Confesso que me assustei a primeira que vez que vi um módulo Mamava, uma espécie de cápsula futurística para amamentação. Foi no aeroporto de Newark, em Nova Jersey, no meio de uma sala de espera.
Por curiosidade, abri a porta desse tipo de caverna moderna dedicada a mulheres e bebês. Era pequeno, confinado e sem água. Um papel de parede imitava o azul do céu em um dia bonito. Mas nada parecia natural ali dentro. Pelo contrário, a qualquer momento parecia que aquele módulo seria mandado ao espaço para ser acoplado à Estação Espacial Internacional.
Hoje em dia, esses módulos Mamava são muito comuns em aeroportos, shoppings, hospitais, museus, zoológicos e estádios nos Estados Unidos, principalmente em grandes cidades como Nova Iorque.
A marca tem também um aplicativo onde as mães podem encontrar milhares de locais aptos para receber mães que estão amamentando.
Mas será que criar espaços confinados para amamentação é uma boa ideia? Ou será que isso acaba causando mais mal do que bem para as mulheres?
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Pra mim, esse tipo de cápsula peca em três pontos fundamentais:
Em primeiro lugar, incentiva as mulheres a se esconderem. O ato de amamentar em público, que deveria ser normalizado (inclusive por lei), passa a ser um ato que precisa ser ocultado.
Em segundo lugar, a aceitação – ainda que velada – da sexualização dos seios que, naquele momento, dão leite para uma criança.
Em terceiro, nunca deveria ser um fardo para uma mãe – através de aplicativos e muita correria com GPS – tentar encontrar um lugar ou uma cápsula futurística para dar alimento a um bebê que berra de fome. Qualquer mulher tem que poder amamentar onde quiser.
Normalizar a amamentação em público deveria ser um trabalho de educação generalizado em nossa sociedade. Não é apenas uma questão materna. É uma questão cidadã, feminista e global. É um assunto social e, por isso, todos deveríamos estar envolvidos.
Amamentar em público nos Estados Unidos é ainda mais complicado do que em muitos outros países ocidentais. Só em 2018, todos os estados americanos passaram a ter leis que protegem mães de amamentarem em público. Até o ano passado, Idaho e Utah eram os dois estados que ainda condenavam essas mães por este ato natural.
Compreendo e respeito que algumas mulheres precisam de mais privacidade na hora de amamentar. Muitas têm vergonha de mostrar os seios e preferem colocar um paninho para disfarçar. Outras procuram espaços que transmitam tranquilidade para a criança. Tudo isso deve ser respeitado, claro, porque faz parte da liberdade de escolhas de uma mulher.
Mas até que ponto esses constrangimentos podem ter origem em críticas, assédios e olhares reprovadores que essas mulheres tiveram ao longo da vida ou até mesmo durante a primeira vez que amamentaram em um local público?
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O Mamava estaria, mais uma vez, dando um passo na direção errada? Ou seja, confinar as mulheres por causa de olhares reprovadores em vez de libertá-las e educar a massa de críticos e/ou assediadores?
São perguntas fundamentais e precisamos pensá-las todo juntos, como cidadãos.
Wendy Wisner, que escreve para o site Scary Mommy, narrou uma vez sua experiência em um restaurante Subway de Nova York. Ela amamentava o filho de seis meses quando uma funcionária (ironicamente, também mãe) pediu para que ela parasse. Segundo a moça, o ato era indecente e havia outras pessoas comendo ali.
Wendy, acostumada a alimentar o filho daquela forma, se sentiu mal e saiu do lugar. Ela chegou a escrever uma carta para o restaurante. Recebeu desculpas do dono e uns cupons para comer alguns sanduíches grátis. Mas nunca mais se sentiu confortável para amamentar em público novamente.
Histórias como a de Wendy são comuns por aqui. Outro caso que ficou conhecido foi o de Kelly Sabourin. Ela estava na Legoland (parque de diversões e, por isso, um lugar repleto de crianças) da Flórida quando um funcionário chamou sua atenção por estar amamentando em público, já que o local possuía um espaço apropriado para isso. É que, enquanto amamentava, Kelly observava os outros dois filhos brincando. A mãe reclamou, a Legoland se desculpou e vida que seguiu. Mas e Kelly? Será que voltou a amamentar em público sem medo?
Aplicativos facilitam a vida. Então, que tal criar aplicativos que nos ajudem mais como sociedade, como o Changing Table Locator, que busca trocadores de fralda mais próximos? Ou ainda: que tal colocar trocadores também em todos os banheiros masculinos, assumindo que essa tarefa deve ser compartilhada por homens e mulheres?
Não duvido de que o Mamava – o aplicativo e os módulos – tenha boas intenções. Quando uma mulher precisa usar a bombinha de leite, certamente a cápsula é um lugar mais adequado que um banheiro público, já que tem tomada e lugar para sentar.
No entanto, o Mamava não oferece água corrente ou uma pia para higienização. Além disso, o leite retirado, se for utilizado, precisa ser levado para refrigeração para não estragar.
Mas é um passo na direção errada no quesito amamentação, principalmente numa sociedade conservadora como a americana. Já passou da hora de as pessoas pararem de se se chocar com um peito na boca de uma criança.
Cresci em uma casa onde a nudez era natural. Meus pais nunca tiveram vergonha dos seus próprios corpos. Tomavam banho de porta aberta, trocavam de roupa na frente dos filhos e, muitas vezes, dormiam sem roupa, principalmente no calor do Rio. Quando criança, eu sabia que ninguém podia tocar no meu corpo. Aprendi, desde cedo, que o corpo era meu, um espaço privado e que os outros precisavam respeitá-lo mesmo que eu estivesse com parte dele à mostra.
Partindo desse princípio, nunca me escandalizei com uma mãe amamentando um filho em público. Confesso que sempre vi como um ato tão natural como abrir uma garrafa de água quando se está com sede na rua. Nunca vi como algo mágico e milagroso, apenas como algo orgânico. A criança está com fome? Tem que alimentar e, muitas vezes, o leite sai do peito.