Balanço do meu primeiro ano no Canadá.
Desde que comecei a colaborar com artigos mensais para o BMP, imagino escrever o texto de hoje: um balanço sincero e real de como foram os meus primeiros meses em Toronto. A cabeça sempre pensou em mil ideias, coisas para contar e compartilhar e o texto me parecia relativamente fácil de “nascer”, mas preciso confessar que este está sendo o mais difícil até hoje.
Não que seja difícil escrever sobre a minha vida aqui. Ela é boa, promissora, cheia de descobertas constantes e uma admiração, cada dia maior, pelo país que escolhi viver. É que, na verdade, fazer este balanço envolve mexer numa gaveta de sentimentos e experiências que, de alguma forma, estão guardadinhos na rotina corrida dos meus dias de imigrante.
Acho que posso começar contando que o saldo desta minha aventura, até o momento, é bem positivo. Fizemos tudo como achávamos que era certo, de forma calculada (dentro do possível, claro), planejada e de coração aberto. Eu e a minha família nos adaptamos facilmente à vida em Toronto. Gostamos da forma como a cidade funciona, da rotina, das misturas étnicas e culturais, do frio extremo no inverno e do calor insuportável no verão.
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Aliás, é impossível começar a fazer qualquer balanço sem passar pela questão climática. Tive a oportunidade de viver as quatro estações como nunca tinha vivido antes: a lindeza da neve e a dureza do inverno já no seu final, as flores que nem conhecia na primavera, o calor quase inacreditável e a vida borbulhante da cidade no verão, e as mil cores e paisagens do outono. Só isso seria motivo para escrever um artigo inteiro!
Meu college de graphic design, que começou em janeiro de 2018, está chegando à metade do seu tempo. É quase que estranho pensar que outro dia mesmo eu estava começando e agora estou a cerca de um ano e meio de receber meu diploma de graphic designer. Tem dias que não é nada fácil, tem trabalhos que dá vontade de jogar tudo para o alto, mas no fim das contas eu me vejo cada vez mais envolvida na profissão que resolvi abraçar após os 40, o que me faz sentir como uma garotinha, muitas vezes.
Meus filhos, hoje com 6 e 12 anos, estão super adaptados à rotina. Gostam da escola, dos amigos, sabem andar pela cidade, têm suas preferências e já me corrigem no inglês. E olha que, modéstia à parte, meu inglês é bom! Eu nunca tive muitas dúvidas quanto à adaptação deles, mas confesso que a cada dia que passa me sinto mais e mais orgulhosa de como eles lidaram com toda a mudança de vida.
Nem tudo acontece como imaginamos, claro. Meu marido foi contratado para trabalhar em Montreal, outra província, outra língua (francês, oficialmente) e 5 horas e meia de distância. De repente, nós que nos distanciamos da família e amigos do Brasil, nos vimos obrigamos a nos distanciar, também, entre a gente. Até terminar o college eu não tenho como sair de Toronto e nós vamos, por enquanto, mantendo a rotina de ficar longe durante a semana e nos vermos nos finais de semana. Não é fácil e nem o ideal, mas é o que temos para hoje e encaramos como um degrau a mais no nosso processo de fincar os pés, de vez, por aqui.
Em relação a Toronto, me sinto bem confortável. A cidade é acolhedora e diversa e eu me locomovo por ela como se a conhecesse há bastante tempo. Dirigir para vários lugares sem o GPS é uma sensação bem gostosa e que me faz sentir em casa. Quando me pedem uma informação na rua e eu sei responder, então… que coisa boa! A segurança de viver num lugar com baixa taxa de criminalidade (ainda mais se comparado ao Brasil) é indescritível e traz uma liberdade e uma leveza que são meio difíceis de explicar.
Não me engano, entretanto. Sei que sou imigrante e que sempre serei, mesmo sendo o Canadá um país extremamente aberto. Perceber as mudanças que acontecem no Brasil, estando de fora, dá uma sensação de alívio e, ao mesmo tempo, impotência. Bem complicado de mensurar. É fato, porém, que de longe fico aqui torcendo para que o meu país ache seu melhor caminho, seja ele qual for. Gosto e quero continuar a viver no Canadá, mas sou brasileira, foi lá que eu e meus filhos nascemos e é lá que estão muitas das pessoas que mais amo.
