Dois anos de Panamá: o que mudou desde então?
No último dia 27 fez dois anos que eu e meu marido viemos morar no Panamá, munidos de sete malas, um tanto de curiosidade e outro bocado de desconfiança. Não era uma decisão tomada com o coração, mas com a razão. E o que mudou desde 2017, na minha vida por lá (escrevo este artigo do Brasil, onde estou passando uma temporada), no país e na minha visão sobre a vida naquele lugar?
Como já contei por aqui algumas vezes, fomos para lá por que a empresa onde meu marido trabalha transferiu todo o departamento em que ele atuava aqui em São Paulo para o país centro-americano. Não houve tempo para reflexões mais profundas sobre os porquês de nos mudarmos: o jeito era preparar tudo para a nossa ida, o mais rápido e prático quanto possível.
Vivíamos uma vida tranquila e estável, e minha época de grandes mudanças ou de morar no exterior (o que eu fiz aos 20 e poucos anos, na Espanha) parecia haver ficado para trás. Mas a vida tem suas próprias escolhas, queira a gente ou não.
Era a hora de abrir coração e cabeça para o desconhecido, coisa que eu confesso ter tido muita dificuldade de fazer ao longo do nosso primeiro ano neste pequeno país entre as Américas Central e do Sul. Mesmo já tendo viajado muito pela América Latina, sendo fluente em espanhol e já tendo vivido no exterior antes, foi um aprendizado bem mais doloroso: me deparei com um país bem diferente do que eu esperava, habitado por uma maioria de gente fechada, conservadora e muitas vezes preconceituosa.
Logo em seguida, o encontro com o trânsito caótico, a carrocracia e a ausência de transporte público – e até de calçadas em diversas partes da cidade, como também já contei por aqui – me fez consolidar o sentimento de desencanto por viver ali.
De cara, Panamá continha todas as coisas que eu abomino em uma cidade, além de ser tão desigual e injusta como as metrópoles latino-americanas e brasileiras. Muitos brasileiros e outros estrangeiros que moram lá fingem não ver isso por transitarem apenas nas partes mais nobres da cidade, mas há, sim, tudo isso e muitos mais por lá. Nem tudo é carrão e bairro nobre na capital panamenha, e talvez isso seja o mais interessante daqui: é da mescla com gente da cidade, a “gente de a pie” (as pessoas comuns) que saem as mesclas mais interessantes, cultural e humanamente falando.
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Uma coisa que me causa muito incômodo é que no Panamá muitas vezes você tem de sair com antecedência de 2h para se ir a um lugar que fica a cinco quilômetros de distância, porque o risco de ficar preso no tranque (gíria local para congestionamento) é enorme. Além disso, iir andando durante o dia a um lugar que está a duas quadras equivale a entrar dentro de um forno de pizza, nesta época do ano. As noites felizmente são mais amenas.
Junte-se à minha decepção as minhas muitas tentativas de fazer amizades com locais, brasileiros e estrangeiros de outras origens que não deram em nada, ou melhor, reforçaram o meu sentimento de não pertencimento àquele lugar.
Eu não circulava bem em nenhum ciclo, estava num país tropical que, diferente daquela imagem que existe sobre os latinos, era povoado por pessoas que parecem estar aborrecidas o tempo todo, e estava sem trabalho, coisa sempre importante para mim. Felizmente no último ano voltei a trabalhar para uma algumas empresas brasileiras à distância, e isso melhorou muito a minha vida, em todos os sentidos.
Meu primeiro ano foi aproveitado com estudos, leituras e tentativas de entender o meu entorno, como sempre fiz em todos os lugares nos quais vivi ou estive. E confesso que muitas vezes senti que estava armado o circo para uma depressão, que graças a muito autocuidado e ajuda de família e marido não veio.
A decisão de fazer do limão pequenas doses de limonada
No segundo ano (2018) saí do Brasil depois do Ano Novo focada em não me preocupar com o preconceito dos panamenhos, brasileiros e latinos de outras paragens que vivem por lá, que insistem em nos colocar em caixinhas e mostrar-se como “famílias perfeitas, bem-sucedidas e felizes” em redes sociais e encontros casuais.
Resolvi que apenas tentaria viver da melhor forma possível, cuidar de mim e dos meus, sem deixar de ser eu mesma, sem me esforçar para ser aceita em grupos que claramente não eram os meus.
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Também deixei de me sentir chateada por ser olhada na rua de um jeito esquisito porque não estou sempre arrumada, não tenho carro e ando a pé e de bicicleta sempre que possível (quando o calor está, digamos, normal).
