A Geórgia e as mulheres na sociedade.
O Dia Internacional da Mulher, comemorado em 08 de março, é um feriado aqui na Geórgia, assim como o Dia das Mães, que aqui é celebrado cinco dias antes. A primeira vista, apenas pensando no que eu acabei de escrever, você deve achar que este é um bom país para ser mulher.
Pois a realidade está muito longe disso. Ser mulher não é fácil em (quase) nenhum lugar do mundo e aqui não seria diferente. A Geórgia ainda é um país muito conservador e machista, onde a Igreja exerce grande influência na vida da população. E isso acaba tornando a vida das mulheres aqui, um pouco mais difícil que no ocidente…
Depois de mais de um ano vivendo em Tbilisi e convivendo com algumas mulheres georgianas, consigo perceber as semelhanças e as diferenças no papel da mulher e em como ela é vista pela sociedade por aqui. E em alguns aspectos – e mesmo tendo o Brasil, ainda machista e um tanto conservador, como referência – vejo que o diferente, infelizmente, significa pior.
O que eu vejo como semelhante é o aspecto profissional. As mulheres aqui estão plenamente inseridas no mercado de trabalho e é absolutamente normal vê-las ocupando posições de destaque em empresas, no setor público ou na política. A taxa de desemprego também é ligeiramente menor entre as mulheres. Apesar da plena inserção, contudo, os salários pagos às mulheres ainda são cerca de 30% menores que os pagos aos homens, realidade comum em vários países, inclusive o nosso.
Basicamente, as diferenças estão no aspecto sociocultural. O tratamento geralmente dispensado às mulheres aqui é algo longe da minha realidade, ainda me causa estranhamento e, de certa forma, é um tanto contraditório.
A forte influência da religião na sociedade faz com que a mulher seja ainda vista de forma estereotipada e, pior, como inferior. Existe aqui uma ideia de “santidade” da mulher, o ser sagrado e puro que deve cumprir seu destino de ser esposa e mãe. Seguindo esse estereótipo, ainda se espera que as mulheres se casem jovens – cerca de 43% das mulheres se casam até os 24 anos, contra apenas 26% dos homens – e, claro, virgens. A (não) virgindade feminina ainda é um grande tabu na sociedade georgiana, pois sexo antes do casamento não casa muito com a tal da santidade. Além disso, significa liberdade e ser livre não é lá muito encorajado entre as mulheres daqui.
A cultura do machismo, aliada a essa visão conservadora (e equivocada) da mulher, acaba por naturalizar vários comportamentos abusivos. Observando a dinâmica da sociedade no dia-a-dia, sempre tive a impressão de que os homens, em geral, tratam muito mal suas mulheres. E essa impressão acaba se confirmando quando converso com amigas e conhecidas georgianas sobre o assunto. Eu mesma já presenciei algumas vezes abusos verbais e sei que os casos de violência doméstica no país têm números assustadores.
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Mas como é ser mulher estrangeira na Geórgia? Mais fácil, mas nem tanto assim. Porque os estereótipos não são exclusividade das mulheres locais. Na visão do georgiano, mulher estrangeira – mais especificamente a ocidental – é livre, portanto “fácil” e “disponível”. Se fosse apenas pela “fama”, eu (e todas as outras expats aqui) pouco ou nada me importaria com isso, afinal minha vida privada só diz respeito a mim mesma. O problema é que esse pensamento é a receita para o desrespeito cotidiano.
Estrangeira aqui, seja turista ou residente, convive com o assédio quase que diariamente. Praticamente todas as que eu conheço aqui, têm alguma história desagradável para contar. A coisa piora se você for solteira e eu, que não sou casada, já inventei marido para praticamente todos os taxistas que me transportaram – e conseguiam se comunicar minimamente comigo – para tentar fugir de situações desagradáveis. Quando não dá para fugir, também não dá muito para contar com a intervenção de estranhos para ajudar. No meu primeiro dia aqui, fui atacada por um homem desconhecido saindo de um restaurante. Gritei, fiz escândalo e consegui me livrar dele sem consequências, mas tanto o garçom que limpava a mesa quanto os outros clientes acharam tudo normal e nada fizeram para me ajudar.
Depois de tudo o que eu expliquei aqui, parece realmente ridículo voltar lá ao primeiro parágrafo e lembrar que o Dia Internacional da Mulher é feriado aqui. Aliás, a comemoração (como em outros países) acaba sendo aquele festival de clichês, flores, chocolate. Do respeito, que deveria ser o principal, pouca gente se lembra.
À medida que a Geórgia vai se abrindo mais para o mundo e se expondo mais a outras culturas, a mudança de atitude se torna inevitável. Vejo que as mulheres mais jovens vão, aos poucos, tentando mudar a visão antiquada que ainda se tem das mulheres aqui e se afirmar como iguais na sociedade. Têm, certamente, meu respeito, minha admiração e minha torcida para que consigam abrir cada vez mais as cabeças por aqui.
4 Comments
Maíra, muito bom o seu texto. Em outra ocasião seria interessante saber se existe algum movimento feminista forte ou em formacão no país.
Obrigada, Semida! Quanto a haver movimentos feministas aqui, meio difícil. Ao menos organizadamente, como vemos aparecendo no Brasil. Sei de uma organização de apoio a vítimas de violência doméstica, mas não tenho ideia do quão engajadas elas são nas pautas do feminismo.
Obrigada pelo texto, Maíra! Estava justamente buscando essa informação de como seria eu entrar como turista sozinha na Georgia (na verdade eu ouvi dizer que aí estrangeiros podem se casar sem tanta burocracia e meu namorado não poderia ingressar no território por conta da pandemia, mas eu sim) e gostaria de saber se é seguro pra mim, mas confesso que agora estou com um pouco mais de medo do que tinha antes…
Olá Gisele,
A Maira não faz mais parte do nosso time de colunistas. No momento não temos ninguém na Geórgia.
Agradecemos pela visita.
Equipe BPM