os níveis. Ou seja, é uma sociedade muito atuante, onde mesmo buscando seus direitos junto ao governo, as pessoas não esperam que façam tudo por elas. E ao mudarmos pra cá, de certa forma, a percepção da nossa vontade de integração virá também da nossa contribuição pessoal na comunidade local e não apenas na comunidade brasileira.
2) Os Americanos de maneira geral gostam de interagir
Com certa frequência, vejo pessoas concluírem que o fato de um estrangeiro não gostar de abraçar assim que conhece ou não ser “como nós”, significa que ele é “frio” e não tão “legal” como somos. Algumas vezes pode até ser verdade, mas não é a regra geral: precisamos aprender a reconhecer outros atributos que caracterizam como as pessoas de outras culturas demonstram seu apreço no cotidiano.
Esse é um dos pontos mais peculiares na minha trajetória aqui: existem outras formas de expressar simpatia e amizade e não apenas a forma como conhecemos em nossa cultura.
De maneira geral, os americanos são muito curiosos por quem é diferente, e gostam de puxar assunto em todo canto, o que me deixava um pouco encabulada nos meus primeiros anos aqui, quando eu não entendia tudo o que diziam de primeira. E observo também que quando nos conhecem melhor, a confiança aumenta, e as relações de amizade se estabelecem normalmente. Porém, nós brasileiros temos de fazer a nossa parte e ajudar a construir pontes com outras comunidades que não sejam somente de brasileiros.
Certa vez, peguei um ônibus no nosso bairro com a minha filha, que havia recentemente retornado do Brasil após alguns anos fora dos EUA. Ao ver o motorista, ela soltou um “- Aff, esse cara é um antipático, não conversa com ninguém, aliás ninguém fala com ninguém aqui”. A minha pergunta então foi: “ok, mas você já tentou conversar com ele pra ver se ele é realmente tão antipático?”
Ela não respondeu. Ao entrar no ônibus, resolvi dar um “boa tarde” e falar com o motorista. Para surpresa da minha filha, ele abriu um sorriso enorme, conversou rapidamente, e inclusive se preocupou em avisar da proximidade da nossa parada. O meu ponto nesse dia foi mostrar pra ela que não podemos assumir que apenas os brasileiros são simpáticos.
As pessoas em qualquer lugar, gostam de ser notadas, de se sentirem valorizadas e ao sorrirmos para alguém olhando no olho, geralmente as pessoas correspondem, pois no final somos seres humanos lidando com seres humanos.
3) Americanos não odeiam brasileiros – você geralmente será julgada por competências, não nacionalidade.
O terceiro ponto é sobre carreira profissional. Muitas pessoas me diziam antes de me mudar: “Siglia, você não vai conseguir emprego na área médica nos EUA, porque americanos não gostam de brasileiros.” Eu sempre ouvi aquilo com um pé atrás, principalmente quando vinha de pessoas que nunca tinham morado nos EUA.
Mas o que eu percebi chegando aqui foi que realmente esse é um mercado de trabalho muito exigente, porque esse é um país voltado para a produção e lucros, porém essa exigência é pra todos.
Sim, preconceitos podem existir, pois a sociedade americana é muito diversa e complexa, mas noto um mercado de trabalho (na minha área e outras afins) muito mais preocupado com o que se está trazendo para ele, do que necessariamente boicotar alguém por conta de nacionalidade.
Você será avaliado exatamente como um americano, e isso é bom e é ruim: por um lado você será avaliado e contratado em função da sua competência, por outro lado terá que se esforçar pra se colocar em um nível que possa competir com o americano e outras nacionalidades; não existe facilitação com a língua ou do que é exigido para aquela posição em termos de requerimentos técnicos e acadêmicos. Porém, uma vez que você aprende como navegar nesse mercado de trabalho, isso flui bem.
E com o tempo, se você continuar se preparando e aperfeiçoando, ninguém estará preocupado sobre de onde você veio ou com seu sotaque, mas com a sua expertise e o que tem para oferecer nesse emprego. Portanto, ao decidir mudar-se para os EUA, se qualifique antes e depois de vir, mostre a que veio e, desde que tenha visto/autorização de trabalho (ou se qualifique para a empresa solicitar pra você), suas chances são justas.
Observar essas diferenças culturais ajudará muito na sua nova vida aqui, sem perder sua brasilidade.
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Abraços,
Siglia Diniz
Deixe comentários/perguntas, fique à vontade pra me escrever aqui ou visite o meu website.
1 Comment
Oi Siglia!
Meu nome é Lilian e estou há quase 3 anos morando em Houston, TX. Vim cheia de resistências (a experiência parecia vantajosa para a minha família mas não para mim, não quis nega-los a oportunidade de vir). Foi super interessante ler seu texto porque tendo a colocar um filtro bem ruim nas minhas interações por aqui. Por exemplo, qdo vc fala sobre a simpatia… de fato, são poucos os americanos que são efetivamente rudes. Mas tendo a taxa-los de isolacionistas por conta da dificuldade de levar as relações para além da cordialidade cotidiana.
Estou escrevendo, porém, por conta de outro motivo: profissional. Estou tomando coragem para retomar a busca pelo sonho q abandonei no Brasil (a faculdade de Medicina). Mas não tenho tido muito sucesso em entender como é o sistema educacional (de Medicina, especificamente) por aqui e, por isso, não sei bem como / por onde começar. Será que vc consegue me dar uma luz?
Desde já obrigada,