Desisti de tentar fazer amizades, mas por sorte acabei conhecendo um minúsculo grupo de pessoas com ideias parecidas às minhas, que se tornaram nossos amigos.
Mas insisto na minha convicção de não me misturar com pessoas com visões de mundo opostas às minhas, porque sei o efeito devastador que isso tem sobre mim. Pode parecer um pouco exagerado para muita gente, mas cada um entende quais são os seus limites, e neste tempo entendi que alguns são intransponíveis.
Eu mudei, o Panamá também
Hoje me sinto um pouco mais à vontade no Panamá. Muito se deve à aceitação irrevogável da mudança, que infelizmente se deu por uma via muito mais dolorosa que para muita gente que mora lá. Este novo estado de ânimo se deve também ao fato de me sentir mais segura e confiante quanto a quem eu realmente sou, acredito e valorizo.
Passei a me apegar a coisas legais que há por lá, como conhecer todo o possível da cultura local, ir a exposições, ver filmes e shows quando possível (são raros) e também ser menos reativa quanto ao jeito fechado e pouco afetuoso de parte dos panamenhos. Hoje posso dizer que estou mais relaxada para absorver o que aprendo com e sobre eles, sem julgamentos.
Como o turismo interno é caro, temos aproveitando para conhecer alguns lugares no Caribe e outros lugares da América Latina, como o México e a Colômbia, o que era muito mais caro de se fazer saindo-se do Brasil. Lembro que sempre olhava os preços das passagens, da hospedagem, fazia as contas e acabava indo para a Europa, para ver minha família e amigos que vivem por lá.
Vale dizer que nestes dois anos o país mudou, também. A vida por lá está bem mais cara que quando chegamos: nossas compras de supermercado semanais, que antes não ficavam em mais de 60 USD, hoje saem por 100, comprando-se os mesmos produtos. Sair para se divertir, comer e beber também ficou mais caro, fazendo com que este hábito se tornasse mais restrito para a gente.
Muitos estrangeiros foram embora, muitos chegaram, e eu percebi que aquela antipatia dos panamenhos pela gente muitas vezes nada mais é que desconfiança, por acreditarem que todos estão ali de passagem e querendo “aproveitar-se” do país deles.
Se a gente olhar para a história do país, que foi saqueado por franceses, ingleses e, depois, explorado por décadas pelos americanos, tudo fica um pouco mais compreensível, e você passa a encará-los com mais respeito e empatia.
Não sei quanto tempo ainda viveremos na América Central, mas espero de coração que este terceiro ano que começa agora seja mais leve, tranquilo e rico em aprendizagens que os dois primeiros.
E a todas vocês, mulheres que por escolha própria, por amor ou pelo motivo que seja também estejam nesta missão de adaptar-se ao novo lugar onde estão vivendo, eu desejo um 2019 calmo e compreensivo, principalmente com vocês mesmas.
Este é meu texto de despedida no BPM e queria deixar com ele um conselho a tantas mulheres incríveis que aqui conheci e vivem dilemas parecidos aos meus: não somos supermulheres que devem ser perfeitas em tudo, no mínimo tempo possível. Há que se respeitar o tempo para cada passo na vida, tempo este que, como dizia a música do Caetano Veloso, tem um movimento preciso e uma sabedoria infinita. Até!
6 Comments
Ana foi um prazer ter trabalhado com vc e seguramente temos muito em comum……me identifiquei totalmente com o seu artigo e qdo tiver a oportunidade de ir ao Panamá procurarei por vc para tomarmos um café!
Paula, digo o mesmo de você! Se passar por aqui me avise, sim! Seguimos em contato no Face e precisando estou sempre às ordens! Um beijo e boa sorte pra vc e sua família! 😉
Oi! Eu tenho uma curiosidade, o pessoal ai não fala muito que vc não se parece brasileira por causa da sua aparência?? Não pq tem alguns gringos que acha que no Brasil td mundo é negro kkk
Oi! Quando eu morei na Espanha isso era constante, o que considero uma absurda ignorância. Aqui sempre me perguntam se eu sou italiana ou portuguesa, mas acho que é porque meu acento falando espanhol é diferente do dos brasileiros. A gente pensa que todo mundo sabe alguma coisa sobre o Brasil, na verdade isso é uma grande ilusão. Abraços!
Oi, eu estou fazendo um trabalho a nível técnico sobre o país e não acho muita informação, talvez você me possa ajudar.
Como é a etiqueta/código de comportamento no Panamá?
Olá Pâmela,
A Ana Rodrigues infelizmente parou de colaborar conosco, mas temos outra colunista no Panamá chamada Carolina Giundice que talvez possa te ajudar.
Você pode entrar em contato com ela deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM