Engraçado como não notamos algumas coisas até aquela realidade começar a fazer parte da nossa vida. Para aqueles que estão lendo pela primeira vez um artigo meu e ainda não sabem, eu tive a incrível experiência de engravidar e ter minha primeira e única filha aqui na Itália e foi durante a gravidez que comecei a perceber o quanto ainda tenho a descobrir sobre a realidade cultural e mentalidade italiana.
Ainda escreverei algo relacionado às grandes diferenças entre Brasil e Itália, em especial referente aos cuidados com bebês e crianças, pois acreditem, é realmente muito diferente.
Mas hoje vou entrar mais num assunto que de certa forma me tocou durante a gravidez: o aborto. Em realidade não tratarei de qualquer aborto, mas sim o de crianças com síndrome de down ou com outro diagnóstico de alguma má formação grave.
Até engravidar nunca tinha me atentado a esse tema aqui na Itália mas, por acaso, vocês que moram na Itália já perceberam que existem muito poucas pessoas com síndrome de down? Em realidade isso é visível em grande parte da Europa.
E qual o motivo desse índice tão baixo? Simples, a Itália apesar de ser muito conservadora em muitos outros aspectos legitima o aborto desde 1978 através da lei 194 (link aqui). Ainda que o texto lei restrinja os casos permitidos do aborto, na verdade trata-se de uma lei bem abrangente deixando uma grande margem à legalidade.
O tema aborto é muito controverso e complexo para ser analisado neste momento e por essa razão vou me atentar apenas a um caso que me tocou, o aborto de crianças apenas por serem portadoras de alguma má formação genética. No caso em questão a lei autoriza a interrupção da gravidez de até 90 dias do feto.
Existem dois testes comumente usados para descobrir se o feto possui a formação de cromossomo 21: o b-teste que é feito através de uma amostra de sangue da mãe e o amniocentes que é realisado de forma evasiva retirando uma amostra do liquido da placenta gestacional e aconselhado apenas para gestantes que tenham idade igual ou superior a 40 anos (esse último apresenta inclusive riscos ao feto).
Apesar do exame da minha filha ter dado negativo, nunca passou pela minha cabeça em interromper a gravidez, motivo pelo qual não compreendia todo aquele alvoroço em todos quererem saber o resultado do exame.
Mas conversando sobre o tema com uma colega de trabalho ela me disse que se detectado alguma má formação genética grande parte das gestantes abortam após serem aconselhadas pelo próprio médico.
Pouco depois durante uma aula do curso pré parto uma das gestantes apresentou seu depoimento dizendo que aquela era sua segunda gravidez e que estava muito preocupada pois durante a sua primeira gravidez descobriu que o feto possuía o cromossomo 21 e por tal motivo mesmo muito triste se viu “obrigada” a se submeter a uma curetagem após aconselhamento médico. Continuou dizendo que por conta daquele triste episódio sofreu depressão durante muito tempo até que então engravidou novamente.
Aquele depoimento me chocou e mexeu comigo, não só pelo fato do aborto ser indicado nesses casos mas principalmente pela mãe que não me pareceu nenhum pouco preparada ou realmente conformada com a decisão daquele aborto se é, claro, que uma mãe que planeja e espera tanto uma gravidez possa se preparar para algo do tipo.
Não há como saber ao certo quantas gestações são realmente interrompidas no País baseadas em tal motivação, temos apenas dados de algumas regiões que estão disponíveis no site international clearinghouse of birth defects (link aqui), uma organização internacional que trabalha em parceria com a organização mundial da saúde.
Segundo as últimas estimativas apresentadas (ref. Ano 2009) os dados de abortos voluntários para casos de fetos com diagnóstico de síndrome de down são os seguintes:
nasc ab. voluntarios %abortos
TOSCANA 19 57 75
VENETO, TRENTINO, FRIULI 65 33 33.7
SONDRIO, VARESE, COMO 14 7 33.3
EMILIA ROMAGNA 29 68 70.1
CAMPAGNIA 66 86 56.6
Apesar de ser apenas uma estimativa de dados, já que não temos informações de todas as regiões, podemos nos basear aos valores apresentados para ter uma ideia da quantidade de bebês que deveriam nascer anualmente.
Conversando com algumas pessoas a respeito muitos tem o mesmo pensamento e modo de encarar essa realidade. Justificam essa atitude como uma forma de preservar e proteger a própria criança de uma vida privada de atos simples gerando apenas frustração.
Foi nesse exato momento que percebi o quanto ainda tenho a descobrir sobre a diferença cultural Brasil x Itália.
Não gostaria de exprimir minha opinião pessoal sobre o assunto, mas creio que a este ponto seja inevitável… Tudo isso me fez pensar muito. Qual será de fato o real motivo para a interrupção da gravidez?
Realmente não creio que seja para preservar o futuro da criança ainda em formação, pois o mundo está cheio de pessoas que gozam de plena saúde e ainda assim cheias de frustrações, como também existem pessoas com diversas limitações vencendo tantas barreiras.
Ao fim tudo me faz crer que seja apenas uma “imposição” cultural imposta há tantos anos e que hoje seja vista de forma mais natural para eles que para nós.
2 Comments
Adorei!
Muito parecido com a minha experiencia vivida na Inglaterra onde engravidei e tive meu unico filho.
O aborto por aqui e tratado da mesma forma como vc narra na Italia.
Fiquei surpresa pois pensava que a Italia por ser um pais catolico nao autorizasse o aborto de forma alguma.
Ha pouco tambem descobri que Espanha e Portugal tambem tem o mesmo entendimento;
Concordo quando fala de imposicao, mas por um outro lado e bom saber que as mulheres tem essa liberdade de decisao sobre suas vidas.
Texto super bem escrito. Obrigada por compartilhar.
Muito obrigada. Concordo contigo em tudo. Beijos