Em agosto do ano passado, fomos convidados por um casal de amigos nossos do País Basco para a semana grande de Bilbao, chamada de Aste Nagusia em euskera. Eu já contei em outro post que a Espanha, além do espanhol, tem outras línguas oficiais e o euskera é a língua falada no País Basco. Dizem, inclusive, que é uma das línguas mais antigas do continente Europeu, motivo pelo qual em alguns momentos eu vou usar palavras em euskera, já que elas trazem os nomes tradicionais e utilizados no local durante a celebração das festas.
Eu ainda não conhecia Bilbao, e um final de semana na cidade foi o suficiente para eu me apaixonar pelo local. Bilbao, sede do Museu Guggenheim, é uma cidade linda e limpa, que conta com uma culinária extraordinária (é o local na Espanha com uma grande quantidade de restaurantes que tem estrela Michelin) e os bascos são apaixonados pela sua terra e cultura.
A Aste Nagusia dura nove dias e acontece no fim de agosto. É muito comum as Comunidades aqui na Espanha terem suas festividades, como por exemplo as Fallas em Valência. A festa começa oficialmente com uma queima de fogos (txupinazo), momento em que a mascote da festa, Marijaia, entra pelo balcão do teatro onde ocorre essa cerimônia de início das festividades.
Ao longo desses nove dias, a cidade é tomada por uma série de celebrações, com atividades para pessoas de todas as idades: as atrações vão da celebração da música e danças locais a atividades como corte de troncos, arremessos de pedras, além das barracas com comidas e atividades para as crianças.
Nós estivemos em Bilbao apenas para as festividades do final de semana e aproveitamos mais os eventos noturnos com nossos amigos. Como não poderia ser diferente, nossas noites começavam com a queima de fogos artificiais, inclusive até isso é uma competição e cada empresa é responsável por uma queima. A mais bonita que vi foi por acaso: estávamos atrasados para chegar até o local onde aconteceria a queima e tivemos que vê-la no meio do caminho, na ponte sobre o rio e com o Museu Guggenheim ao fundo.
Depois dessas queimas, nos dirigimos aos shows que aconteciam ao lado do Museu, sempre com bandas espanholas (os espanhóis gostam muito de rock e celebram muito as bandas locais). Nesse local já é possível sentir o clima da festa e as diversas barracas para venda de comidas e bebidas. Foi na Espanha que eu fui apresentada ao Kalimotxo, drink feito com vinho e coca-cola, muito popular principalmente entre os mais jovens (e pessoas como eu, que não gostam muito de cerveja e preferem algo mais doce).
Assim que os shows acabam (ou antes mesmo de acabar), as pessoas se dirigem a uma região destinada a continuidade das festividades, à beira do rio que passa pela cidade, em um local chamado “El Arenal”. Nesse local são montadas uma série de barracas, chamadas txosnas, com muita música, comidas e bebidas.
Quando eu digo uma série de barracas, imaginem algo imenso. Cada txosna é montada por um bairro ou comitiva a seu próprio gosto, não se paga nada para entrar no local e aproveitar as músicas, paga-se apenas o que se consome. Se você não estiver gostando do tipo de música que toca em um local, é possível trocar de txosna, ou então aproveitar para passar um pouco por todas.
Mais do que bebidas e música, as txosnas trazem muitas mensagens políticas e sociais. Como disse no inicio do meu texto, os bascos são um povo muito orgulhoso de sua história, raízes e muito envolvidos politicamente. Para os que conhecem um pouco da história da Espanha, o ETA era uma organização terrorista que tinha, além de outros ideais, o da independência do País Basco. Ele foi fundado durante o regime franquista na Espanha, em 1958, para então, em 2011, anunciar o fim de suas atividades armadas e neste ano entregar suas armas à França.
Durante as atividades do ETA, muitos de seus membros foram presos pelo governo espanhol, em cooperação com o governo francês, e estão presos até hoje em diversos presídios do país.
Fiz essa pequena explicação histórica sobre o ETA para explicar que até hoje a causa ainda é presente entre os bascos. Nem todos concordam com a independência do País Basco, mas foi possível encontrar em muitas txonas (e encontrar também essa opinião entre muitos bascos), mensagens exigindo que os membros do ETA que ainda estão presos, pudessem cumprir o restante de suas penas em presídios no próprio País Basco e próximos a suas famílias. É uma questão muito polêmica e que eu quis entender um pouco mais ao conversar com o pessoal de lá.
Além dessas mensagens, quando estivemos no local encontramos também diversas mensagens feministas (já contei em outra ocasião que a Espanha é um país com alto índice de o que aqui se chama “violência machista”) e de boas-vindas a imigrantes e refugiados. Aliás, encontramos até uma txosna, que é típica basca, de imigrantes africanos, com suas próprias músicas e cultura.
A Aste Nagusia termina com a Marijaia sendo queimada à noite, a bordo de uma espécie de barco que é montado para que ela possa ser queimada no rio. Infelizmente, perdemos essa parte do evento, que pela descrição de nossos amigos parecia ser muito bonita, pois tínhamos que retornar à Valência.
O que mais me impressionou durante as festas é como a prefeitura local cuida da cidade. Muitas vezes saíamos das txonas pela manhã, momento em que já estavam todos limpando o lixo e as ruas (não é apenas no carnaval do Rio de Janeiro que as pessoas urinam na rua, é impressionante a quantidade de gente fazendo isso ali, mesmo com os banheiros químicos instalados), e voltávamos ao local à tarde e já não tinha mais nenhum lixo no chão e as ruas cheiravam a limão.
Pretendo voltar quantas vezes eu puder para essa festividade e recomendo que, quem tenha a oportunidade de estar na Espanha nessa época, passem por Bilbao para conhecer a Aste Nagusia, seu povo, sua cultura e essa cidade maravilhosa.