Estava na dúvida sobre este texto, mas após conversar esta semana com uma amiga e ouví-la dizer que decidiu ir embora no ano que vem, porque depois do que ela viu e passou durante a Copa a deixou desiludida com o país e com os argentinos, achei que deveria sim publicar este post.
Domingo, 13 de julho de 2014. Seis da tarde e nada de gol. Tensão. Olhos grudados na tevê e então: GOL! Explosão, alegria e alívio. Foi assim que muitos assistimos o final da Copa: Brasil x Argentina. Ops! Alemanha x Argentina. O mundo acompanhou o segundo e no Brasil e na Argentina o primeiro.
Em SP, muitos gritaram Tetracampeão. Na Bahia, soltaram fogos. No RJ, gritos de vitória. Alívio geral da nação. A Argentina ganhar a Copa no Brasil? Pois é, conhecem aquele ditado: “Deus não dá asa a cobra”? Pois não dá não senhor!
Aqui na Argentina vivemos uma tensão que considero surreal.
Nas redes sociais, e também muitos argentinos que estavam no Brasil diziam, que Copacabana era deles, o Rio de Janeiro era deles e quando segurassem a taça iriam expulsar todos os brasileiros do Maracanã e mostrar que o Brasil também era deles, entre outras frases e atitudes violentas. E claro, com aquela música irritante: “Brasil, decime que se siente, estar em casa com papá…”. Por isso o policiamento super reforçado em Copacabana.
O clima ficou tão tenso que os alemães perceberam a rixa, compraram a briga e um dos jogadores enviou um twiter avisando que “amanhã é Brasilemanha. O Maraca é nosso” e o povo exultou. Com isso a final da Copa estava decidida: entre os times seria Alemanha x Argentina, mas na torcida, foi Brasil x Argentina.
As redes sociais foram os principais meios usados para opiniões, ofensas, agressões que muitas vezes, infelizmente, saíram da rede e atingiram os brasileiros nos ambientes de trabalho, de estudo, etc. Percebemos, da forma mais triste possível, que pensamos muito diferente sobre futebol. Descobri que na Argentina o futebol e a vida se misturam. Não é possível morar na Argentina sem torcer para a Argentina. Não é possível morar aqui e torcer para o time adversário.
Eles podem ofender, zoar, xingar, mas quando é com eles, os outros estão sendo injustos. Eles se tornam os coitados.
Durante três semanas, muitos brasileiros tiveram que escutar e ler que somos imundos, sujos, macacos, pretos. Pessoas amigas de anos ofendiam e agrediam gratuitamente os amigos. Uma senhora foi agredida perto do Obelisco porque a ouviram falar em português. Um africano foi agredido na Plaza San Martin. Foi chamado de brasileiro negro fedorento e arrancaram a bandeira da Argentina que ele levava. Ele aos gritos dizia que não era brasileiro. Não era o futebol. Era a
nossa nacionalidade!
Conforme os jogos aconteciam a temperatura ia subindo, mas verdade seja dita, os brasileiros não respondiam muito. Levávamos na esportiva para não provocar confusão e também porque futebol é futebol. Acabou o jogo, vamos festejar e esperar o próximo jogo.
Somos simples assim. Depois da derrota contra a Alemanha, éramos xingados porque estávamos torcendo para a Alemanha. Eles não entendem que nós torcemos para qualquer time, inclusive para o Brasil. Aqui não, só pode torcer e vestir a camisa da Argentina e nenhuma outra. Eles não nos entendem e nós ainda não entendemos porque (para eles) não podemos torcer para quem quisermos. Não vamos ficar chorando pelo leite derramado. Mas aqui o buraco é mais embaixo.
Até que o Brasil perdeu na terça (o fatídico 7×1) e a Argentina ganhou na quarta. Aí, a coisa saiu da linha. Descambou de vez. Os argentinos, e outras nacionalidades latino americanas, ultrapassaram todos os limites com ofensas pessoais. Muitos de nós não entendíamos de onde vinha tanto ódio e raiva.
Descobrimos, que a ignorância, o preconceito, a discriminação, talvez um pouco de inveja (alguns amigo disseram que essa última deveria ser o motivo de estarmos passando por tal situação quando em Copas anteriores nada disso tinha acontecido) estavam escondidos em algum lugar e esta Copa no Brasil foi apenas o estopim para trazer tudo à tona.
