Visita ao Brasil após mudança para a Itália.
Faz quase um ano que mudamos para a Itália e, depois de um longo inverno europeu, resolvemos matar a saudade de tudo o que deixamos para trás quando resolvemos mudar de vida e de país.
Confesso que um certo medo começou a me assombrar alguns dias antes da viagem. A saudade da família e amigos era grande, além disso, a lista de restaurantes para comer, lugares para visitar e amigos para encontrar, não parava de crescer, e uma dúvida se bateria vontade de não retornar mais à Itália ganhou espaço.
Veja, não é que a vida na Itália seja ruim, mas confesso que é bastante solitária. No Brasil, por mais que no dia a dia nós mal tínhamos tempo de respirar, pois quem mora em São Paulo sabe muito bem o significado da expressão “vida loca”, sabíamos que se precisássemos de alguém, era só passar a mão no telefone e teríamos o apoio necessário.
Infelizmente isso já não acontece onde moramos hoje, e a ausência desse conforto psicológico às vezes pesa. Nosso primeiro Natal na Itália, por exemplo, foi um pouco solitário, pois estávamos acostumados com mesa cheia, risadas, conversa alta, enfim, com aquela alegria que a gente só tem quando encontra todo mundo.
Mas todo o receio de querer ficar passou ao chegarmos em São Paulo e darmos de cara com um trânsito caótico após uma chuva com apagão dos semáforos da cidade. E se confirmou dia após dia ao ficarmos com o nariz entupido pelo ar poluído, e por acordar às 6 da manhã com motoristas raivosos buzinando loucamente.
Lembramos que São Paulo tem o céu e o inferno, “tudo junto e misturado” – como está na moda dizer. Tem a moça limpando o banheiro no aeroporto às 7 da manhã com um sorriso no rosto e dizendo “Deus abençoe” ao se despedir, que só no Brasil encontramos, enquanto tem a madame que sai para atender o celular em pleno procedimento de pagamento da conta no caixa de uma lanchonete, travando o caixa e me deixando esperar 15 minutos para eu conseguir pagar a minha conta, porque, afinal, a ligação (e a vida) dela é mais importante do que a minha. Claro que eu mostrei meu descontentamento quando ela voltou, mas é que essas coisas são tão surreais que você demora a acreditar que está acontecendo de verdade, que não é pegadinha.
Uma coisa que me chamou a atenção e que eu nunca tinha parado para pensar é que na Itália (e de um modo geral em países desenvolvidos, onde o cidadão de classe média é bem acolhido), não existe entrada social e de serviço nos apartamentos. Só percebi isso quando cheguei aqui. Lá todo mundo tem o mesmo tratamento, não existe subemprego, existe é emprego digno. E o que falar desse abismo social que já me incomodava quando eu morava no Brasil e que presenciar de novo, agora vivendo fora, chega até a doer? Dói ver esse povo sofrido, que se mata de trabalhar e não tem direito ao mínimo necessário para viver com dignidade, ainda ser discriminado por aqueles que tiveram um pouco mais de estudo e de base na vida.
Foi então que a ficha caiu e eu percebi que já estou com a síndrome de quem mora fora: quando estou na Itália sinto falta do Brasil e vice-versa. Entrei naquele limbo que é um “looping” sem fim e, agora, percebi que nunca mais vou me sentir completa em lugar nenhum do mundo.
Mas por outro lado, foi um grande alívio perceber que a decisão que tomamos foi muito acertada, que hoje, apesar dos perrengues, nos sentimos muito felizes com a vida que escolhemos ter.
Já ouvi de amigos que tenho sorte. Eu não concordo. Fiz um planejamento que durou mais de um ano. Gastei uma fortuna com documentos, traduções, horas e horas na internet pesquisando sobre tudo o que fosse necessário para chegarmos onde estamos hoje.
A pergunta que mais recebi durante a visita foi: “E aí, como é a nova vida?” E a resposta sempre foi a mesma: “Não é fácil, mas está valendo a pena”. Porque essa história de que quem muda só tem notícia boa para contar, é besteira. Mas que morar fora te abre os olhos para muita coisa, isso nunca foi tão real quanto agora. E não adianta só tirar férias, passear e voltar. Você só consegue perceber realmente as diferenças culturais a fundo quando convive de perto e por um certo período com elas.
Leia também: Cidadania italiana: cadastro dos italianos residentes no exterior A.I.R.E.
Eu amo o Brasil, sou fã deste lugar maravilhoso e pretendo voltar inúmeras vezes. Torço muito para que as coisas deem certo, que as pessoas parem de morrer com balas perdidas, que a consciência de que não existe um salvador para o caos em que se encontra o país hoje se instaure, e que somente com educação as coisas vão melhorar, nem que isso demore uns 20 anos. Mas principalmente, que a gente encontre o caminho para que o gigante se levante novamente, não só nas Copas do Mundo.
Para concluir as impressões da viagem, transcrevo uma frase que li uma vez em algum lugar, mas não me recordo mais o autor, e que resume a sensação que tive ao embarcar no avião de volta à Itália: “Algumas saudades existem apenas para nos mostrar o valor único que alguns instantes têm em nossas vidas e como é preciso viver intensamente.”
4 Comments
Ana Paula, acabei de ler seu texto: ” Visita ao Brasil após mudanca para à Italia “! Voce conseguiu descobrir muita coisa em menos de um ano ná Itália! Parabéns, foi rápido para ver diferencas do trabalhador, das entradas separadas em prédios para os trabalhadores e outra entrada principal para os ” donos ” do prédio! Relamente parace coisas sem importancia, más já mostra muito como nosso querido Brasil e à populacao está atrazada, e digo atrazadissima!Eu deixei o Brasil em 1975. Vivo aqui ná Suécia 43 anos completam em julho! Voltei para visitar meus familiares e o Brasil 2 anos e meio depois que tinha vindo embora para cá! O Impacto foi grande demais e depois desta primeira volta tivemos várias, até fiz um estágio atravéz dá Universidade em Lund, aqui ná Suécia e pela PUC em Sao Paulo. Más gracas à Deus passamos eu e meu filho 6 meses muito diferente dá vida que estavamos acostumados aqui ná Suécia! Transito intensivo, poluicao muito pior do que qquando deixei o Brasil em 1975. Muitos assaltos, medo de andar no fim do dia, nao necessáriamente à noite. Bagunca nos horarios de refeicao onde todos falavam ao mesmo tempo! Uma vida tao intensiva, que talvez nem estaria viva se tivesse continuado à viver lá! Más como voce escreve fomos bem recebidos sempre ná Brasil, o pessoal dá PUC super prestativos, meu estágio foi muito bom e recebi muita ajuda para conseguir o objetivo para à Universidade dáqui e consegui, gracas à Deus aos meus esforcos e do pessoal dá PUC, ao qual sou eternamente grata! Valeu, seu texto despertou minha nostálgia! Obrigada!
Obrigada pelo comentário, Dalva. É sempre muito bacana receber uma resposta e saber como nossos textos tocam as pessoas.
Fico feliz que você tenha se encontrado na Suécia e que seja feliz aí. Realmente o Brasil não é para amadores e São Paulo, especificamente está cada vez mais insano. somente quando a gente saí de lá é que percebe.
Um beijo carinhoso,
Ana
Oii, tenho 14 anos, pretendo estudar(confesso que eu quero tentar uma vida também) aos 16. Gostaria muito que a senhora (não sei se prefere “você”, mas de qualquer forma…kkk) pudesse me contar mais sobre suas experiências, e me dar algumas dicas se possível…!!! Ps: Adorei muito seus artigos!!!!
Olá, Anna Julia, tudo bem?
Fiquei muito feliz com seu comentário.
Vou te enviar um e-mail e ajudarei no que puder, com certeza.
Um beijo,
Ana