A quarta-feira, 19/10, foi marcada pelo grande protesto concentrado no Obelisco chamado de #Miércoles Negro/ Quarta-feira Negra que convocou a sociedade e pediu que as mulheres fossem vestidas de preto para representar o luto por todas àquelas que estão sendo assassinadas pelo país e também para apoiar o protesto das mulheres sobre o aborto na Polônia. Mesmo com a chuva, que não parou um minuto neste dia, um mar de gente esteve presente.
Ele foi realizado para que o governo tome providências sobre os crimes contra as mulheres e para conscientizar a população de que qualquer menina, garota, mulher pude vir a se tornar uma vítima de femicídio. A cada 30h uma mulher morre vítima de femicídio na Argentina.
Há alguns meses escrevi um post apresentando a vocês o movimento argentino “Ni UnaMenos” / “Nem Uma Menos” que surgiu em 2015 e parou o centro da cidade. Leia-o na íntegra aqui.
Há poucos meses aconteceu a segunda marcha do #Niunamenos e no último feriado, 09/10, foi realizado o Encontro Nacional de Mulheres na cidade de Rosário.
Mas o que nos levou à Quarta-feira Negra?
A situação estava ficando bastante tensa com as várias denúncias que pipocam nos noticiários. Imaginem que agora em setembro, após quinze dias de buscas intensas a cinco mulheres desaparecidas, todas foram encontradas assassinadas. E para transbordar o copo d’água no dia 08/10, uma estudante de 16 anos, na cidade de Mar Del Plata, Lucía Perez, foi drogada, estuprada, torturada e empalada até sofrer uma parada cardíaca. Os criminosos ao perceberem a parada deram um banho nela, vestiram-na e a deixaram num hospital alegando uma overdose. Ao começarem a autópsia os médicos viram todo o horror pelo qual a jovem havia passado. Os criminosos já estão presos e a sociedade indignada.
O #Niunamenos pediu que todos fizessem um cesse em suas atividades por uma hora, das 13h às 14h, inclusive pedindo para que as mulheres não usassem as redes sociais durante essa hora e convocou uma marcha do Congresso Nacional até o Obelisco às 17h.
A ideia do protesto não foi e nem é radicalizar nenhum discurso extremista, mas sim para que todos realmente tomem consciência de que as agressões sexuais, assédios e assassinatos de mulheres é algo sério e que os números não podem continuar crescendo. No entanto, infelizmente, no mesmo dia do protesto, a quarta-feira ficou ainda mais negra, pois na mesma cidade de Mar Del Plata, um dia antes um carro com três homens dentro agarraram uma adolescente que saía do colégio, colocaram-na no carro e a estupraram por algumas horas e depois a deixaram num terreno no centro da cidade.
No último mês de agosto, estive de férias no Peru e aconteceu o primeiro protesto do #Niunamenos neste país. Começou de forma tímida e foi ganhando uma proporção enorme com a adesão de diversos grupos que apoiam a causa e da população. Foi o primeiro grande protesto popular em décadas. Estive com algumas amigas que trabalham em organizações do governo e que auxiliam e investigam as redes de tráfico de mulheres no Peru. Conheci diversas histórias e ao acompanhar a marcha pelas ruas de Lima pude ver o apoio popular. Até um grupo de policiais mulheres se uniu à marcha e foram aplaudidas. Uma coisa que registrei foi que ouvi muitos homens apoiando, participando e dizendo que esse protesto era necessário porque para eles o Peru é o país mais machista da América Latina.
Tenho escutado homens de diversos países latino americanos afirmando o mesmo, reconhecendo seus países como o mais machista e fico triste ao perceber que um país do tamanho e com as mazelas que o Brasil tem ainda não tenha acordado para esse problema. Que a sociedade brasileira continue avançando para um conservadorismo cada vez maior. Li na rede algumas brasileiras perguntando sobre o que era a Quarta-feira Negra à amigas que viram postar em suas redes sobre a marcha e depois da explicação respondiam com apenas um “Tá bom”, “Ok”, “Se aí estão matando tantas mulheres assim, é bom protestar mesmo”, como se somente na Argentina houvesse femicídio.
Termino este texto com uma nota que eu pedi para que uma amiga argentina, Soledad Erazo, 31 anos, advogada, docente e feminista e que esteve na marcha, escrevesse para que todos tenham ideia do que realmente aconteceu:
“Ontem, milhares de mulheres marchamos para tornar este mundo mais igualitário. Todos os dias sofremos o flagelo do assédio nas ruas, da depreciação, do teto de cristal, da diferença de nossos salários em relação aos homens com o mesmo posto, do machismo à flor da pele que é evidenciado nas piadas e brincadeiras que fazem conosco, na impunidade que têm os que nos batem, abusam e matam…É difícil pensar que tudo vai mudar somente por uma ou cem marchas, mas em concreto acho que nosso trabalho, nosso legado e nossos esforços têm que estar dirigidos para fazer de nossas filhas e filhos pessoas livres de preconceitos e que não estejam atados pelo patriarcalismo. Sou mãe, advogo pela liberação do aborto, quero o melhor para nossas mulheres e é urgente romper com paradigmas para que deixem de nos violentar. Foi muito comovente marchar com minha filha Sofía e escutá-la cantar com sua vozinha: ‘Nem uma menos, vivas nos queremos!”…Tomara que ela viva até ser bem velhinha sem que ninguém a violente e que possa viver sem rodeios nem ataduras impostas, lutamos para isso! Lutando sempre!”