O ano de 2015 está começando e início de ano é sempre igual: é aquele momento em que pensamos no que fizemos, no que deixamos de fazer e começamos a nos programar para mais 12 meses. Há pelo menos dois anos que está um pouco difícil fazermos qualquer programação a longo prazo na Argentina, pois a crise por aqui está realmente complicando a vida de todos e como este é um ano de eleições presidenciais não há como esperarmos nada muito melhor. Por isso, vou abordar vários aspectos da atual situação do país até as eleições em outubro, porque são muitos.
Para os que não sabem, desde 2012 a atual presidenta decidiu colocar um “Cepo ao Dólar”, ou seja, proibição do uso desta moeda dentro do país e de produtos importados, para assim fomentar a moeda nacional, o Peso Argentino, e a indústria nacional. De todos os pontos de vistas essa decisão foi como dar mil passos para trás na atual situação de um mundo globalizado, onde todos os países funcionam como uma corrente, de um jeito ou de outro. Foram criados (e continuam ampliando) controles dos mais diversos tipos para saber quanto as pessoas ganham, se todas estão pagando os impostos e a compra de qualquer moeda estrangeira. Para viagens internacionais, ao comprar moeda estrangeira da forma oficial, ou seja, através de um banco ou agência de câmbio, é necessário preencher um formulário online no órgão estatal AFIP (Administración Federal), mostrar todos os dados da viagem como passagens, quantos dias ficará, onde ficará e daí a AFIP decide se vai permitir a venda de moeda estrangeira. A AFIP faz um cálculo de quanto a pessoa pode comprar de acordo com o salário que recebe. E caso você consiga a autorização e cancele a viagem por algum motivo, terá que devolver a moeda comprada à AFIP.
Para quem compra pacotes de viagens, o que é muito comum por aqui – com a inflação altíssima alguns saem bem mais baratos que montar a viagem por conta própria – as agências têm a obrigação de entregar todos os dados ao governo. Além disso, todos devem pagar o equivalente a 35% sobre o valor de qualquer compra internacional. Há muitos boatos (e na atual conjuntura geralmente esses boatos a princípio parecem ridículos se tornam realidade) de que existe a intenção de aumentar este valor para até 45%. Ao comprar um pacote a pessoa paga o valor do pacote, as taxas e soma ao final mais 35%, por pessoa! Ao utilizar o cartão em outro país paga-se mais 35% sobre o valor dos gastos na fatura do cartão. Para retirar moeda local também há imposições. Se viajarmos para algum dos países que fazem fronteira com a Argentina podemos sacar até 100 dólares por mês!!! Imagina passar 15 dias no Brasil e poder sacar apenas 100 USD para todos estes dias! Para os países que não fazem fronteira pode-se sacar até 800 USD por mês apenas. Se alguém consegue imaginar o que seja ficar nos EUA ou na Europa por 20 dias e depender de sacar apenas 800 USD e que tudo o que comprar na moeda local virá com um acréscimo de 35% na fatura final do cartão, dá para imaginar o drama.
Para se ter uma ideia do complicado que é a coisa, tive amigos e alunos viajando ao Brasil para passar 15 dias de férias. Preencheram o formulário online. Alguns tiveram o pedido de compra de reais pelo câmbio oficial negado, outro conseguiu a autorização para comprar 250,00 reais! É isso mesmo: 250 reais!!! Alguém em sã consciência consegue imaginar como alguém vai passar 15 dias de férias no Brasil (caro) de hoje em dia, com apenas esse valor? E podendo sacar apenas 100 dólares para toda a estadia! Isso força as pessoas a usarem o cartão (não conheço um argentino que confie no sistema bancário daqui, por isso essa tentativa de forçar a usar algo do banco ao mesmo tempo que gasta menos com moeda estrangeira e paga em pesos argentinos), mesmo que tenham que pagar os 35%, porque não há muitas outras opções.
E montar uma viagem por conta própria como fica?
Cara! Muito cara. Uma pessoa compra as passagens online e no valor da passagem são incluídos os 35% mais todas as taxas costumeiras (que não são poucas, muito menos baratas). E daí tudo o que comprar online ou no país com cartão de crédito pagará a taxa de 35% depois. Você deve estar se perguntando, “Mas por que tanto controle sobre as viagens internacionais?” A ideia deste governo é que todos os residentes argentinos viajem dentro do país. Que valorizem o país, que gastem no país e que se recusem a usar moeda estrangeira. Já deu para perceber o drama, né? A princípio muitos chegam a pensar que realmente as viagens diminuiriam, mas acontece que essas medidas somadas à inflação altíssima que temos (são nada mais nada menos que 41% de inflação neste ano), os preços das viagens dentro da Argentina ficaram caríssimas e muitas vezes ir a outro país sai o mesmo valor – mesmo pagando os 35% – do que viajar por aqui.
E o turista estrangeiro nisso tudo? Entrou no mesmo saco. Quem compra pesos quando chega e quer vender o que sobrou na hora de ir embora não pode simplesmente chegar na agência e fazer o câmbio. Ele pode vender a moeda estrangeira dele de forma oficial e comprar pesos tranquilamente, mas a transação inversa é muito complicada. Muitos, como têm cartões de crédito de seus países de origem compram passagens para viajar da Argentina a outros países desde sites internacionais, afinal se entrar em sites de comprar online argentinos ou informar que a compra será efetuada na Argentina, automaticamente os sites incluem o valor 35% sobre a compra da passagem.
É pessoal a coisa não está nada fácil por aqui. No próximo post explicarei sobre os vários valores que trabalhamos agora por aqui, afinal existem o Câmbio Oficial, o Câmbio Oficial Argentino, o Câmbio Turismo, o Câmbio Paralelo e o Câmbio Blue. Mas no final é este último que está controlando os preços do país e enforcando a todos.
11 Comments
A COISA NÃO TÁ FÁCIL PRA NINGUÉM,AQUI NO BRASIL TAMBÉM COMEÇAMOS O ANO COM VÁRIAS SURPRESAS DESAGRADÁVEIS,AUMENTO DE GASOLINA,IMPOSTOS,ENERGIA ETC.BEIJOS
Olá Ina, sinto muito pela situação da Argentina e pela situação do Brasil, ambos estão indo para a mesma direção da Venezuela. Visitei Buenos Aires em janeiro de 2014 e fiquei muito assustada. É uma cidade tão linda, mas está sendo sucateada. Os desmandos das nossas “presidentas”, tudo muito surreal.
Bjs, Regina
Olá,
É bom saber que andam acompanhando meus posts para saber um pouco mais do que acontece na Argentina.
As realidades são bastante diferentes. As políticas da Dilma e da Cristina estão opostas há muito tempo. A política atual do governo brasileiro não tem absolutamente nada a ver com a da Venezuela nem da Argentina e posso afirmar não apenas como residente mas também como historiadora. Aí estão vários analistas políticos, econômicos e historiadores que não me deixam mentir. Nenhum outro país hoje da A.Latina está com um capitalismo/liberalismo tão selvagem como o Brasil.
Enfim, independente de apoiar ou não o governo atual do Brasil, não existe controle sobre ir e vir e nem sobre gastos como descrevi sobre a atual política daqui (até porque brasileiro está como pipoca em tudo quanto é lugar e até onde eu saiba ninguém precisa preencher ficha informando ao governo aonde vai, quantos dias ficará e quanto vai gastar e muito menos solicitar permissão do governo para comprar um pouco de moeda estrangeira para não chegar de mãos vazias). São rumos muito diferentes. A inflação atual daqui é de 41% com previsão de até 50% até outubro. A previsão do governo brasileiro para a inflação deste ano é de até 12%. É muita, claro, mas com a atual conjuntura de um EUA se fortalecendo e um dólar voltando a brilhar, países como Brasil, China e Rússia, entre outros não vão segurar essa peteca e se não quiserem voltar ao lugar de invisíveis que ocupavam antes da grande crise de 2008 vão ter que cortar de um lado e aumentar de outro. Depois da Queda do Muro de Berlim todos os países que queriam a democracia queriam o capitalismo e depois o liberalismo. Bem, agora é ver as consequências dessas escolhas, principalmente na A.Latina afinal todos os modelos de democracias se mostraram falidos dentro dos preceitos gerais.
Nossa, Ina, que dificil! Mas, vamos pensar positivo e esperar que saia algo positivo disso a longo prazo. Muita obrigada pelas informações.
Amei seu blog e as questões que voce coloca, pois voceé muito clara e objetiva, e nos ensina muito sobre poltica.
Meus Parabéns!!!!!
um grande abraço
Olá Ina, tenho uma dúvida não sei se você poderá me ajudar. Os brasileiros que fazem compras de passagens para viajar a Argentina e tem o valor da AFIP (35) incluídos, tem como ter esse valo adicional reembolsado?
Oi,
Esse valor não é reembolsado. Ele o imposto do governo a ser pago em qualquer viagem e por qualquer nacionalidade.
Mas uma pessoa apenas pagará esse valor se tiver comprado uma passagem num site argentino, mas se não é residente argentino não teria motivos para comprar essa passagem aqui. Todos os estrangeiros que vivem aqui e possuem uma cartão de crédito de seu país de origem compram suas passagens desde sites de seus países, afinal passagens aéreas já são caras e com 35% a mais é uma loucura.
Obrigado pela resposta Ina!
Acontece que sempre quando vou a Buenos Aires, eu pego o barco de Colonia, e compro as passagens pela site da empresa Seacat, ao completar os dados da transação no site, identifica que sou brasileiro e automaticamente retira o valor da AFIP ou uso a versão do site uruguaio onde não esta incluso o valor da AFIP.
Entretanto desta vez usei o site da Colonia Express, pois estava com uma promoção muito boa nas passagens, e para a minha surpresa o valor da AFIP foi incluso no final da transação!
Então até fica uma dica, embora os preços no site da Colonia Express seja vantajosos, devido aos impostos acabam tornando-se mais caras que a concorrente Seacat, que dá a opção de compra sem a AFIP.
Oi,
Sim, qualquer passagem que seja comprada dentro do território argentino para outro país está incluso o valor dos 35% da Afip. As empresas argentinas Buquebus e Colonia Express vendem com essa taxa.
Outra dúvida Ina, as passagens intermunicipais na Argentina também tem o imposto do IVA? Este imposto sim, pode ser restituído na saída da argentina
Oi Pita,
O imposto da Afip de 35% é apenas para destinos fora do país. Para viajar aqui dentro não há problemas. Pois a intenção era a de “obrigar os residentes a não sairem do país e assim manter o dinheiro aqui. Mas essa medida fez os valores do turismo interno ficar tão alto, que dependendo do destino sai mais barato ir para fora mesmo com a porcentagem do banco e da Afip.