As particularidades do espanhol panamenho.
O inglês é o idioma mais falado do mundo, certo? Errado. À frente dele, temos o mandarim ocupando o primeiro lugar, e o espanhol, o segundo. O idioma de Cervantes é falado por mais de 577 milhões de pessoas que o tem como nativo ou secundário.
O espanhol ou castelhano, que tem esse nome porque era falado no antigo reino de Castilla-La Mancha, parte da Espanha atual, é oficial em 21 países (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Guiné Equatorial, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela).
Também é o segundo idioma mais falado nos Estados Unidos, país com maior colônia latino-americana do mundo, com 55 milhões de falantes nativos ou secundários.
E em cada um dos países onde é tido como oficial, o espanhol é falado e escrito de uma forma diferente, devido a diversos fatores, como a mescla com outras línguas ou dialetos de povos nativos ou imigrantes.
Mas esta mudança nunca deixa de acontecer, segundo os linguistas: a língua é um sistema vivo, complexo e em constante evolução, que vai agregando outros elementos que a enriquecem ao longo do tempo, em qualquer lugar do mundo. E toda esta diversidade existente na América Latina é um campo dos mais férteis para esta mágica da linguagem acontecer.
Sí, nosotros hablamos spanglish
Mas falemos do Panamá. Como eu já comentei em outros textos aqui no Brasileiras pelo Mundo, o país sofreu uma grande influência cultural dos Estados Unidos, país que colaborou na independência do país da Colômbia (em 1903), construiu e administrou o canal por mais de 90 anos e, nos anos 80, o invadiu por meio de uma intervenção militar.
Afro-antilhanos de língua inglesa (originários da Jamaica, Trinidad and Tobago e Barbados, principalmente) que trabalharam na imensa obra de engenharia que liga os dois oceanos também deixaram sua marca na língua local.
O mesmo se pode dizer dos franceses, que tomaram parte da primeira tentativa de construir o canal. Até dos chineses (que compõem 5% da população local) vieram expressões bem comuns nas casas panamenhas.
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O spanglish, esta espécie de dialeto que mistura o inglês com o espanhol falado em todos os países que foram influenciados de alguma forma pelos norte-americanos (Panamá, Porto Rico, El Salvador e nos próprios Estados Unidos) é usado por todas as faixas etárias e classes sociais daqui.
É comum você ouvir de um panamenho uma frase construída meio numa língua, meio na outra, como Estamos listos para la party (“Estamos prontos para a festa”), ou Hoy la calle está full (“Hoje a rua está cheia”).
Outros exemplos do spanglish do dia a dia: de uma coisa “bonita”, “legal” ou “bacana” pode-se dizer que é prity (“pretty”); a escova que tantas mulheres fazem nos cabelos para deixá-los impecavelmente lisos (aqui há muita gente que a faz todos os dias) é o blower (“secador de cabelo”). E o estacionamento, o parking. Já parkear, expressão derivada da anterior, pode ser tanto “estacionar” como “sair para a balada”.
Uma menina ou moça pode ser chamada de guial, do inglês “girl”. E um rapaz, de buay (uma versão de “guy”). O “cara” ou “mano” (para quem é de São Paulo), aqui é man. Dois homens são dos manes, e há quem use a palavra para se referir a pessoas do sexo feminino também, o que me fez rir muito quando ouvi pela primeira vez. Amigo é fren (de “friend”), e o plural, frenes.
Influências de outros povos
Já do francês veio o “buco”, que é um panamenhismo para beaucoup, que quer dizer “muito”. E da China, chen-chen (do mandarim “chien”) gíria para dinheiro, esta menos usada que as expressões em inglês. Eu só a ouvi na rua, escutando conversa de desconhecidos – um dos meus passatempos favoritos, confesso (mas também uma boa maneira de conhecer a cultura local).
Mesmo tendo recebido um bom número de africanos que foram escravizados pelos colonizadores espanhóis (em número muito menor que os portugueses, é bom ressaltar), a cultura destes povos não é tão visível no Panamá. Há quem diga que isso aconteceu porque os negros aceitaram a cultura do colonizador, abandonando quase que totalmente as originais.
Deles vêm a expressão chombo (negro), que pode ter um sentido pejorativo (como aquela palavra começada com “n” do inglês, ou o igualmente horrível “criolo” do português), mas há famílias e amigos que se tratam como “chombo”, “chombito” e até “chombi”. Tudo é uma questão de contexto.
Outra palavra africana que tem um significado (a meu ver) bem preconceituoso aqui é congo, que é “tonto”, “bobo”, “idiota” ou até “burro”. Já ouvi de mais de uma pessoa que fulano de tal só faz congueces (besteiras ou idiotices), frase que lembra uma outra brasileira tão racista quanto esta, mas que eu me nego a repetir aqui (vocês sabem qual é).
Congo (país da onde veio a maior parte dos escravos que por aqui chegaram) também é o nome de uma dança folclórica típica da região de Colón, onde a comunidade negra panamenha é maior e seus traços culturais, mais marcados. Lembra um pouco as Folias de Reis ou Reisados que temos em todo o Brasil, mas sobre isso eu falo para vocês em um outro dia.
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Das ruas para a dicionário
Nas grandes cidades, os idiomas sempre sofrem transformações de acordo com com o tipo de comunidade, a religião e a tendência cultural de cada grupo que o fala. Assim explica-se a origem das gírias do hip hop norte-americano, o lunfardo argentino e o vesre uruguaio, estes dois últimos muito relacionados com as origens do tango, no início do século XX.
Aqui no Panamá há um correspondente desses dois “dialetos” platenses, que têm como base a inversão das palavras ou sílabas para a criação de um novo vocábulo. Este microdialeto não tem um nome, apenas aconteceu e foi incorporado pela espanhol falado aqui.
¿Qué xopá? é uma das mais conhecidas expressões do espanhol panamenho. Você a ouve o tempo todo, em qualquer lugar onde estiver. Há até camisetas e outros suvenires com esta frase impressa, para quem vem visitar o país e não quer se esquecer da frase icônica, que é a inversão do verbo da frase ¿Qué pasa? (o nosso “E aí?”) usado em outros países de fala hispânica. O “x” no lugar do “s” é o toque especial local.
Outras palavras que você vai ouvir de vez em quando e seguem a mesma construção é llesca (“calles”, “ruas” em português) e mopri (primo, tanto em espanhol quanto em português). São gírias usadas mais pelos adolescentes e jovens que por adultos.
Eu já falava espanhol desde a adolescência e viajei muito pela América Latina e Espanha ao longo da vida, e notar estas diferenças sempre me fascinou. Acredito que conhecer bem a língua do lugar onde você vai viver ou vive é mais que uma questão de sobrevivência, é uma mostra de respeito e de intenções de integrar-se.
Por isso, se você vem morar aqui no Panamá, esteja preparado para usar muitas destas expressões que citei aí em cima e muitíssimas outras que não couberam neste texto. ¡Ven y sé happy! Venha e seja feliz!