Vamos começar este artigo desejando a todos um excelente 2016, um ano novo cheio de realizações, afinal vocês estão no Ocidente e por aí janeiro é o primeiro mês do ano.
Mas aqui na China este dado faz sentido somente para atender ao calendário gregoriano, os negócios com o ocidente, a ordem mundial. Na realidade, para o povo chinês, ainda estamos no ‘ano velho’: o ano da Cabra não terminou. Isso só vai acontecer na noite do dia 7 para 8 de fevereiro, quando se inicia, de acordo com o calendário lunar, o ano do Macaco.
E toda a euforia no comércio, entre as pessoas, planos para festejar a entrada do ano, preparar ceia e rituais está acontecendo exatamente agora, em janeiro, nesse lado do mundo. Aqui, o principal feriado do ano é o Ano Novo Chinês, ou Festival da Primavera, como também é conhecido.
Aí você pode estar se perguntando: o que o movimento migratório tem que ver com o Ano Novo Chinês?
E eu te respondo: tudo! E posso te explicar em 3 pontos.
Zona urbana x zona rural:
Desde o inicio de sua abertura para o mundo na década de 1980, a China atraiu a atenção da indústria mundial, principalmente pela oferta de mão de obra barata. Esse movimento trouxe para o país milhares de empresas que queriam iniciar sua produção aqui com uma redução de custo. Mas as cidades chinesas, naquela época, não possuiam trabalhadores em número suficiente para atender a demanda. A zona rural era muito mais habitada que a zona urbana.
Nessa época se iniciou o movimento migratório chinês, onde milhões de pessoas (lembrem-se que aqui nada é pequeno, muito menos os números), deixaram sua terra natal para trabalhar na cidade grande.
Mas não pensem que esse movimento foi aleatório. O governo, através do sitema de Hukou, controla o destino e as condições de cada migrante. Há uma série de regras para um cidadão deixar sua cidade natal e se aventurar em outra província, que você pode conferir aqui. Levando-se em conta os números estratosféricos da população chinesa, essa medida é, na minha opinião, necessária, senão seria o caos. Só quem vive aqui, ou conhece bem o país, consegue ter essa noção tão clara do que é multidão.
Mesmo com todos esses cuidados, hoje a situação se inverteu e a população urbana está muito maior que a rural.
Tradição do Ano Novo Chinês:
Da mesma forma que nós ocidentais celebramos o Natal, como uma data de reunião da família, agradecimento pelo que conquistamos, fazer planos para o ano que se inicia, o chinês, apesar de não ter uma religião oficial e cristã, faz a mesma coisa no Ano Novo Chinês.
A diferença é que até a década de 1980, poucas famílias estavam vivendo em locais diferentes e distantes. O núcleo familiar chinês sempre foi muito unido, muitas vezes avós, filhos e netos dividiam a mesma casa ou, ao menos, a mesma propriedade. E essa data era algo simples de se comemorar.
O movimento migratório acabou desestruturando esse núcleo familiar. Hoje em dia é muito comum os pais virem trabalhar nas cidades e deixarem os filhos com os avós na sua cidade natal – lembrando que a tradição aqui é que os avós paternos criem os netos, para os pais poderem trabalhar.
Por outro lado, e apesar de toda modernização da China, as tradições milenares e a cultura ainda estão muito enraizadas no consciente coletivo. O Ano Novo Chinês é a principal tradição desse povo, e tem que ser passada em família, até porque são 15 dias de celebração, onde para cada um há um ritual diferente a ser seguido.
E como fazer isso, se a China é um país enorme e, muitas vezes, a cidade natal é no sul e se está trabalhando no norte? Simples! Viajando.
Começou o vaivém:
Começamos aí a movimentar, aproximadamente, de 350 a 400 milhões de pessoas num período de 20 a 30 dias. Para uma população que está chegando aos 1 bilhão e 400 milhões de pessoas, até que o número não assusta, né?
Só para referência, no website ‘Country Meters’ tem os números das populações de todos os países. E, segundo essa fonte, hoje o Brasil tem quase 210 milhões de habitantes. Ou seja, não temos nem o número da população migratória chinesa durante o Ano Novo Chinês!
Hoje em dia o sistema ferroviário chinês é de dar inveja a qualquer país desenvolvido. Trens limpos, muitas linhas atendidas por trem bala, extremamente pontuais e de fácil acesso. As estradas também receberam um bom incentivo do governo e estão cada dia mais equipadas. O tráfego aéreo é intenso e, apesar dos atrasos constantes, viajar de avião na China virou quase o mesmo que andar de ônibus.
Mesmo assim, toda essa estrutura não tem capacidade para atender a demanda desse feriado.
Geralmente as passagens de trem começam a ser vendidas 30 dias antes do ano novo, mas se esgotam em questão de horas. As filas são imensas 2 dias antes das vendas abrirem.
Em novembro, dependendo do destino, não se encontra mais passagens aéreas no período do ano novo chinês. E hoje em dia, com o aumento do poder aquisitivo do chinês, não se encontra passagens para viajar dentro da China e nem para quase nenhum dos países asiáticos. A família vai toda junta viajar para celebrar.
As estradas ficam lotadas, até porque nessas datas os pedágios são liberados pelo governo. Ninguém paga nada. Só que estrada é sempre mais arriscado e dependendo da distância, fica bem cansativo.
Os contrastes:
Viajar para locais turísticos nos feriados chineses é uma loucura (eu já tive algumas experiências nada animadoras), mas viajar pela China no Ano Novo Chinês é quase uma missão impossível!
Claro que existem contrastes bem significativos:
Shanghai (ou Xangai – onde vivo) e Guangzhou são cidades que possuem muitos migrantes, então sair delas nas vésperas do feriado e voltar no final do período é estresse na certa. Mas são excelentes locais para passar o Ano Novo Chinês – a cidade fica vazia! E se chega e parte no contrafluxo.
Beijing (a capital – Pequim) já é um local onde o fluxo é intenso nos dois sentidos, durante todo o período de celebração. O chinês também gosta de conhecer os locais históricos e Beijing é o centro turístico da China com os maiores ícones da cultura local. Destino certo para quem tem uns dias a mais.
Então, se está planejando vir para a China preste atenção nesse pequeno detalhe, ou você vai perceber exatamente porque eu mudei meu conceito de multidão!
Até a Próxima!
Ah, já ia esquecendo:
Feliz Ano Novo!
Xīnnián kuàilè!
新年快乐!