O interessante foi ver pessoas conhecidas reclamando que os brasileiros estavam tratando muito mal aos argentinos depois que a seleção deles perdeu. O incrível foi que eu vi, ouvi e li a minha nação e o meu povo sendo agredida por 3 longas semanas, mas quando os argentinos receberam a resposta de muitos brasileiros por 2 ou 3 dias eles se sentiram super ofendidos, como se fossem as vítimas da história.
A verdade é que depois da vitória da Alemanha na final, o “pau comeu” nas redes sociais. Inauguramos a era da Pancadaria Virtual. Muitas pessoas bloquearam no Facebook à muitas pessoas que consideravam amigas até então. Outras tantas ficaram magoadas e outras compraram brigas e tiveram discussões virtuais antológicas.
Algumas comentavam os jogos e tudo o mais em mensagens privadas para não causar mais confusão. Eu mesma fiz isso.
Algumas pessoas, no Brasil, usaram um discurso muito interessante: atribuíram esse clima de rivalidade absurdo à mídia e que as pessoas ignorantes estavam se deixando levar pela Rede Globo! Ok, quem mora em outro país sabe que não passa esse canal nas televisões fora do Brasil.
Só a acompanha quem fica na net, caso contrário, esquecemos que ela existe, estamos em outra realidade e aqui não é diferente. E mesmo que a Globo tivesse esse espaço, não vejo como colocar a culpa nela das pessoas estarem ofendendo os brasileiros como aconteceu. Talvez seja difícil explicar ou entender para quem nunca viveu essa situação, mas quem já ouviu alguém falar com raiva de verdade, aquela que sai do fundo do peito, sabe que esse tipo de situação não é
fingimento ou produto da mídia. É algo está lá no fundo e de repente sai.
Teve brasileiro que nunca tinha visto um jogo na vida e ficou com tanta raiva de tudo o que ouvia e lia que teve que se posicionar. Teve casos de alunos que praticamente cuspiram de raiva na cara de alguns professores e estes acuados apenas diziam que não comentavam sobre futebol e liberaram a tensão no gol da Alemanha.
O comentário geral dos meus amigos, principalmente mulheres, brasileiros, era de que nunca tinha tido que torcer por causa do futebol, mas tal foi o clima em que nos colocaram aqui que absolutamente todos nos posicionamos: uma grande parte de nós torcia para a Alemanha, fosse por raiva, fosse porque nunca torceria para a Argentina ou simplesmente para ter paz, e outros para a Argentina por causa de namorado, marido, filhos ou porque está aqui há muito tempo.
Essa amiga que comentei no início do post escreveu antes do resultado da final da Copa que queria ver como essas pessoas que agrediram, ofenderam e que não pouparam nas humilhações iriam olhar na cara dos amigos, professores e colegas de trabalho quando tudo acabasse.
Enfim, é difícil ter que explicar o inexplicável. Mas descobrimos uma raiva e um sentimento de superioridade destas outras nacionalidades sobre a nossa muito enraizada, mas que as camadas de civilidade e educação ocultam no dia a dia.
O jeito agora, depois que a máscara de muitos caiu, é tocar a bola pra frente.
12 Comments
Ina,
Muito bom o texto. Apesar de não viver aí na Argentina, passei por uma situação muito parecida, que esse ano me deixou marcas muito grandes. Eu moro nos EUA e trabalho para uma empresa alemã, e acredite, esse comportamento absurdo (na minha opinião de gente que não pode ser considerada civilizada) aconteceu no meu ambiente de trabalho. Eu sou a única brasileira do escritório, torci calada pro Brasil desde o início da Copa pra não ofender ninguém, mas desde o primeiro jogo do Brasil, os alemães (e americanos) do escritório me acuavam com comentários ofensivos, racistas e inaceitáveis. Meu chefe levava o filho e os amigos do filho pra assistir os jogos da Alemanha no próprio escritório só para me provocar, e eu não podia responder, afinal ele era o filho do chefe. Até que veio o 7×1. Minha vida se tornou o inferno na terra. Ir pro trabalho pra mim era sinônimo de ir pro matadouro. Jogaram a bandeira do Brasil no chão, meu chefe me apresentava para novos clientes da empresa, e sempre fazia questão de dizer que eu sou brasileira só pra poder esfregar o 7 x 1 na minha cara na frente do cliente, dentre muitas outras humilhações. A pressão foi tão grande que eu saí de férias até a Copa acabar. Fui pro Brasil e pela primeira vez na vida torci pela Argentina, porque em um período de 3 semanas meu nojo pelos alemães se tornou tão grande que eu não podia torcer para eles. A idéia de ver a Alemanha campeã da Copa era o fim pra mim. Mas eles ganharam, e meu inferno continuou. As provocações se arrastam até hoje, à um nível que eu decidi sair do emprego. Trabalhar pra eles não dá mais. 🙁 Me pego pensando nisso até hoje: como as pessoas podem ser tão medíocres a ponto de levar futebol pro trabalho, e transformar a vida de um funcionário em um inferno tão grande por conta de um evento que acontece a cada 4 anos. Na Argentina, na Alemanha ou nos EUA um coisa é certa, torcer pelo Brasil não é fácil!
