A passagem do furacão Florence.
Matthew, Harvey, Irma, Maria… esses nomes próprios foram usados pela OMM (Organização Meteorológica Mundial) para nominar os últimos furacões que chegaram nos Estados Unidos. Este ano o Florence, que já fazia parte de uma lista de 21 nomes dentre as 6 que a organização tem, chegou na costa leste do país. Os estados da Virgínia, Maryland, Carolina do Sul, Carolina do Norte e Washington DC declararam situação de emergência.
Eu demorei para entender o que estava acontecendo. Ouvi as primeiras notícias uma semana antes e não dei importância alguma. Parecia algo muito distante, quase ficção. Vivi os meus dias normalmente como se nada estivesse acontecendo e aos poucos percebi que a situação era mais preocupante do que eu imaginava. Os mercados estavam cheios de pessoas comprando água, comidas enlatadas; os postos de gasolina com filas de carros para garantir abastecimento total de combustível, placas nas ruas direcionando abrigos, lojas fechando, etc. Finalmente resolvi me inteirar dos acontecimentos e então me dei conta de que eu estava em um dos estados de perigo iminente. Não apenas isso. O local onde eu moro estava na Zona A, zona com alto risco de inundações, e todos localizados nessa área receberam ordem de evacuação. Li e reli a ordem, que incluía uma lista de preparação, várias vezes e somente naquele momento a minha ficha caiu.
Sempre soube que os Estados Unidos constantemente é rota dos furacões, mas nunca pensei que um dia estaria tão perto de um. As águas quentes do Oceano Atlântico que tanto me fizeram feliz fortaleciam aquele que seria um dos mais perigosos furacões. Segundo as autoridades, Florence seria um monstro.
Leia também: O furacão Harvey e eu – Parte I
Mesmo inconstante, decidi não evacuar. Armazenei alimento e água suficiente para passar dias reclusa em casa. O dia se aproximava, as ruas foram ficando desertas e o tempo fechou. Cada vento era um prenúncio. De hora em hora eu pesquisava o aplicativo que indicava a aproximação do fenômeno e a expectativa só aumentava. A espera pela passagem de um furacão foi angustiante. Não via a hora daquilo tudo acabar e eu poder voltar à vida normal.
Na quinta-feira, o dia amanheceu com um ar sinistro de pura tensão. As horas não passavam e o dia pareceu eterno. Estávamos todos já contando os minutos para meia-noite. A última vez que eu fiz isso foi na festa de ano-novo, pronta para celebrar a chegada de um lindo novo ano. Dessa vez, contava os minutos para o início de um desastre. Confesso que me senti num daqueles filmes de fim do mundo que eu adorava assistir, porém não gostei de participar.
Janelas trancadas, cortinas fechadas, tudo desligado da tomada e os olhos atentos às notícias. Foi difícil, mas adormeci ao som do vento uivando lá fora. Florence chegou e eu não vi.
A primeira ação ao acordar foi observar pela janela a rua que eu imaginava que tivesse sido inundada pelas águas revoltas trazidas com o furacão. Porém, para a minha surpresa, o que eu vi foi justamente a rua. Seca! As árvores também estavam lá, intactas. Tudo estava completamente normal! O tempo continuou nublado, os ventos persistiam, no entanto a chuva catastrófica não veio. Foi um alívio.
Alívio para uns, desespero para outros. Infelizmente, Carolina do Norte foi o estado mais atingido, como previsto pelo NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica). Das 48 pessoas que morreram, 37 são do estado da Carolina do Norte e duas semanas depois da passagem de Florence, 1500 pessoas continuam desabrigadas.
Desde que conheci os Estados Unidos, já vivenciei um terremoto, nevasca, vendaval e agora um furacão. Acho que nada mais me surpreende. A temporada dos tornados mais frequente nos estados de Oklahoma, Arkansas, Kansas, Iowa, Texas e Colorado é de abril até agosto; e a dos furacões que acontecem nas regiões da Flórida, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Alabama, Georgia, Mississipi, Nova Iorque, Virgínia, Louisiana e Texas é de 1 de junho até 30 de novembro.
Leia também: Visto para morar nos EUA
A impressão que eu tenho é a de que apesar de todo temor, o país é muito preparado para lidar com os desastres naturais. É claro que é impossível mensurar o prejuízo com os rastros de um fenômeno tão poderoso e gigantesco, principalmente quando há mortes, pois o valor da vida é infinito, inestimável. Entretanto, os Estados Unidos não poupam gastos tampouco informações; a prioridade sempre é a segurança e a vida de todos. Eles têm um sistema de prevenção muito aprimorado e conscientizam a população a todo instante com dados sobre o momento do fenômeno, a posição, a dimensão, o desempenho e a duração dos desastres naturais, no nosso caso, o Florence.
Aqui prevalece o ditado de que prevenir é melhor que remediar e embora nada tenha acontecido aqui na minha cidade, o alarme foi tão intenso que todos estavam preparados.
No final, percebi que a grande preocupação era com as inundações. Logo, me lembrei das inúmeras enchentes que eu presenciei na cidade do Rio de Janeiro. Uma delas foi muito marcante. Eu voltava do trabalho carregando uma mochila pesada com provas e trabalhos para corrigir, um computador numa outra bolsa pendurada no ombro quando fui pega no meio do caminho por uma tempestade. Andei com a água suja acima dos joelhos em meio as latas de lixo que flutuavam, com receio dos buracos e fios desencapados espalhados pelo chão que eu não conseguia ver. Chegar em casa, naquela noite foi uma saga. É…acho que minha vida no Rio me preparou para qualquer coisa, até para um furacão! Talvez tenha sido por isso que inconscientemente eu decidi permanecer ao invés de desocupar o apartamento. Afinal, já passei por tantos temporais e enchentes que olhando a situação aqui, não me senti insegura.
Todo esse episódio fez com que eu seja ainda mais encantada pela beleza, força e grandiosidade daquela que na minha opinião é a arte mais linda. E cada um desses fenômenos é um sinal de que a natureza além de bela é sábia e justa. Para alguns pode ser apenas uma forma natural de expressão. Para mim, é um pedido de socorro.
Dizem que depois da tempestade, vem a calmaria. Até quando?