Depois de morar um tempo na Itália, cheguei à conclusão de que o fato desse país ter um nome feminino não é mero acaso. A Itália é realmente uma mãe a todos aqueles que vivem por aqui. Vamos ver se até o final deste texto você concordará comigo.
A primeira razão para achar isso é que a Itália não impõe limites de geração para a concessão da cidadania italiana. Ou seja, se você tem algum parente italiano, mesmo que seja um parente longínquo, há grandes chances de você conseguir ser reconhecido italiano desde o seu nascimento. E veja você, não é necessário nem mesmo ter o sobrenome italiano ou falar o idioma. Sempre considerei isso realmente um presente.
Ah, mas isso ocorre hoje porque no passado muitos italianos foram embora procurando melhores condições de vida pois a vida na Itália era muito difícil, você pode argumentar. Mas vale lembrar que movimentos muito semelhantes aconteceram com espanhóis, alemães, japoneses e muitas outras nações, mas em nenhum desses países as regras são tão generosas para a permissão de reconhecimento de cidadania quanto na Itália.
Tudo bem que essa falta de exigências acaba criando um certo abismo cultural. Afinal, quem não sabe a língua italiana não consegue participar (ainda que à distância, pela internet, por exemplo) da política e economia italiana, enfim, do quotidiano deste país. Isso acaba implicando, muitas vezes, que tais cidadãos não conhecem todos os direitos e deveres inerentes à nova cidadania que passam a possuir. Isso porque, ao contrário do que muitos imaginam, antes de ter um passaporte italiano (que é apenas um mero documento de viagem), a pessoa precisa ter a “cidadania italiana” no aspecto mais amplo do termo, vale dizer, ter a consciência da responsabilidade social, política e econômica que a nova condição traz para si perante a benevolente nação. Em resumo, possuir a cidadania italiana, ao menos sob o aspecto moral a meu ver, abarca questões muito mais complexas do que somente ter um dos passaportes mais valiosos do mundo. Abarca uma série de direitos e deveres que deveriam ser de conhecimento de todos os italianos.
A segunda razão é consequência da sua posição geográfica. A Itália tem uma ilha chamada Lampedusa que faz fronteira com o continente africano e por onde, todos os dias, milhares de refugiados vêm sendo resgatados por equipes de vários países. Porém, grande parte desses resgatados, sem opção, acabam ficando na Itália.
A questão dos refugiados é muito complexa e não cabe ser discutida aqui neste texto, mas de todo modo, serve como ilustração para o tema, especialmente num momento em que cada vez mais países vêm aumentando as dificuldades para a imigração e reforçando a segurança em suas fronteiras, como por exemplo, a Dinamarca, a Inglaterra, os Estados Unidos, dentre outros. A Itália, ao contrário, continua recebendo hordas de imigrantes e, na medida do possível, tem ajudado essas pessoas que se arriscam em mar aberto em busca de melhores condições de vida.
A terceira razão é que na Itália a educação é levada a sério. Os pais de filhos menores são obrigados a matriculá-los nas escolas, sejam eles italianos ou não. Você pode pensar que essa é uma regra de qualquer país desenvolvido, mas aqui na Itália mesmo filhos de pais em situação irregular devem estudar também, ou seja, ainda que você não recolha impostos e não contribua com a economia formal do país, ainda assim, o seu filho em idade escolar terá acesso à educação pública e de qualidade. E se você não falar italiano, pode ter certeza que depois de procurar um pouco, encontrará diversas entidades que ensinam italiano aos imigrantes de forma totalmente gratuita. São italianos que dispõe de seu tempo para ajudar os que aqui querem viver, mas não sabem o idioma.
A quarta razão é a questão da saúde na Itália. Apesar da saúde não ser totalmente gratuita por aqui, existem inúmeras vantagens para quem é cidadão italiano se comparadas ao Brasil, por exemplo. Para começar, quando você fizer a sua tessera sanitaria (equivalente ao cartão do INSS no Brasil), você deverá escolher um médico generalista (também conhecido como médico de família), que irá acompanhar a saúde de sua família.
Vale dizer que as consultas junto ao médico de família são gratuitas. Se for necessário a visita a algum especialista, aí sim a consulta será paga, mas o valor da consulta gira em torno de 40 euros. Um valor bem razoável, considerando o valor base recebido por um italiano que é de cerca de 1.500 a 2 mil euros.
Caso uma mulher se torne gestante na Itália, ela também terá direito a acompanhamento médico e à realização de todos os exames básicos gratuitos. Veja, ela não precisa ser italiana, estar em situação regular nem nada parecido, basta estar grávida e residir na Itália. Isso porque há um decreto que dá suporte médico gratuito à toda gestante.
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Bem, para mim, só esses benefícios concedidos pela Itália já mostram o quanto ela tem como norte o bem-estar social, em muitos exemplos, até mesmo para quem não contribui diretamente para a economia, seja por estar em situação irregular, seja por não estar trabalhando. Mas esse princípio de bem-estar social, seja a qualquer pessoa, cidadão ou não, que está, inclusive, previsto na Constituição Italiana de 1948, demonstra o quanto a Itália é ou pode ser bondosa aos que aqui vivem.
Longe de mim dizer que na Itália não há problemas, muito pelo contrário! Claro que sim. O desemprego é uma das maiores preocupações dos italianos, as dívidas interna e externa são realmente preocupantes e que se arrastam desde o pós-Segunda Guerra Mundial. As taxas de natalidade estão despencando e o aumento do envelhecimento populacional é outra questão que preocupa os italianos.
Mas mesmo com todos os problemas que a Itália enfrenta, tenho muito orgulho desta pátria que me abraçou, que está me ajudando a conquistar uma nova vida cheia de oportunidades e que estará para sempre no meu coração e no da minha família. Espero que com este texto eu tenha te encorajado a ver a Itália com outros olhos. E que ela não seja apenas um país que lhe concederá um passaporte europeu.
Arrivederci!
1 Comment
Com esse texto você tirou as palavras da minha boca. Sempre pensei como você na questão “moral” de se ter uma cidadania italiana. Existem tantos descendentes de espanhóis, alemães e portugueses que não conseguem a cidadania, enquanto para nós o direito está debaixo de nossos narizes.
De resto eu gostaria que as pessoas fossem mais positivas em relação à Itália. Já desisti várias vezes de reconstruir minhas origens aí depois de tantos comentários ruins a respeito do país e dos italianos. Seu texto me encorajou novamente. Obrigado.