A realidade das crianças brasileiras no Japão
Para as famílias com crianças brasileiras no Japão, a educação delas é uma preocupação constante e não poderia ser diferente. A comunidade atual, de 200 mil brasileiros, é formada pelos casos mais diversos, desde crianças que nasceram no Japão, acostumadas com os costumes brasileiros e o português dos pais, até aquelas que vieram do Brasil e caíram de paraquedas na escola japonesa, sem saber nem sequer o nome do imperador ou do primeiro-ministro.
Basta acompanhar grupos e discussões de mães brasileiras no Japão para imaginar o quanto deve ser difícil para essas crianças. Há mães e pais dispostos a brigar com escolas despreparadas se precisar defender seus filhos. Há também famílias confusas, que não sabem o que fazer diante das dificuldades das crianças e que às vezes enfrentam até mesmo diagnósticos de transtornos mentais que o filho não tem (falarei disso mais abaixo).
Cada família brasileira que decida se aventurar em busca de melhores oportunidades do outro lado do mundo tem uma importante decisão a tomar: colocar os filhos em uma escola brasileira ou japonesa. A brasileira, que não é reconhecida no Japão, costuma ser a primeira opção daqueles que planejam voltar ao país de origem em poucos anos.
Porém, como muitas famílias fazem planos de vir ao Japão para fincar raízes e chamar a terra do sol nascente de sua, a decisão mais sensata acaba sendo a escola japonesa. E aqui é comum ver um pequeno equívoco: “ah, as crianças são espertas, vai se adaptar rápido, em um mês já estarão fluente em japonês“. Pois é, a realidade mostra que não é bem assim.
Um estudo realizado pela organização sem fins lucrativos Action for A Better International Community (ABIC), localizada em Tóquio, trouxe dados alarmantes no ano passado, de que 5% das crianças estrangeiras no Japão precisam de educação especial. O número foi o dobro em comparação às crianças japonesas.
Este não é o único dado preocupante. Em 2016, o governo japonês divulgou um dado de que 6,15% das crianças brasileiras em escolas japonesas teriam autismo. Entre os japoneses, o índice ficou em 1,49%. Para muitos especialistas, este dado é mais um reflexo do que os pequenos sofrem ao serem submetidos a um ambiente escolar que não compreendem.
A principal suspeita é de que o comportamento de muitas crianças tenha gerado diagnósticos errados da doença. Por não saber japonês, é comum que muitos brasileirinhos tenham problemas de comunicação e relacionamento, dificuldade para fazer amigos ou se sentir parte de um grupo.
A consequência mais comum é o isolamento, dificuldade de responder perguntas ou acompanhar as aulas e por isso, muitos pais precisam brigar para que seus filhos não sejam colocados em salas de aula especiais, mesmo tendo plena capacidade mental. Dá para imaginar o drama?
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DEPOIMENTO
Quando decidi escrever sobre este assunto, graças ao pedido de uma leitora da coluna, conversei com uma amiga que também mora no Japão e enfrentou inúmeros desafios durante a adaptação de sua filha na escola japonesa.
C. M. (pediu para não ser identificada), que mora atualmente em Kobe (província de Hyogo) com a filha de 9 anos, conta que veio morar no país há dois anos e depois de uma experiência não muito boa com a escola brasileira, decidiu colocar a filha na escola japonesa.
“No início foi difícil, ela chorava dia sim dia não. (…) Acho que o pior foi a solidão, não saber se expressar, não entender o que as pessoas em volta falavam (…). A primeira vez que participei de uma atividade na escola era para plantar flores nos canteiros. Na hora de ir embora ela não me largava, dizia que ia junto comigo ao trabalho”, relembra.
A brasileira conta que foi difícil ver o sofrimento da filha, mas por sorte contou com apoio para superar essa fase. “Aquilo me doeu muito. A mãe de um dos colegas da turma dela viu a cena e começou a chorar também, depois ela veio me consolar e disse que admirava a nossa coragem de mudar de país e que pediria ao filho dela para ajudar no máximo que pudesse. Fiquei muito emocionada com o gesto dela”, conta.
Apesar do apoio da comunidade escolar, incluindo também professores da escola, ela conta que os problemas duraram bastante tempo.
“Minha filha também sofreu bullying de uns garotos mais velhos. Ela e uma colega que é mestiça de japonês com mãe coreana. Foi mais doloroso quando um dos garotos disse que odeia estrangeiros e tudo que se relaciona com outros países. Minha filha é forte, esperta, sempre conversamos muito e ela sabe lidar com o bullying, mas esse dia ela desabou, feriu mesmo”, conta a mãe.
Casos como esse são comuns na comunidade e podem deixar grandes feridas nos pequenos. Felizmente, este caso terminou bem, após uma adaptação difícil. “Hoje eu vejo ela falando e escrevendo japonês tão bem, com amigos, super integrada, que eu vejo que todo o esforço valeu a pena. Ela não apenas prefere a escola japonesa como adora os professores e brinca até mesmo com os garotos que fizeram bullying com ela”, diz.
TURMA DA MÔNICA
Diante de tantas questões que envolvem educação e o futuro das crianças brasileiras no Japão, há uma pessoa em especial que vem fazendo um ótimo trabalho e merece destaque. Sim, ele mesmo, o cartunista Mauricio de Sousa! Mas o que o pai da Turma da Mônica tem a ver com o Japão?
Bom, a história é longa, mas para resumir, o cartunista mais querido do Brasil sempre teve uma relação com o Japão, desde pequeno, quando estudava em Mogi das Cruzes (São Paulo) e vivia rodeado de colegas descendentes.
Mauricio chegou a fazer amizade com o rei do mangá, Osamu Tezuka, na década de 1980 e os dois fizeram projetos que não saíram do papel, devido a morte de Tezuka em 1989. Nos últimos anos, o desenhista, que também é casado com uma descendente (Alice Takeda), passou a acompanhar as causas da comunidade brasileira, em especial das crianças e iniciou projetos que vem auxiliando na adaptação dos brasileirinhos nas escolas japonesas.
Entre estes projetos está a confecção de carimbos dos personagens da turminha, com palavras em português como “atenção” e “importante”, para melhorar a comunicação de professores e pais. Mauricio também lançou uma cartilha que explica sobre os costumes da escola japonesa para as crianças e outra destinada aos pais, que ensina a como preparar o filho para estudar em uma escola no Japão.
1 Comment
Muitas vezes, em diferentes países, crianças são tratadas de maneira diferente e recentemente estudando o tema autismo depois de ler sobre ele no Brasil e no Japão, percebi que a atitude de muitas pessoas depende da mentalidade e de muitos fatores.