Começarei este post com uma frase que correu a cidade e as redes sociais no mês passado:
“Sofrer assédio não depende da idade, nem da roupa, nem do aspecto. Depende de você cruzar com um assediador”. #ParemosElAcosoCallejero
De 10 a 16 abril foi a Semana Internacional contra o Assédio nas Ruas (Acoso Callejero). Houve muitas palestras e manifestações contra essa prática tão comum na vida de uma mulher. Há alguns anos, os movimentos feministas têm crescido na Argentina e o grito de revolta de não quererem mais ouvirem, serem vistas ou tocadas como um objeto inanimado, com o qual muitos homens podem fazer o que quiserem, principalmente nas ruas e meios de transportes públicos da cidade, é cada vez mais alto.
Que mulher que nunca ouviu uma cantada na rua? Qual a mulher que passou por todos os transportes e ruas da vida, que nunca foi tocada ou olhada de forma indecente por alguém que ela nunca tinha visto na vida? No ano passado, uma amiga brasileira, indignadíssima, desabafou no Facebook sobre a revolta e a humilhação que ela estava sentindo por ter sido tocada com afinco por um desconhecido dentro do metrô, quando se dirigia ao trabalho. Ela chamou um segurança, mas nada disso apagava a sensação de impotência que ela sentia. Outra conhecida argentina me contou que a primeira vez que viu um pênis foi quando tinha 13 anos e estava no ponto de ônibus com a irmã, voltando da escola e um carro parou na frente delas, o passageiro pediu uma informação e quando elas se aproximaram para responder, viram que ele tinha a calça aberta e que se tocava. Mal colocamos um decote e já temos que aguentar um “Dáme tus lolas, mami” – “lolas” é a forma vulgar para falar “peitos” aqui. Outra amiga ouviu um “Adoraria ser o seu absorvente”.
Eu estava no ponto de ônibus num sábado à tarde e passou uma mulata do outro lado da rua e um dos rapazes que estava na fila atrás de mim gritou que a comeria ali mesmo se ela quisesse. Nem as grávidas escapam! Poderia escrever mil posts com histórias como essas e que a maioria das mulheres conhece bem. No entanto, acompanhar essa luta que as mulheres argentinas estão travando aqui é um privilégio, se compararmos com a realidade cada vez mais conservadora da sociedade brasileira, que passa pelos mesmos problemas e dilemas.
As argentinas saem às ruas exigindo que respeitem suas roupas, sua presença, seu linguajar. Exigem o direito de usarem um short curto ou voltar para casa tarde da noite e não serem molestadas ou vistas como fáceis por isso. É uma luta válida e da qual todas deveríamos fazer parte. Nessa semana de 10 a 16 de abril, pude ver diversas charges contra o assédio e algumas eram realmente tocantes. Impossível não nos identificarmos com elas.
Outro movimento fantástico, e que inclusive foi lembrado em sua fala pela Primeira Dama dos EUA, Michele Obama, em sua visita à Argentina no mês passado, é o “Ni UnaMenos” (“Nem Uma Menos”).
Surgiu no ano passado e parou o centro da cidade. Um grupo de mulheres, muitas jornalistas, preocupadas com os números cada vez mais alarmantes de femicídios e violência doméstica, decidiram marchar contra isso e criaram o “Ni Uma Menos”, que reuniu mais de 150 mil pessoas na frente do Congresso Nacional. Eu estive rapidamente no protesto de 3 de junho de 2015 e realmente era um número impressionante de mulheres, famílias, grupos de adolescentes, mães e filhos(as) que responderam ao chamado que deu vida ao movimento. Uma amiga foi e levou seu filho de 4 anos na época e disse que era importante que ele acompanhasse desde pequeno essa luta, para que venha se tornar um bom homem e que saiba respeitar as mulheres, e não somente a mãe dele.
O número de denúncias depois deste protesto aumentou vertiginosamente e deu força ao movimento, já que, todas as semanas, conhecemos através dos noticiários, famílias desesperadas atrás de suas filhas desaparecidas e que, infelizmente, muitas têm aparecido mortas. A cada 30 horas uma mulher morre vítima de femicídio na Argentina.
É uma luta grande e difícil que está sendo travada dentro de uma sociedade conservadora, mas que está ganhando contornos incríveis e espero que continue assim. Que as argentinas consigam espalhar esses movimentos e conquistas nos demais países vizinhos, incentivando e alimentando essa luta para que muitas mulheres possam se unir a essa voz.
O que é a Violência Machista?
(Tradução livre da definição encontrada no site: http://niunamenos.com.ar/).
A violência machista é aquela que é exercida mediante toda ação ou omissão, dentro do marco de um relacionamento desigual de poder, que de maneira direta ou indireta, tanto no âmbito público como no privado, afeta a sua vida, liberdade, dignidade, integridade física, psicológica, sexual, econômica ou patrimonial e pelo fato de ser ou sentir-se como uma mulher.
A violência machista adota diversos tipos:
- Física: Se ela produzir dano, dor ou risco de produzi-la, em seu corpo ou qualquer outra forma de maltrato que afete a sua integridade física.
- Psicológica: Se lhe causar dano emocional, se afetar sua autoestima, prejudicar ou perturbar seu desenvolvimento pessoal, se procurar degradá-la, controlar suas ações, suas crenças e decisões mediante a ameaça, o assédio, a humilhação, a manipulação e o isolamento.
- Sexual: Se torná-la vulnerável em todas suas formas, com ou sem acesso genital, seu direito a decidir voluntariamente sobre sua vida sexual ou reprodutiva, mediante a ameaça, o uso da força ou a intimidação
- Econômica e patrimonial: Se buscar menosprezar seus recursos econômicos ou patrimoniais mediante diversas ações que inclua a perda de seus bens até o controle e limitação ou controle de sua renda.
- Simbólica: Se for naturalizada a subordinação das mulheres na sociedade, mediante a transmissão e reprodução de padrões estereotipados, mensagens, valores, ícones ou sinais que promovam a dominação, desigualdade e discriminação.
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Penso em me mudar só para conhecer alguém diferente