COVID-19: a quarentena em Toronto
Prestes a completar dois meses de distanciamento social em Toronto, eu finalmente tomei coragem para escrever este texto. Aliás, não sei bem se a palavra certa é coragem, mas é fato que por diversas vezes me peguei pensando no que escrever, e era tanta informação e dúvidas na cabeça, que eu não sabia se esse texto sairia bom.
Dia 13 de março de 2020 foi o último dia que tivemos uma vida “normal” por aqui. Último dia de aula das crianças, de natação, de academia, último dia de trabalho na sede da empresa, aula na faculdade e de visita à quiroprática. O clima já estava ficando tenso há semanas, vária pessoas já usavam máscara e luvas nas ruas e o mercado foi ficando com prateleiras vazias.
Desde então, vivemos tempos complicados, assim como em todo o resto do mundo. O Canadá, por ser um país territorialmente imenso, pode encarar com uma certa diferença o crescimento da doença em suas províncias, mas é certo afirmar que Quebec e Ontário, onde moramos, são os lugares com mais incidência do Covid-19 no país, sendo que em Quebec os números passam do dobro dos encontrados aqui em Ontário.
Até o dia que estou escrevendo este texto, sábado, 9 de maio, o país conta com quase 68 mil casos da doença, pouco mais de 31 mil curados e 4.693 mortos. O número, certamente, não é maior por ter havido, ao meu ver, ações sérias e energéticas do governo, apesar de alguns canadenses reclamarem que as autoridades demoraram muito a fechar as fronteiras, por exemplo.
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O fato é que a vida mudou completamente. Cerca de dois milhões de pessoas perderam seus empregos, ao menos temporariamente. Um outro número enorme de pessoas está trabalhando de casa e/ou teve sua jornada e salários reduzidos para acomodar a crise. Lojas estão fechadas e apenas mercados, farmácias e comércios considerados essenciais estão abertos. Em alguns, só entramos de máscara e numa quantidade limitada de pessoas a cada vez. Em outros, apenas comprando online e passando para pegar, o que aqui chamam de curbside. Tem sido dessa forma, inclusive, que eu compro ração e areia para o Oreo, meu gato. As lojas de animais são consideradas essenciais, mas estão evitando abrir as portas de maneira convencional.
Em resposta à imensa crise econômica, o governo criou diversas frentes de ajuda: facilitou o auxílio desemprego, criou um auxílio emergencial para as pessoas que foram dispensadas (ou que têm que cuidar de parentes doentes por conta do Covid-19), aumentou o subsídio para os pais com filhos em idade escolar, aumentou o crédito à pequenas empresas, promoveu aumento de salário para funcionários da linha de frente, auxiliou estudantes universitários que não conseguirão trabalhar no verão deste ano, forneceu Ipads para alunos de escolas públicas que não tinham como ter aulas online de casa, entre tantas outras medidas. Claro, que existem falhas e nem tudo é perfeito, mas eu achei a resposta bem importante e conheço diversas pessoas que puderam se beneficiar da ajuda, crucial em momentos como esses.
Diariamente o Primeiro Ministro Justin Trudeau e o Governador da província de Ontário, Doug Ford, fazem aparições na TV para dar as últimas notícias, informar sobre ações futuras, anunciar ajudas emergenciais ou, apenas, dar uma palavra de conforto à população. É curioso observar que os dois são de partidos opostos e, numa situação emergencial como essa, vemos políticos trabalhando em prol do país e dos cidadãos. Como deve ser, não é?!
De maneira mais particular, aqui em casa, fomos afetados por diversos lados. Meus filhos, assim como todas as crianças, estão tendo aula online, o que não é exatamente uma aula. O mais velho, de 13 anos, tem encontros semanais pelo zoom com a turma e bastantes exercícios. O caçula, de 7, tem atividades que os professores mandam e os pais devem ajudar a organizar a rotina. Essa parte tem sido puxada, pois eu não tenho didática nenhuma, preciso confessar.
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A formatura do mais velho, que vai para o high school daqui a alguns meses, não deve acontecer. Eu entreguei a minha tese do college apenas de forma digital. O evento que acontece todo ano para mostrar nosso trabalho à indústria de design gráfico foi cancelado, o que é bem ruim para os recém-formados, que ali podiam fazer contatos e conseguir emprego. A formatura foi adiada e deve acontecer somente em outubro. Eu fiquei bem chateada com essa parte, pois após três anos de estudo, numa segunda faculdade, estava bem empolgada para comemorar da melhor forma essa conquista.
Meu marido tem trabalhado de casa e isso tem sido um tanto desafiador, pois moramos num apartamento pequeno e manter os meninos tranquilos o dia todo, tentar seguir uma rotina é uma tarefa das mais difíceis que já tive. Aliás, já tive dias com muito sono e cochilos e outros com muita insônia, passando a noite em claro. Crises de pânico, choro e dias de beber e rir muito com as amigas pelos papos virtuais. E assim nós vamos levando… Para completar, minha mãe passaria um mês conosco agora em junho e teve que suspender sua viagem, ainda sem data a remarcar. É que além do vírus, está proibida a entrada de estrangeiros no país até, pelo menos, final de junho.
Com os dois meses de quarentena, enfim, começamos a ver um pouco de afrouxamento nas regras de distanciamento, à medida em que os números de casos e internações, finalmente, começam a baixar. Parques que estavam fechados devem reabrir nesta semana (apenas para caminhada, brinquedos ainda estarão lacrados). Até então, multas estavam sendo distribuídas para quem burlasse as regras, e aos poucos o governo vai adicionando mais atividades à lista dos que podem voltar a funcionar. O impacto no comércio é imenso, e muita gente faz campanha para incentivar pedir comida pelos aplicativos em restaurantes locais, para tentar sustentar os empresários menores. De uma maneira geral, vejo o povo canadense engajado e com um senso grande de comunidade, com vizinhos oferecendo ajuda para compras, costureiras criando e doando máscaras para trabalhadores da linha de frente, etc.
A temperatura começa a esquentar e a grande pergunta que fica no ar é quanto tempo mais a população vai aguentar ficar em casa. Afinal, foram mais de seis meses de inverno congelante e tudo o que o canadense mais quer é a aproveitar o verão. Eu, particularmente, acredito que por mais afrouxamento que tenhamos, as coisas ainda vão demorar muito para voltar ao normal, mas quero acreditar que estamos mais perto do fim desse pesadelo e que o pior já passou. Por enquanto, é seguir fazendo a nossa parte, cumprindo o distanciamento estabelecido e ter paciência e força para encarar os dias difíceis que ainda podem estar pela frente.
É isso! Fiquem em casa! Stay home!