Eu vinha adiando escrever sobre este tema, choque cultural no Vietnã, há meses. Talvez por achar que, após residir um semestre na capital vietnamita, estaria acostumada a algumas práticas tão distintas que me trazem desconforto.
De fato, não me sinto à vontade em destacar pontos negativos nos meus textos (apesar de saber que eles também são importantes para quem planeja explorar um novo lugar).
Já compartilhei sobre minhas experiências positivas como voluntária no país, sobre a escola inovadora em que estou cooperando como Designer de Sustentabilidade e também sobre brinquedos, decoração e atividades artesanais. No entanto, evitei mencionar a minha dificuldade de adaptação à cultura.
É a primeira vez que sinto este forte bloqueio em dois anos e meio de jornada pelo mundo. Inclusive, tive queda de imunidade e fiquei doente algumas vezes.
Listo abaixo as três principais razões pessoais:
1) Trânsito
Eu amo caminhar e tive que abdicar dessa liberdade por causa da falta de leis de trânsito e de infraestrutura para pedestres, como calçadas, faixas para travessia e passarelas. É perigoso e estressante ser caminhante em Hanói (não estou me referindo às áreas turísticas e aos condomínios fechados).
Nos primeiros meses, eu morei em uma das principais ruas do Centro (Hoàng Hoa Thám) e levei três semanas para conseguir atravessa-la sozinha. Não há sinal de trânsito nesta rua e o fluxo é intenso durante todo o dia. A estreita calçada é ocupada pelos comerciantes locais, ambulantes e motociclistas.
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O pedestre não tem vez em Hanói. Ao contrário das leis universais de trânsito, os veículos mais pesados como caminhões e ônibus têm preferência e não respeitam os carros, que por sua vez não respeitam as motos, bicicletas nem pedestres. Vence quem tem mais peso, tamanho e status.
A cultura do individualismo prevalece no trânsito. Ninguém olha ao entrar em uma rua. Os motoristas jogam o veículo na frente de quem estiver passando (uma das principais razões das buzinas serem acionadas a cada segundo).
Além disso, os condutores param em qualquer lugar, inclusive no meio da rua ou ponte para conversar, comprar algo ou tirar foto. Você que desvie! Estacionam sem sinalizar e voltam para a pista com a mesma naturalidade, como se estivessem dirigindo em uma ilha deserta.
Andar na contramão, falando ao celular, carregando a casa na moto é normal por aqui. É o que vejo diariamente na hora do rush enquanto vou para a escola de bicicleta. Sinal vermelho? Nem pense em confiar.
Desde 1999, Hanói é reconhecida pela UNESCO como uma “Cidade pela Paz”. Porém, não espere encontrar paz no trânsito. Eu particularmente não consigo e fico muito estressada toda vez que preciso encara-lo.
2) Barulho
O meu sentido mais aguçado é a audição e, desde que desembarquei no aeroporto, sofro com a excessiva poluição sonora. Não é frescura. Sinto realmente dor e desconforto.
Além das buzinas durante dia e noite e do ronco do motor das milhões de motos, há construções por toda cidade em operação nos sete dias da semana. Só param durante as duas horas de almoço quando 90% da população dorme (chutei o percentual, mas é essa a impressão que tenho).
Acordar às 5h da manhã de um domingo com uma britadeira é rotina por aqui. Dormir às 23h em plena segunda-feira com o ruído de uma maquita, furadeira ou serradeira elétrica também. Lei do silêncio? Inexistente.
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Por ser uma língua monossilábica e tonal, idioma em que a entonação faz parte da estrutura semântica, a maioria dos vietnamitas fala muito alto.
Utilizam o telefone celular no viva voz com muita frequência e dificilmente deixam de atender uma ligação. Podem estar conversando com você, participando de uma reunião ou palestra, no restaurante, no cinema, ou até mesmo no spa, a chamada telefônica é mais importante (mesmo que seja de um número desconhecido). Falam por vários minutos no modo viva voz sem perceberem que estão incomodando. De novo, a cultura do individualismo prevalecendo.
3) Ritmo
Que o sudeste asiático tem um ritmo diferente não é novidade para ninguém. Mas eu não fazia ideia que eu precisava desacelerar tanto para acompanha-lo. Ainda não consegui apesar de constantes tentativas.
Muitos visitantes temporários admiram este estilo zen. Confesso que morando no país e trabalhando com locais, não consigo compartilhar o mesmo sentimento. O ritmo é excessivamente lento para uma ariana com ascendente em escorpião.
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Há muitos outros costumes locais que me chocam e estou longe de me adaptar. Listei apenas os três com maior impacto no meu bem-estar e que fogem do meu controle.
Finalizo reforçando que são experiências e visões pessoais. Portanto, não devem ser generalizadas.
E você? Já sofreu algum choque cultural parecido ou conhece alguém que tenha tido essa experiência? Compartilhe nos comentários. Vou adorar ler.
1 Comment
Nooossa, como pode! Fiquei curiosa: com um trânsito tão louco de pessoas individualistas como fica a taxa de acidentes e mortalidades nessa história? E as pessoas não brigam no trânsito, por batidas, por ciclano estar parado no meio do caminho batendo papo? Apesar de tudo são pessoas sem rancores para com o próximo, realmente Zen ????❓