Alcoolismo no Japão: um problema social grave e ignorado
Você sai para jantar com os seus amigos em algum bairro popular de uma metrópole japonesa e não consegue deixar de reparar em um fato curioso no caminho de volta. Principalmente em fins de semana, mas também em dias úteis, é comum ver trabalhadores assalariados, bem vestidos de empresas japonesas, largados no asfalto, podre de bêbados, em condições deploráveis e dignas de pena, resultado do alcoolismo no Japão.
No último trem, que costuma passar pouco antes da meia-noite, é impossível não presenciar vozes exaltadas, jovens e adultos embriagados e um cheio de álcool incômodo, principalmente se você está sóbrio ou se não costuma beber. Você começa a refletir sobre o comportamento dos japoneses, tão sérios durante o dia, tão bêbados à noite e não consegue deixar de pensar na incoerência, no prejuízo para a saúde física e mental e nas causas de uma sociedade que enxerga o álcool como água.
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Se você já ficou refletindo sobre isso em um trem da meia-noite, enquanto observava homens e mulheres em roupas formais e vozes exaltadas, provavelmente encontrou uma pista para essa questão dentro da própria locomotiva: as propagandas de cerveja em cartazes, enfatizando que não há nada melhor do que uma gelada depois do expediente. Isto é algo que os japoneses levam a risca, muitas vezes sem nem imaginar que existe uma doença capaz de destruir as suas vidas e suas famílias: o alcoolismo.
A propaganda relacionada as bebidas alcoólicas e restrições de venda já foram efetuadas em muitos países. O Brasil ainda patina na criação de leis para restringir a propaganda de cerveja, mas em países do norte da Europa, por exemplo, induzir a população ao consumo de álcool já se tornou proibido, bem como a venda fora de lojas especializadas e regulamentadas.
A propaganda constante de bebidas alcoólicas sem restrição no Japão é apenas a ponta de um enorme iceberg. O álcool é comercializado com facilidade no país, podendo ser encontrado em lojas de conveniência presentes em cada esquina. Da cerveja ao Whisky, é possível adquirir bebidas com baixo ou alto teor de álcool, com a única restrição de ser mais de 20 anos de idade.
Mesmo assim, basta apertar um botão na tela do caixa para se dizer maior de idade e não é difícil um adolescente passar despercebido em sua tentativa de realizar a compra. A bebida também pode ser adquirida em algumas máquinas de bebidas, sem nenhum controle.
O que mais desperta curiosidade é a falta completa de consciência sobre os perigos do álcool. A presença de cerveja e outras bebidas é quase religiosa nos encontros com amigos e poucos entendem uma recusa em consumir. No caso das relações de trabalho, há uma cultura forte que obriga o funcionário a beber na companhia do chefe. Se o seu chefe japonês encher o seu copo, não se atreva a recusar.
Na condição de país desenvolvido, o Japão se mostra atrasado em alguns aspectos, e muitos deles relacionados às questões de vícios e saúde. Percebo o Brasil, mesmo com todos os problemas sociais que carrega, muito mais evoluído no tratamento para alcoolismo, tabagismo e outras questões de saúde que envolvem algum tipo de dependência.
No quesito drogas, o Japão é um país extremamente rigoroso na aplicação de suas leis. O traficante e o usuário sofrem punições rigorosas quando detidos. Se o envolvido com drogas for estrangeiro, o caminho é condenação e uma inevitável deportação, sem direito a uma segunda chance de viver no país e sem a possibilidade de retorno.
Acho justo e necessário combater as drogas de forma rigorosa, mas tratar o álcool como água se torna incoerente neste aspecto, bem como tratar o dependente como um bandido e não como um doente que precisa de tratamento, apoio e recuperação. Vi amigos lamentavelmente abusando do álcool e prejudicando as suas vidas e saúde depois de vir morar no Japão. Por causa da pressão social para beber, do fácil acesso, da ampla oferta e da falta de consciência, aquela vozinha chata que só começa a martelar na cabeça depois que as coisas desandaram muito e você já está perto do fundo do poço.
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Raramente bebo, mas também não sou do tipo que estraga festas perturbando os boêmios. Porém, se farejo um evidente caso de abuso e acho que o álcool pode estar prejudicando a vida de alguém, não deixo de falar sobre o assunto e fazer a minha parte, ser aquela vozinha chata que irá ecoar dentro da cabeça da pessoa, mais cedo ou mais tarde.
E se você aí, vive ou pretende viver no Japão, fica de dica: cuidado com o álcool! Para quem gosta de beber e pode ter alguma facilidade genética para o alcoolismo, é melhor ter a atenção redobrada ao se inserir na boêmia sociedade japonesa. Considerando o evidente e muitas vezes inevitável estresse da rotina de trabalho, o álcool ganha a máscara de amigo que irá aliviar as tensões do dia a dia, mas na verdade pode ser um lobo em pele de cordeiro.
TABAGISMO
E por falar em dependências, fica uma nota de rodapé. As leis antifumo estão entrando em vigor no Japão entre este ano e o próximo, em consideração as Olimpíadas de 2020, que deve atrair muitos turistas estrangeiros ao país. Até então, era permitido fumar em muitos ambientes fechados, como restaurantes e cafeterias.
Cansei de desistir de ficar em uma cafeteria depois de cinco minutos dentro, por causa do fedor de cigarro intoxicando o ambiente. O mesmo já aconteceu também em restaurantes, o que me deixava um pouco chocada, afinal o fumo em ambiente fechado é proibido no Brasil desde que me conheço por gente.
Mas um passo de cada vez. Quem sabe uma coisa não leva a outra e o país passa a processar a ideia de combater os vícios que tanto prejudicam a população? Fico no aguardo de uma revolução na consciência social! É divertido e relaxante beber? É sim, mas para tudo há limites e para tudo precisa-se de moderação e o velho bom senso.
1 Comment
De fato, essa luta é um problema social que se reflete em todo o mundo.
E outra, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas durante muitos anos aumenta o risco de graves problemas de saúde , incluindo doenças hepáticas relacionadas ao álcool (hepatite ou cirrose), doenças cardíacas, problemas estomacais , danos cerebrais, câncer e pancreatite (inflamação do pâncreas).
Meu nome é Jel e entendo bastante sobre o assunto..
Pesquiso, estudo muito e tenho um blog que aborda sobre o tema: https://interhelpinternacao.com.br/blog
Parabéns pelo conteúdo, Ana Paula.
Abçs.