O que você respondia para os alemães e americanos quando vinham com brincadeiras?
Oi,
Não encontrei norte-americanos na época, mas todos os alemães e austríacos que encontrei, mesmo os amigos, não fizeram brincadeiras, diziam: “Lamento o que aconteceu, foi algo completamente inesperado” e quando eu ou outros brasileiros os parabenizavam eles só diziam obrigada e nada mais. Realmente foi uma situação chocante aquele jogo. Ficamos todos atônitos por aqui.
Oi Ina! Acho tudo muito complicado. Lembro-me que pouco depois do jogo Brasil x Argentina (oops, Alemanha x Argentina! Hehe), eu li um artigo sobre a não-existência de negros na seleção argentina. Foi bem interessante, porque isso remete à história do país que, obviamente, não é tão mesclado quanto o nosso. Não consigo encontrá-lo, mas se conseguir, o envio para você…
Pois é, a rivalidade Brasil x Argentina é muito pesada. Odiei que queimaram nossa bandeira, mas achei afronta nacional quando o brasileiro fez o mesmo… Aliás, não mexa com bandeiras! 😉
Um beijo!
Nossa Ina, que horror! Eu sabia da rivalidade, mas imaginava que fosse como no Brasil, a gente não vai com a cara, mas tb não liga muito depois que passou o jogo… Eu, na Hungria, torci muito pelos alemães, por conhecer gente de lá, mas tb por admiração. O comportamento deles com os adversários, com brasileiros, inclusive, foi impecável! Não teve 1 tiradinha de sarro! Chorei nos 7, claro, porque coração de brasileira não aguenta… ahahaha Mas não sofri nada nada com isso, até saímos com a camiseta do Brasil, pois meu filho disse que ia usar mesmo assim, porque continuamos sendo bons e perder um jogo, acontece. As pessoas na rua sorriam e diziam: na próxima, vcs são bons! Como não torcer, não é? Sou torcedora de carteirinha depois dessa! ahahah Um bela lição! Quanto a Argentina, os alemães, mesmo antes, já diziam não simpatizar, pelo tal gol de mão “La mano di Dios” (não sei escrever, mas vc vai entender. Assim é que eles espalham antipatia pelo mundo todo… depois não adianta reclamar, é o mundo torcendo contra eles! Enfim, fiquei pasma com a intensidade do que vc descreveu! :O
Muito triste saber que por ai o futebol fala mais alto que as boas relações. Espero que um pouco de paz tenha retormado à vida de todos os brasileiros que aí residem. Bjs,
Puxa, Lorrane, que pena que tenha passado pela mesma situação aí por causa dos alemães e americanos e mesmo com o seu relato, continuo achando bom os alemães terem ganho. Você disse ser insuportável com os alemães ganhando a Copa, sendo que está num país com alguns deles e outros que são torcedores, agora imagine a mesma situação que vivemos aqui se a Argentina ganhasse estando no país deles?? Deu pra sentir o drama né. Aí, você ainda pôde sair do emprego e ir para outro lugar e aqui que não teríamos aonde ir?
A grande liçao de tudo a meu ver é como realmente nós brasileiros apenas vemos o futebol pelo o que ele é: futebol.
Oi Ina,
Acho triste (pra não dizer outra coisa) isso tudo que aconteceu na Argentina por causa, apenas, do futebol.
Sabe, fiquei ainda mais decepcionada porque torci pela Seleção Argentina, nada contra os alemães, mas queria que a taça tivesse ficado perto de casa.
Espero que nunca mais sejam mal tratados aí.
