Cidade do México. Inferno ou paraíso?
Após algumas expatriações, você aprende que todo lugar tem seu lado bom e ruim. Alguns têm o lado bom tão bom, que você nem repara no lado ruim. E outros, têm o lado ruim tão ruim, que você não enxerga o lado bom. E a Cidade do México? É difícil responder, pois o que para uns é o paraíso, para outros é o inferno.
De fato, a maioria dos expatriados ama morar aqui. E quando pergunto o porquê, a primeira resposta é a “mordomia”. Todo mundo tem cozinheira, arrumadeira, babá, motorista e, se você mora em casa, ainda tem um “moço” (tipo um faz-tudo). Eu fico chocada, pois isto nem faz parte da minha lista de prioridades (mesmo odiando tarefas domésticas). Aliás, minha lista é bem diferente…
Segurança
Esta é a minha maior prioridade, então, obviamente o México estava na lista dos “nunca-jamais”. Mas na verdade, a insegurança aqui não é a dos arrastões, do assaltante com faca, do tiro disparado pelo moleque drogado. O crime aqui é organizado. É mais ambicioso. É imposto pelo tráfico e pela polícia, que aqui não é corrupta, é criminosa.
Os traficantes não estão escondidos nas favelas. São conhecidos e influentes, são nossos vizinhos, pais dos amiguinhos da escola. Sequestros e assassinatos horríveis, execução no supermercado da esquina, gente enforcada na praça, tiros no jardim ao lado, são coisas que realmente acontecem. Mas, tenho que admitir, que passo menos medo aqui do que passava em São Paulo.
Não tenho medo de parar no semáforo ou tirar dinheiro no caixa eletrônico, mas tenho pânico, por exemplo, de que um policial me mande estacionar. É difícil explicar! Tenho medos maiores, com menos frequência. Tenho medo de sequestro, da truculência e da extorsão da polícia, mas não é o medo diário e iminente que sentia em São Paulo. É o medo improvável e distante, das estatísticas do mundo do narco, do qual não fazemos parte.
A comida
Outro item elogiado pelos expatriados é a comida. Em 2010, a gastronomia mexicana foi reconhecida pela ONU como Patrimônio Cultural da Humanidade, mas se você não é adepta do picante, vai sofrer!
Eu experimento tudo, formiga, gafanhoto e um monte de novidades, e já tenho algumas paixões e até alguns vícios…mas a verdade é que mesmo as comidas que os mexicanos insistem em dizer que não “picam” (não são picantes) quase arrancam a pele da sua língua! Aprendemos rápido: se eles dizem que não pica, pica! Se eles dizem “pica poco”, pica muito. E, quando eles assumem que pica, saia de perto porque vai derreter sua cabeça! E sim, a cidade oferece muitas opções internacionais mas, se você bobear, o sushi pica, o espaguete pica e o serviço pode deixar muito a desejar.
Estou aqui há quase 3 anos e nunca uma entrada chegou antes do prato principal. Lentidão, pedidos errados, garçom com dedo dentro do prato, erros na conta, e até a desagradável surpresa do sanduba que pedi pra viagem estar mordido, são só alguns exemplos. Portanto, prefiro a comida do meu marido, principalmente pois, para chegar aos bons restaurantes, levaremos mais de uma hora! O que nos leva a outro item:
O trânsito
Todo mundo sabe que o trânsito aqui é um dos piores do mundo. O problema não é só o excesso de carros. Tirar carta de motorista é muito fácil e põe na rua um monte de gente que dirige mal. Pra piorar, a cidade, enorme, é muito mal planejada. O segredo é sempre ter comida e água no carro, pois você pode passar 3 horas em um percurso que duraria 20 minutos.
Mas, para mim, o mais complicado é a forma de dirigir. Aqui, ao invés de direção defensiva, você tem que aprender direção agressiva. Se você for educada, passam por cima de você, se ligar a seta, todo mundo acelera e você não muda de faixa nunca mais (então, claro, ninguém usa a seta, todo mundo se joga). Ganha quem tem mais coragem, sobrevive quem ataca. E os caminhões e ônibus, além da hostilidade, têm as calotas assassinas, cheia de esporas, tipo Mad Max! Super delicados…
O clima, a poluição e a altitude
Outra coisa que encanta os expatriados é o clima, por não ser de temperaturas extremas. De fato, aqui nunca faz o calor da África, nem o frio da Rússia. A média anual varia de 12 °C a 16 °C. Mas o verão, que é bem quente, é a estação de chuvas, ou seja, um caos! E o inverno, pode não ser o da Rússia, mas é frio de verdade.
