No dia 6 de dezembro de 2016, a Finlândia divulgou, oficialmente, os resultados alcançados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos, conhecido pela sigla PISA, de 2015. O Programa é uma pesquisa internacional trienal que visa avaliar os sistemas educacionais básicos em todo o mundo. Em 2015, 73 países foram avaliados. A primeira avaliação foi feita no ano 2000, portanto, esta é a sexta edição.
A Finlândia sempre ocupou posição de destaque no PISA que, a cada triênio, avalia os conhecimentos gerais de alunos de 15 anos de idade em ciências, matemática e leitura e interpretação de texto, dando sempre maior ênfase a uma delas, num sistema de revezamento.
Desde o ano 2000, a Finlândia se mantém no topo, sendo que até 2009 os resultados se mantiveram, em sua maioria, nos dois primeiros lugares, principalmente entre os países membros da OCDE. Em 2012, sentimos a primeira queda mais considerável em matemática (de 1° para 6° entre os membros da OCDE e de 1° para 12° no ranking geral) – nas outras matérias não houve queda considerável neste período.
Em 2015, no entanto, apesar de se manter em 3° lugar em matemática e 2° em leitura, dentre os membros da OCDE e, respectivamente, em 5° e 4° nestas áreas no ranking geral, a queda em ciências em comparação com 2006, quando esta matéria esteve no foco, foi considerável: de 1° para 7° entre os países da OCDE e de 1° para 13° no ranking geral. Neste link você pode checar os resultados gerais da Finlândia em cada ano do PISA.
Importante mencionar que os questionários respondidos pelos alunos não abrangem somente perguntas referentes às matérias, mas também analisam dados sócio-econômicos, igualdade de gênero, estímulo, equidade regional do ensino, equidade no aprendizado entre alunos nativos e estrangeiros ou nativos com famílias estrangeiras, além de outras coisas. Portanto, as entrelinhas do PISA mostram muito mais do que simplesmente dados referentes à qualidade da educação, elas dão ferramentas para que se analise se os problemas que os sistemas educacionais apresentam têm suas raízes na qualidade do ensino, ou se os resultados são afetados pela realidade sócio-econômica e por fatores mais psicológicos do que técnicos. É possível obter informações mais precisas sobre o PISA e, inclusive, acessar a modelos de testes neste link. Para os resultados de 2015, 168 escolas finlandesas de norte a sul do país participaram do teste, sendo 6.431 alunos avaliados.
Mas o que o PISA vem mostrando à Finlândia? Houve queda na qualidade do ensino de 15 anos para cá?
Eu não acredito nesta hipótese. Levanto a bandeira de que os professores finlandeses mantém sua excelência e de que o sistema educacional ainda é um dos melhores do mundo, no entanto, as entrelinhas do teste, que mencionei anteriormente, mostram o quanto a crise econômica e as mudanças que a sociedade finlandesa vem enfrentando afetam o rendimento e o estímulo dos jovens. Algo realmente a se pensar.
O QUE AS ENTRELINHAS DO PISA NOS MOSTRAM:
- Problemas sócio-econômicos – Quem acompanha as notícias finlandesas sabe que estamos enfrentando uma crise econômica de desafios bem complexos para o governo. O PISA 2015 constatou que a bagagem cultural dos pais e a renda familiar, pela primeira vez afetaram consideravelmente os resultados dos alunos, um alerta importante que mostra que o nível da qualidade de vida do país diminuiu. Isso faz bastante sentido como uma das explicações para a queda nos resultados, principalmente se considerarmos que 2009 é o ano em que a crise começou a apertar e que foi neste ano, exatamente, que os resultados começaram a cair.
- Desequilíbrio considerável entre meninos e meninas – Os resultados das meninas avaliadas foram muito superiores ao dos meninos em ciências (meninas 2°/69 e meninos 10°/69) e leitura (meninas 1°/69 e meninos 7°/69). Considerando que a igualdade de gêneros é levada extremamente a sério por aqui e altamente estimulada desde a creche, esta discrepância nos resultados mostra que algo deu errado e os meninos parecem estar bem menos estimulados do que as meninas. Foi a primeira vez que isso aconteceu no teste e, curiosamente, a Finlândia foi o país que apresentou a maior diferença nos resultados entre meninos e meninas.
- Desigualdade na qualidade da educação entre regiões – A equidade na educação sempre foi o maior orgulho da Finlândia, chegando a quase 100%. Nesta última edição do PISA , no entanto, ela mostrou-se abalada. Houve uma discrepância considerável nos resultados dos estudantes da área metropolitana da capital quando comparados aos das áreas leste e oeste do país. Tendo em vista que a área metropolitana costuma ser a que tem mais dinheiro e um fluxo populacional maior, mais uma vez os fatores sócio-econômicos mostram como seu desequilíbrio afeta o sistema inteiro.
- Diferenças consideráveis nos resultados entre alunos imigrantes ou filhos de imigrantes nascidos aqui e alunos de famílias finlandesas: outro problema que chamou muito a atenção nos resultados foi essa divergência, o que, mais uma vez, nos atenta para a questão sócio-econômica. O histórico familiar das crianças afeta consideravelmente seu rendimento e a bagagem cultural dos pais também. Consideremos como algo a se pensar, o fato de que a população finlandesa é algo em torno de 5.4 milhões de pessoas. Dentre elas, 5.6% são pessoas nascidas em outro país (ver: foreign-born population 2013 – dados oficiais mais recentes) e dentre esta parcela da população, 16.8% estava desempregada em 2014 (ver: foreign-born unemployment 2014 – dados oficiais mais recentes). É fato que uma parcela considerável da população imigrante finlandesa possui qualidade de vida inferior à da população nativa. Isso somado ao fato de que, muitas vezes, os pais dessas crianças não dominam o idioma local ou possuem um nível baixo de escolaridade, que os impossibilita de participar mais ativamente da vida escolar de seus filhos.
Claro que há muito mais a se discutir, há outros fatores a serem percebidos e um grande exercício crítico a se fazer. Em minha opinião, entretanto, esses são os que mais chamam a atenção num contexto geral. A posição do atual governo em questões referentes à educação também vem causando polêmica e diferença de opiniões; uma série de cortes na verba para todos os segmentos da educação foram feitos em 2016, gerando protestos que ainda não cessaram.
Mas devo dizer uma coisa, pelo que conheço da Finlândia e dos finlandeses quando têm orgulho de algo: estou certa de que vão trabalhar duro e incansavelmente para resolver esses problemas.
Apesar de o Ministério da Educação e Cultura já haver anunciado que as mudanças implementadas no currículo nacional para educação em agosto de 2016 (escrevi sobre isso aqui), somadas ao período de quatro anos esperado para que as escolas se adaptem a elas, tenham como consequência mais quedas nos resultados do PISA, sinceramente, se o governo colaborar e se der conta de que pode ser muito mais positivo manter-se alinhado ao Ministério da Educação e Cultura e escutar seus professores, acho que as chances são grandes de que exatamente o contrário ocorra.