Beijos
É interessante isso o que algumas de vocês escreveram, principalmente a Cleo, porque aqui também surgiu essa história de que tínhamos a obrigação (isso mesmo, obrigação) de torcer pela Argentina na final porque somos latino americanos e tal, mas ao mesmo tempo que falavam isso começam a falar mal. Uma amiga que também é professora aqui disse que um dos seus alunos disse que era muito feio os brasileiros estarem torcendo para a Alemanha porque nos humilhou e tal e que como latino americanos deveríamos torcer para eles, então ela que já tinha ouvido ele falando bastante bobagem durante a Copa perguntou se fosse o Brasil na final contra a Alemanha se ele também estaria torcendo porque somos “irmãos” e aí ele encheu os pulmões e disse que jamais, nem morto torceria para o Brasil, um país de mer….e que não tínhamos com o que nos preocupar porque a Argentina ganharia dentro do Brasil só para esfregar na cara dos brasileiros que são melhores. Agora o mais engraçado é que ele (como muitos e muitos aqui) afirmavam não entender porque desse discurso nós estávamos do lado da Alemanha e não deles. Por isso, para mim, foi exatamente como escrevi no post: foi surreal.
Acima também escreveram sobre provocações, tive uma amiga que no trabalho, passou todo o Mundial ouvindo provocações por ela ser brasileira e no dia seguinte que perdemos para a Alemanha que o chefe dela ficou soltando gracinhas e na hora do café disse que ela deveria comer uns biscoitos e que tinha deixado 7 para ela. Parecem coisas bobas, mas isso todos os dias vira uma bola de neve.
Bem, agora está tudo tranquilo, muitos falam que era só brincadeira e que não entendem porque ficamos tão ofendidos, afinal não fomos agredidos e humilhados de verdade. A verdade é que eu sinto dos amigos que tenho aqui que algo mudou. Sinto uma decepção muito forte por parte deles depois desse Mundial. Agora é ver como vai evoluir tudo isso.
Falam de Copa e me dá até arrepio. Aqui no Chile é minha terceira Copa e NUNCA tinha visto algo como desta vez. Um comportamento irracional e estúpido que nao sei nem como descrever. Brasileiros sendo expulsos de táxis, famílias com crianças que receberam cuspidas na rua, filhos de expatriados sofrendo bullying nos colégios…. e o Chile nunca ganhou nada…. nem nunca foi considerado “inimigo” pelos brasileiros!!!
Um tal de achar que a Alemanha tinha “se vingado” pelo Chile (como se os jogadores alemaes estivessem pensando neles na hora da lavada que nos deram) e mais um sem fim de coisas.
Eu fui das que eliminou o facebook por um tempo e quando voltei fiz uma limpeza geral… Porque educaçao e respeito, pra mim, nao tem exceçoes: ou se tem, ou nao, independente dos eventos que ocorram no meio do caminho.
Mas também posso dizer que a campanha de terror anti-Brasil começou (ou se agravou) graças ao meios de comunicaçao. Conseguiram até dar um jeito da campanha da UNAIDS virar confirmaçao de que nosso país é pura libertinagem.
Uma pena, uma decepçao, uma raiva que vai demorar pra passar…. e que dá pena de pensar como um espetáculo tao legal como sao os jogos de futebol transformam algumas pessoas em animais.
Olá, Ina.
Encontrei um relato parecido com o seu, mas sobre “o outro lado”: http://goo.gl/4HY7Oh
Citando uma frase sua, talvez muitos argentinos pensassem: “Não era o futebol. Era a nossa nacionalidade!”
Bjs,
Marlene
Ola, Ina.
Muito interessante o seu relato. Também sou brasileiro e moro na Argentina e tive experiências parecidas com as suas, e conheço gente que viu coisa MUITO pior.
Quero deixar o meu blog pra você dar uma lida. De fato, agora sabemos bem o que o argentino médio pensa e sente pelo Brasil e pelos brasileiros, por baixo das camadas de civilidade e da necessidade econômica, porque, como vc sabe, milhões de turistas vão a Argentina diariamente e deixam nossos reais (que são valorizadíssimos, quase como ouro, numa economia em mau estado como a deles) e por isso recebem o tratamento de acordo.
Somos 3 brasileiros, na verdade, e contamos nossas reflexões no blog.
Esse texto aqui acho que irá te interessar
http://blogtransmissoes.blogspot.com.br/2014/09/rivalidade-unilateral.html
Ali tem o nosso email, mande suas opiniões, por favor.
Abraço