Antes de chegar a um novo país, ainda que seja como turista, acho importante conhecer os costumes e tradições do lugar, principalmente para não cometer nenhuma falta grave. Algumas coisas, ainda que simples e pequenas podem ofender alguém, ou causar uma impressão errada nas pessoas que você encontra pelo caminho. Sobre os holandeses todos me diziam as mesmas coisas:
– três beijos na hora de cumprimentar,
– eles são secos e diretos, mas não é nada pessoal,
– ninguém almoça e o jantar é muito cedo,
– as regras são muitas e são seguidas por todos e,
– atenção com os vizinhos! (esta foi a que me deu mais medo)
Várias pessoas me disseram que assim que eu me mudasse deveria fazer um convite formal e receber os vizinhos e esta sugestão estava em destaque até no site imobiliário onde encontramos nossa casa.
É importante para os holandeses saber quem está se mudando para a casa ao lado ou mesmo para o final da rua. O Welkomstdrankje, ou drink de boas vindas, é esperado por toda a vizinhança assim que algum morador novo chega. Mais do que um assunto social, trata-se de informação e segurança. Querem conhecer sua família, saber o que você faz, porque se mudou, de onde veio, onde seus filhos estudam, se tem animais, etc… Não precisa ser nada muito elaborado. Você pode mandar uma notinha ou convite impresso, com hora para começar e acabar e oferecer algo simples como chá, café e bolo ou, se optar por um evento no final do dia, petiscos e drinks. Só não pode ser domingo de manhã, pois parece que este horário é sagrado.
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Eu moro num bairro tranquilo, perto da escola das crianças mas onde, curiosamente, a maioria dos moradores é idosa e quase não há estrangeiros. Além disso, moro em uma casa tipicamente holandesa, com 4 andares e literalmente grudada nas duas casas ao lado. Apesar de saber que uma família brasileira com 3 crianças e um cachorro poderia gerar muita curiosidade (além de muito barulho), acabei demorando para fazer o convite pois minha casa estava em obras e confesso que tive preguiça, mas eu e meu marido fomos cobrados várias vezes, por alguns vizinhos que encontramos pela rua. Ou seja…a coisa é seria mesmo!
Para amenizar meu atraso mandei um cartão apresentando toda a família e explicando que a casa ainda não estava pronta mas que, assim que possível, teria muito prazer em recebê-los para um café. Na mesma semana recebi flores, vários cartões de boas vindas e até uma cesta de produtos holandeses com guloseimas para toda a família, inclusive para o cachorro.
Finalmente em dezembro minha casa estava apresentável e tomamos coragem. Convidei todas as casas da rua e apenas um casal não compareceu (mesmo assim, veio no dia seguinte se desculpar e trazer flores). Todos os outros chegaram pontualmente, também trazendo flores, e saíram exatamente na hora indicada no convite. Achei engraçado pois, apesar de todas as casas serem idênticas, percebi que eles queriam conhecer a minha. Queriam ver as alterações que eu fiz, como eu estava utilizando cada cômodo e se havia na minha casa algo diferente da deles. Mas não era uma competição para ver quem tinha a grama mais verde, era realmente uma troca de ideias. Todos me davam conselhos sobre como aproveitar cada espaço, os cuidados com a casa no inverno, as falhas na construção, os vazamentos ou problemas mais comuns e todos, absolutamente todos, me ofereceram ajuda com o que eu precisasse, um milhão de vezes. Me senti realmente bem recebida, com uma acolhida calorosa, por um povo que estava longe de ser antipático.
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Logo depois, em janeiro, recebemos um convite para o nieuwjaarsborrel, o encontro de ano novo. Desta vez era um convite para todo o quarteirão, organizado pelo comitê dos vizinhos, que eu nem sabia que existia. Cada ano alguém oferece sua casa para que todos se encontrem e tomem o primeiro drink do ano juntos. Obviamente nesta altura a notícia sobre a chegada dos brasileiros já havia se espalhado e me surpreendi pois todos já sabiam tudo sobre a minha vida, minha família, minha casa e comentavam sobre meus enfeites de Natal, meu cachorro, minha parede azul e teve até um cara que disse que adorava me ver dançando na sala com as crianças (Oi?). Fora este comentário estranho, todos foram novamente muito receptivos e simpáticos.
De forma geral, já deu para notar que os vizinhos aqui têm uma importância maior do que nos outros países em que eu morei. Quem vai viajar avisa os outros para que fiquem de olho na casa e é comum os vizinhos terem cópias das chaves das outras casas para uma emergência. Também é normal as encomendas serem entregues no vizinho caso você não esteja em casa. O entregador até deixa um bilhete na sua casa dizendo em que número seu pacote foi entregue. Minha vizinha, por exemplo, está doente e o pessoal da rua se reveza e vai ao supermercado para ela. Já vieram me avisar que minha bicicleta estava sem cadeado ou que a porta da garagem estava aberta e também já correram para me ajudar a tirar compras do carro. Todos se conhecem, se cuidam e se ajudam, mas ninguém se mete na vida de ninguém.
É um fato: aqui cada um cuida da sua vida, mesmo! Não há criticas, julgamentos ou preconceitos e tudo funciona. Principalmente pois todos seguem as regras… Então, prepare-se também, por que um de seus vizinhos, ainda que seja muito simpático, pode chamar a polícia se você der uma festa barulhenta ou se ouvir seu cachorro chorando.
Um amigo do meu marido fez um churrasco em sua casa e convidou o vizinho, que foi e se divertiu muito. Obviamente, como qualquer churrasco brasileiro, este não tinha hora para acabar. O vizinho holandês saiu da festa já de noite, feliz da vida, agradecendo muito e dizendo ter adorado. Voltou uma hora depois, tocou a campainha e ameaçou chamar a policia por causa do barulho! Sim, isto acontece! E não é difícil entender. Regras são regras. E são para todos, mesmo para os amigos.
Então, mesmo que sua vizinha seja uma fofa, se ela achar que seu cachorro está passando frio do lado de fora da sua casa, ou está sofrendo porque você saiu e o deixou sozinho, ela vai chamar a polícia. Normalmente nem é porque o choro do cachorro incomoda, é que os holandeses gostam mais de cachorro do que de gente e cachorro não pode passar frio, nem ficar sozinho.
E a policia vem mesmo. E vem rápido, trazendo multas e muita dor de cabeça.
Ou seja, se você mora na Holanda, cuide da sua vida, do seu cachorro, da sua casa, da sua bicicleta, de suas crianças e principalmente cuide muito bem do seu vizinho! Afinal…Liever een goede buur, dan een verre vriend (Mais vale um bom vizinho do que um amigo distante)
4 Comments
Adorei o Texto!! Super interessante , não imagina a importância de vizinhos na Holanda!!
Oi Elida. Bons vizinhos valem ouro em qualquer lugar do mundo, né? Mas a gente sabe bem, que quando estamos em outro país, os amigos que moram perto viram família…para sempre! Mil beijos!
Mais um artigo gostoso de ler e com muita informação interessante sobre os “cantos” em que a vida nos leva.
Vou continuar aguardando o próximo.
Abraços
Paulo
Oi Paulo, Pois é…você entende bem sobre esta vida, né? Em cada canto temos um milhão coisas novas para aprender! Obrigada por sua mensagem.Beijo.