Cabane à Sucre – Prenúncio de Primavera no Quebec
Para quem vive no hemisfério Norte e em locais de inverno rigoroso, como é o caso de Québec, posso afirmar sem sombra de dúvidas: a primavera é a estação mais esperada de todas. Basta virar 21 de março que as perspectivas mudam, o humor melhora e cada dia que passa o Sol se faz cada vez mais presente. É bem verdade que na prática leva um tempinho para voltar a ver o verde das árvores. Mas para além da passagem do calendário, no prenúncio de primavera, existe uma tradição canadense que marca definitivamente a sua chegada e ela se expressa fisicamente na forma de uma cabana de açúcar, aqui conhecida como cabane à Sucre. Esse mês eu conto para vocês um pouco sobre a história dessa tradição e por que vale a pena conferir… pelo menos uma vez!
Breve história das cabanas e das árvores de seiva açucarada
O termo cabane à sucre (ou érablière ou sucrerie) diz respeito ao local onde se fabricam produtos de uma árvore que se chama Maple tree (em inglês) ou Érable (em francês). Vou manter os termos estrangeiros porque em português talvez não diga muita coisa para a grande maioria dos leitores: árvore de ácer ou bordo. Biólogos, botânicos, agrônomos e agregados entenderão.
Quando as temperaturas se elevam acima do ponto de congelação e que o sol aquece a copa das árvores, uma seiva rica de açúcar do inverno começa a correr pelo tronco e pelos ramos da árvore, lhe trazendo um novo vigor. A árvore de érable ou maple tree é a que possui a seiva mais açucarada.
Foram os povos autóctones (indígenas locais) que transmitiram esses conhecimentos aos primeiros colonos europeus. O povo Ojibwés chama este período de açúcares de lua de érable ou mês do açúcar. O tempo em que essa água de érable escorre das árvores dura justamente 4 semanas. O período de colheita da seiva acontece entre março e abril.
O principal produto da cabane à sucre é o xarope extraído das árvores de mesmo nome, mais conhecido mundo a fora como maple syrup ou sirop d’érable. A cena é clássica nos filmes americanos em que panquecas cobertas por maple syrup são feito queijo e goiabada, ou seja, a dupla inseparável do café da manhã dos campeões. Quem nunca quis comer uma torre de panquecas cobertas por aquele molho parecido com caramelo, mirtilos e frutas vermelhas acompanhando?
O fato é que o maple syrup é a vedete, mas o processo de extração da seiva de primavera para posterior fabricação do produto final é o aspecto mais marcante desta tradição que levou diversas famílias a construírem cabanas para este fim. As cabanas começaram a surgir no início do século XIX e continuam existindo como uma atividade artesanal e tradição popular típica do Québec, embora possam ser encontradas em outras regiões do Canadá e dos Estados Unidos. Naquela época era um meio de subsistência mas também a única forma de adoçar os alimentos.
As famílias que ainda possuem suas cabanes à sucre para consumo próprio são mais raras atualmente e a produção nesses casos é mais rudimentar. Algumas abrem suas propriedades para o grande público, chegando a servir três refeições à base de maple syrup por dia, nos fins de semana. A procura é grande e sempre deve ser feita a reserva antes de aparecer. Falemos então das gordices envolvidas.
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Os pratos tradicionais da ruralidade ancestral québécoise
O inverno é rigoroso e, às vezes, boa parte do conforto de que precisamos pode vir de comidinhas gostosas porém calóricas. Independente das questões mais, digamos, estético-nutricionais, todos hão de concordar que uma bela refeição farta em família ou entre amigos é sempre bem-vinda. Essa é a parte acolhedora da experiência cabane à sucre.
O ambiente é rural e extremamente simples, afinal as cabanas acabam formando pequenos sítios afastados dos grandes centros urbanos. As salas de refeição possuem mesas grandes e bancos compridos ao invés de cadeiras. Isso quer dizer que todos são convidados a dividir a mesa e literalmente sentarem-se lado a lado.
Cada mesa tem um garçon ou garçonete exclusivo, que mantém os pratos e as xícaras devidamente cheios. A comida servida é igualmente simples, não tendo nada de frescura. Os pratos tradicionais são compostos de omelete, presunto, batata, feijão, bacon e carne de porco defumada. Muitas famílias produzem a maioria dos insumos utilizados localmente. Tudo isso regado a maple syrup, é claro! Um pré-requisito é apreciar comidas agri-doces, embora seja possível não acrescentar o xarope em tudo que você vê pela frente. Como sobremesa, panquecas e a tradicional tarte au sucre, que nada mais é do que uma torta de maple syrup, essa por sinal doce que nem sei. Para quem tem diabetes, talvez não seja exatamente a melhor das idéias.
Vive la campagne! Viva o campo!
Depois das refeições, os visitantes são convidados a participarem de outras atividades típicas do campo, como serrar um troco em duplas o mais rápido possível, fazer um passeio guiado pela propriedade ou conhecer as instalações para produção do maple syrup.
O que não dá pra perder é o famoso tir d’érable, quando o xarope aquecido é jogado numa bacia cheia de neve e esse choque térmico faz com que ele se transforme num caramelo que a gente recolhe com palitos e come como se fosse um pirulito. Recomendo dosar bem o consumo de açúcar para chegar até o final da experiência.
Aqui em Québec existe a expressão Se « sucrer le bec », que significaria adoçar o beiço numa tradução livre. Visitar uma cabane à sucre é não apenas uma ocasião de passar um tempo em família, mas marcar o fim dos longos meses de inverno.
Para quem quiser pesquisar as opções de cabane à sucre no Québec, visite estes sites Cabanes a Sucre (francês) e Quebec Region (inglês)