Este ano tivemos dias entre -3 °C e 8 °C e as aulas chegaram a ser suspensas por causa do frio. O grande problema é que a cidade não está preparada. Na maioria dos lugares não há aquecimento, e no meu bairro, por exemplo, as casas são de vidro e mármore (fico dentro de casa de luva e cachecol!). E, quando não chove, a poluição aumenta.
Apesar dos esforços, a cidade ainda apresenta níveis de poluição altíssimos e níveis de ozônio até 2 vezes superiores aos limites de segurança definidos pela Organização Mundial da Saúde. Na escola das meninas, quando a qualidade do ar está inaceitável (o que é frequente) se eleva uma bandeira vermelha, as aulas de educação física são canceladas e não se pode fazer nenhum esforço físico. Nos alertas mais extremos de poluição ou níveis elevados de raios ultravioleta, ninguém sai da classe o dia todo. Além disso, o ar é muito seco, o nariz sangra, olhos e garganta ficam irritados e tosse, alergias e epidemias de doenças respiratórias são constantes.
Pra completar, a cidade está a 2.300 metros acima do nível do mar e isso, por si só, já causa muitos incômodos, como falta de ar, dores de cabeça, tonturas e náuseas. Dizem que com o tempo você se acostuma, mas eu, até hoje, quando subo uma escada, acho que vou morrer. Ou seja, respirar aqui não é fácil nem saudável!
Leia também: Adaptando-se à gastronomia, poluição e propinas no México
E a lista do inferno segue… Terremotos, serviços públicos (e privados) péssimos, a cultura da propina (que aqui quer dizer gorjeta, mas sem ela nada acontece), a desonestidade e falta de compromisso, o machismo exagerado, a cultura americanizada e extremamente consumista, o catolicismo fervoroso, o moralismo e o preconceito, a desigualdade social e de gênero e mil outras coisinhas ruins.
Mas a lista do paraíso também é grande: as opções turísticas maravilhosas, a história e a cultura riquíssimas, o nacionalismo contagiante, a simpatia e a receptividade do povo, as festas e tradições, as praias, as cores, os Pueblos Mágicos, a quantidade e a qualidade incrível dos museus e mil outras coisinhas boas.
Não posso dizer que há um equilíbrio, mas, morar aqui é ruim? Depende. Morar aqui é bom? Depende. Depende de você, de suas prioridades, de sua boa vontade e principalmente de suas opções… E (como sempre digo) ser feliz também é uma opção. Portanto, é sempre possível, em qualquer lugar!
4 Comments
Roberta, eu ri com seu texto. Eu morei no México por seis anos, inclusive minha família ainda mora lá, e você fez a compilação perfeita de tudo que é ruim naquela cidade 😀
Quantos aos restaurantes, acho que você ainda vai encontrar os que realmente são bons e quando encontrar vai querer voltar sempre! Tem tanta coisa nessa cidade que dá pra viver uma vida lá e não conhecer tudo. Eu moro na Estônia agora, e sinto falta de muita coisa do México, mas concordo com tudo que você falou, é tudo verdade. Viver lá é uma montanha russa de emoções, haha!
Boa sorte, espero que você encontre coisas que ame também!
Beijos
Oi Ana Carolina, é isto mesmo…Inferno e paraíso junto e misturado, mas com muita coisa pra amar e sentir saudades!
Horrorizado com essa cidade!
Já então eu que “tiro de letra” São Paulo,não tenho motivos para me assustar com a Cidade do México mesmo,claro lamento os problemas atribuídos à maior cidade brasileira como arrastões,os assaltantes armados com faca ou os moleques drogados atirando mas procuro entender as causas disso,vendo por exemplo há quase dois meses 500 desabrigados acampados morando no largo do Payssandu onde um edifício pegou fogo e desmoronou,realmente noto mais problemas sociais em São Paulo que na capital mexicana,mesmo aqui não tendo terremoto,vulcão,relevo montanhoso que concentra os poluentes,etc.