Falando nelas, essa é a parte que dói, apesar da minha dor ser até controlada. Uma amiga diz que eu sou meio fria nesse ponto, mas é que de alguma forma estou aqui com a família que construí. E as decisões não são só por mim, mas principalmente por eles, o que torna as coisas mais fáceis. Tive nesse ano a visita deliciosa do meu pai e depois da minha mãe. Passeamos muito, matamos bastante a saudade. É muito legal poder mostrar a quem amamos como as nossas escolhas estão funcionando, como estamos dirigindo a nossa vida no meio do desconhecido. Mas sei que, de alguma forma, a saudade dói mais neles do que em mim, pois a minha vida aqui ainda é novidade, ainda tem mais surpresas e ao ir embora, eles retornam à rotina de antes, que tinha a gente por perto e hoje não tem mais.
Recentemente nasceu minha primeira sobrinha, a Carolina. Eu passei a gestação dela toda acompanhando daqui de longe e querendo muito fazer um carinho na barriga da minha cunhada. Passei a madrugada em que ela nasceu em claro, não consegui pregar o olho e quando vi seu rostinho pela primeira vez, tudo o que eu mais queria era me teletransportar, abraçar meu irmão e pegá-la no colo. E não poder fazer isso doeu muito. Acho que pela primeira vez chorei pensando no “e se eu estivesse lá”…
Mas não deu para estar essa vez. As perdas e ganhos farão parte da minha vida para sempre e cabe a mim o jogo de cintura de equilibrar essa balança e tentar ver “o copo sempre cheio”. Falando ainda sobre a Carolina e no “e se eu tivesse lá”, logo me peguei pensando que eu serei a tia que mora perto da neve, onde ela poderá passar férias inesquecíveis e que o amor verdadeiro não mede distância. E, felizmente, temos o FaceTime para ela ouvir minha voz e ir me conhecendo mesmo de longe.
Chego ao final deste texto sabendo que não escrevi metade do que devia ou podia, que a vida aqui tem me proporcionado experiências tão ricas e incríveis que são até difíceis de contar. Sei que o tal “e se” que falei antes, uma vez ou outra vai aparecer na minha frente e me desafiar. Mas posso dizer que esta jornada, até agora, tem valido cada segundo e que eu faria tudo de novo, do mesmo jeito. Hora de manter a vida andando para frente e começar a pensar no que vou escrever no meu balanço de dois anos de Canadá.
7 Comments
Mais um excelente texto Flavia! Resumiu bem essa montanha-russa de emocoes. Abs, Fabio.
Obrigada por sempre ler os textos, Fabio! 🙂
Obrigada pelo texto maravilhoso, foi muito bom ver que outras pessoas pensam em mudar a vida após os 40. Estou me preparando para iniciar essa mesma jornada no próximo ano, mudar de vida, profissão e levar saudade.
Obrigada por compartilhar suas experiências de forma tão sincera.
Obrigada pelas palavras, Taís. Quando eu tava no meu processo de preparação (e ainda hoje) encontrei tantos depoimentos bacanas e dicas de pessoas que estavam no mesmo barco, que fico muito feliz em poder retribuir um pouco. Boa sorte na sua aventura! Tenho certeza de que será inesquecível.
Obrigado pelo texto. Tenho 25 anos e pretendo sair do Brasil e o Canadá me parece uma ótima escolha. Ainda falta um pouco de coragem, mas sobretudo, por conta das dúvidas e acho que seus textos poderão supri-las. Abraços.
Boa noite, finalmente achei um artigo que falou bem próximo da minha realidade, quer dizer… futura realidade. Obrigada por me ajudar! Vou ler mais seus posts. Abraço!
Oi, Helen! Que bom que você gostou do texto. Espero que se identifique com outros também. Boa sorte no seu processo!